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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

DO BICHO À MÁFIA: COMO TORTURADORES E BICHEIROS MOLDARAM O CRIME ORGANIZADO NO RIO DE JANEIRO – PARTE 9


Desde que a guerra pelo domínio do jogo do bicho se iniciara, no Espírito Santos, muitas vítimas tombaram em meio violência que se instalou no estado. Uma dessas vítimas era chamada Agneis da Silva Araújo, de 20 anos. Trabalhava na boate Le Chat Noir, um prostíbulo localizado na Praia do Canto, onde atendia seus clientes por Geovana.

Nunca mais foi vista após prestar depoimento na sede da Polícia Federal em Vitória. Lá, após perguntada, forneceu o que os agentes buscavam: “O Capitão Guimarães comenda o grupo de extermínio que atua aqui, no Espírito Santo.”

Agnes, ou Geovana, teve conhecimento dos meandros do submundo da contravenção após namorar o investigador Romualdo Eustáquio Luís Faria, o Japonês, que, hipnotizado pelos lábios da morena, revelou seu papel na quadrilha de Guimarães, e muito mais.

A jovem se recordou de algumas passagens, ao lado do namorado, especialmente das conversas sobre crimes, violência, gravações de homicídios, quando os membros da quadrilha se deliciavam assistindo suas vítimas morrerem.

Basicamente, Guimarães reproduzia em terras capixabas a sua estratégia bem sucedida em Niterói. Associou-se ao bicheiro local, José Carlos Gratz, e ao delegado miliciano Cláudio Guerra. Unificaram o controle de todas as bancas do jogo do bicho. Pouco tempo depois, todos os talões da jogatina traziam uma imagem de um periquito vestido de uniforme verde-oliva, o logotipo do Capitão.

Outra vítima da matança capixaba foi Jonathas Bulamarques, proprietário de um cassino clandestino. Após se recusar a vender seu negócio para a quadrilha do Capitão, ficou gravemente ferido quando seu carro explodiu, ao voltar à casa: teve a perna esquerda amputada, assim como os dedos da mão esquerda e ficou praticamente cego. Antes que pudesse se vingar, três homens armados invadiram sua casa e o fuzilaram.

O único condenado por esse crime foi o delegado Cláudio Guerra, a 42 anos, dos quais cumpriu 10, até ser libertado.

Capitão Guimarães e José Carlos Gratz se tornaram, em 1986, os comandantes da contravenção no Espírito Santo, domínio este garantido por uma enorme rede de autoridades devidamente cooptadas à base de muita propina: políticos, juízes, advogados, empresários e policiais.

Gratz foi eleito deputado estadual em 1996 e depois lideraria a Assembléia Legislativa estadual.
As atividades da quadrilha logo se ramificaram em casos de violência, lavagem de dinheiro, extorsão, envolvimento de políticos aliciados com o narcotráfico. O crime organizado logo impulsionaria o estado ao posto de “terra sem lei”.

A primeira reação oficial somente ocorreu em 1989, com a Operação Marselha. Esta se iniciou após denúncia de troca de carros roubados por cocaína, nas fronteiras do Brasil com Bolívia e Colômbia. De plano, apreenderam-se mais de 30 carros roubados.

Dentre os indiciados, figurava o nome do delegado Cláudio Guerra, ao lado de outros 30. As acusações foram: furto, roubo, receptação de carros roubados, favorecimento a contraventores, estelionatários e traficantes (como José Carlos dos Reis Encina, o icônico Escadinha), cárcere privado e mandante de múltiplos homicídios.

O lutador-torturador-fora-da-lei Marco Antônio Povoleri, padrinho de um dos filhos de Guerra, foi preso anos antes ao ser flagrado com um carregamento de 5 carros roubados, que seriam entregues à quadrilha de José Carlos de Carvalho, o Carlinhos Gordo – responsável por 80% dos roubos de carro no Rio.
Povoleri cumpriria 4 anos e meio em regime fechado. Suspeitava-se de que tais veículos seriam convertidos em cocaína, a ser distribuída no Brasil.

Embora acusados e por vezes relacionados a uma série de crimes, os bicheiros perdiam mesmo o brio quando enfrentavam suspeitas de envolvimento com tráfico de drogas. Sabiam que este crime poderia pôr em risco todo o resto, incluindo a imagem pública, mais seriamente que qualquer outro.   

O dia 12 de outubro de 1989 começou com a prisão de Guerra, na casa de Capitão, em Itaipu, Niterói. Poucas horas depois, Capitão, que estava em uma churrascaria, também seria preso por uma equipe da PF, que adentrou o estabelecimento ainda no meio da refeição. Ao lado de Capitão, dois policiais civis e Povoleri. Todos saíram de lá presos, em decorrência do depoimento da falecida Agnes – ou Geovana.

Era o final glorioso da Operação Marselha. Mas um Capitão exibindo um sorriso aliviado, ainda no camburão da PF, levantava uma certa desconfiança em quem assistia à cena.

(Continua!)


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Os porões da contravenção”

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