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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

DO BICHO À MÁFIA: COMO TORTURADORES E BICHEIROS MOLDARAM O CRIME ORGANIZADO NO RIO DE JANEIRO – PARTE 10


Em novembro de 1984, a disputa pelo samba que seria apresentado no carnaval seguinte pela Unidos de Vila Isabel foi quente, bem mais quente do que costumava ser todos os anos.

Além dos sambas em disputa, dois grupos se digladiavam pelo poder. De um lado, o bicheiro Waldemir Garcia, o Miro, presidente de honra da Escola, e seu filho, Waldemir Paes Garcia, o Maninho; do outro, Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente da Escola e nosso velho conhecido. Todos devidamente escoltados por seus seguranças, apenas esperando uma ordem para dar início derramamento de sangue.

Quando Guimarães abocanhou a tão almejada presidência da Escola do bairro de Noel, em 1983, esta já tinha seu patrono-bicheiro: Miro e família. Desde sempre – Miro foi presidente de 1966 a 1968.

Inicialmente, Guimarães buscou uma convivência pacífica com Miro, evitando o conflito. Procurou se tornar uma pessoa reconhecida pela comunidade, subiu o Morro dos Macacos, tentou parecer simpático aos membros da bateria, aproximou-se dos sambistas.

Observando os feitos dos “capi” Castor e Anísio, da Mocidade e da Beija-Flor, respectivamente, Guimarães sabia que uma vitória no carnaval seria fator fulcral para seu sucesso dentro da Escola. A Vila nunca havia vencido um carnaval.

Guimarães investiu. Para o desfile de 1985, trouxe o carnavalesco Max Lopes, campeão no ano anterior pela Mangueira. Max exibira o enredo “Yes, nós temos Braguinha”, naquele que foi o primeiro desfile no recém-inaugurado Sambódromo.

Foi justamente nos preparativos para o carnaval de 1985 que o clima entre ambas as facções ficou tóxico, dentro da azul e branco. O motivo foi o samba-enredo.

Tradicionalmente, quem escolhia o samba era Miro, monocraticamente. Nesse ano, decidiu-se pelo samba de Pedrinho da Flor. Guimarães, por sua vez, trouxe o compositor David Corrêa, autor do vibrante “Skindô, Skindô”, do Salgueiro de 1984, assim como do belíssimo “Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite”, da Portela de 1982. Guimarães queria um samba de David na Sapucaí.
A briga prometia... A certa altura, Maninho reuniu seus capangas, avisou que seu pai não seria desrespeitado e deixou Guimarães saber. Percebendo uma tragédia se aproximando, Elizabeth Nunes, diretora do Salgueiro, interferiu e demoveu Miro de levar adiante uma guerra contra Guimarães. Convenceu Miro a recuar, deixar a velha Vila que tanto amava e assumir como padrinho do Salgueiro. A contragosto e muito contrariado, aceitou.

David Corrêa viu seu samba ser escolhido. A Escola que cantou “Puro amor na clausura / A prisão sem tortura” em 1980, agora era apadrinhada por um sádico, ex-torturador e homicida com longa ficha-corrida.
A Escola do “bairro com nome de princesa” ficou em terceiro lugar, trazendo o enredo “Parece que foi ontem”. NO ano seguinte, amargou um 11º lugar, com “De alegria cantei, de alegria pulei, de três em três pelo mundo rodei”. Em 1987, Martinho, Ovídio Bessa e Azo compuseram “Raízes”, samba audacioso, não fazia uso de rimas, mas a Escola só conseguiu uma 5ª colocação. Durante sua passagem pela presidência, a Escola não atingiu a primeira colocação.

O destino não deixaria de pregar uma peça em Guimarães. Para o na seguinte, a Unidos de Vila Isabel elegeu novo presidente; ou melhor, uma nova presidente: Licia Maria Maciel Caniné, a Ruça, a então senhora de Martinho da Vila. Ex-militante do PCB, essa mulher levaria a escola a ser campeã pela primeira vez, sem apoio de bicheiros, sem quadra e contando apenas com sua comunidade fiel e apaixonada. O samba de Luiz Carlos da Vila, Rodolpho de Souza e Jonas embalou corações verdadeiramente apaixonados.

A “comunista” desferiu um golpe certeiro contra o torturador.

Ruça conhecia bem quem a precedia na presidência da agremiação. Ao cruzar com Guimarães em ensaios, na quadra, Ruça não deixava de cumprimentá-lo, “Olá, doutor Pablo”, seu codinome no tempo de DOI.  
A aproximação entre Guimarães e o Morro dos Macacos renderia infortúnios os mais diversos. Ainda na segunda metade da década de 1980, um informe confidencial do SNI apontava o envolvimento do Capitão com o contrabando de armas e drogas destinado a traficantes do Morro dos Macacos. O título do documento: “Contrabando de armas – Ailton Guimarães Jorge”.

Deixando a presidência da Vila Isabel em 1987, assumiu a presidência da LIESA.  

No mesmo Informe, é citado o nome de Laíla, na época diretor de harmonia da Unidos de Vila Isabel, como proprietário do imóvel onde as armas ficavam guardadas. Laíla fora levado para a Vila por Guimarães, saindo do Salgueiro.

(Continua!)
    

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Os porões da contravenção”


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