Em novembro de 1984, a disputa pelo samba que seria apresentado
no carnaval seguinte pela Unidos de Vila Isabel foi quente, bem mais quente do
que costumava ser todos os anos.
Além dos sambas em disputa, dois grupos se digladiavam pelo
poder. De um lado, o bicheiro Waldemir Garcia, o Miro, presidente de honra da
Escola, e seu filho, Waldemir Paes Garcia, o Maninho; do outro, Ailton
Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente da Escola e nosso velho
conhecido. Todos devidamente escoltados por seus seguranças, apenas esperando
uma ordem para dar início derramamento de sangue.
Quando Guimarães abocanhou a tão almejada presidência da
Escola do bairro de Noel, em 1983, esta já tinha seu patrono-bicheiro: Miro e
família. Desde sempre – Miro foi presidente de 1966 a 1968.
Inicialmente, Guimarães buscou uma convivência pacífica com
Miro, evitando o conflito. Procurou se tornar uma pessoa reconhecida pela
comunidade, subiu o Morro dos Macacos, tentou parecer simpático aos membros da
bateria, aproximou-se dos sambistas.
Observando os feitos dos “capi” Castor e Anísio, da Mocidade
e da Beija-Flor, respectivamente, Guimarães sabia que uma vitória no carnaval
seria fator fulcral para seu sucesso dentro da Escola. A Vila nunca havia
vencido um carnaval.
Guimarães investiu. Para o desfile de 1985, trouxe o
carnavalesco Max Lopes, campeão no ano anterior pela Mangueira. Max exibira o
enredo “Yes, nós temos Braguinha”, naquele que foi o primeiro desfile no
recém-inaugurado Sambódromo.
Foi justamente nos preparativos para o carnaval de 1985 que
o clima entre ambas as facções ficou tóxico, dentro da azul e branco. O motivo
foi o samba-enredo.
Tradicionalmente, quem escolhia o samba era Miro,
monocraticamente. Nesse ano, decidiu-se pelo samba de Pedrinho da Flor.
Guimarães, por sua vez, trouxe o compositor David Corrêa, autor do vibrante “Skindô,
Skindô”, do Salgueiro de 1984, assim como do belíssimo “Das maravilhas do mar,
fez-se o esplendor de uma noite”, da Portela de 1982. Guimarães queria um samba
de David na Sapucaí.
A briga prometia... A certa altura, Maninho reuniu seus
capangas, avisou que seu pai não seria desrespeitado e deixou Guimarães saber.
Percebendo uma tragédia se aproximando, Elizabeth Nunes, diretora do Salgueiro,
interferiu e demoveu Miro de levar adiante uma guerra contra Guimarães.
Convenceu Miro a recuar, deixar a velha Vila que tanto amava e assumir como
padrinho do Salgueiro. A contragosto e muito contrariado, aceitou.
David Corrêa viu seu samba ser escolhido. A Escola que
cantou “Puro amor na clausura / A prisão sem tortura” em 1980, agora era apadrinhada
por um sádico, ex-torturador e homicida com longa ficha-corrida.
A Escola do “bairro com nome de princesa” ficou em terceiro
lugar, trazendo o enredo “Parece que foi ontem”. NO ano seguinte, amargou um
11º lugar, com “De alegria cantei, de alegria pulei, de três em três pelo mundo
rodei”. Em 1987, Martinho, Ovídio Bessa e Azo compuseram “Raízes”, samba
audacioso, não fazia uso de rimas, mas a Escola só conseguiu uma 5ª colocação.
Durante sua passagem pela presidência, a Escola não atingiu a primeira
colocação.
O destino não deixaria de pregar uma peça em Guimarães. Para
o na seguinte, a Unidos de Vila Isabel elegeu novo presidente; ou melhor, uma
nova presidente: Licia Maria Maciel Caniné, a Ruça, a então senhora de Martinho
da Vila. Ex-militante do PCB, essa mulher levaria a escola a ser campeã pela
primeira vez, sem apoio de bicheiros, sem quadra e contando apenas com sua
comunidade fiel e apaixonada. O samba de Luiz Carlos da Vila, Rodolpho de Souza
e Jonas embalou corações verdadeiramente apaixonados.
A “comunista” desferiu um golpe certeiro contra o
torturador.
Ruça conhecia bem quem a precedia na presidência da
agremiação. Ao cruzar com Guimarães em ensaios, na quadra, Ruça não deixava de
cumprimentá-lo, “Olá, doutor Pablo”, seu codinome no tempo de DOI.
A aproximação entre Guimarães e o Morro dos Macacos renderia
infortúnios os mais diversos. Ainda na segunda metade da década de 1980, um
informe confidencial do SNI apontava o envolvimento do Capitão com o
contrabando de armas e drogas destinado a traficantes do Morro dos Macacos. O
título do documento: “Contrabando de armas – Ailton Guimarães Jorge”.
Deixando a presidência da Vila Isabel em 1987, assumiu a
presidência da LIESA.
No mesmo Informe, é citado o nome de Laíla, na época diretor
de harmonia da Unidos de Vila Isabel, como proprietário do imóvel onde as armas
ficavam guardadas. Laíla fora levado para a Vila por Guimarães, saindo do
Salgueiro.
(Continua!)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
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