Desde que a guerra pelo domínio do jogo do bicho se
iniciara, no Espírito Santos, muitas vítimas tombaram em meio violência que se
instalou no estado. Uma dessas vítimas era chamada Agneis da Silva Araújo, de 20
anos. Trabalhava na boate Le Chat Noir, um prostíbulo localizado na Praia do
Canto, onde atendia seus clientes por Geovana.
Nunca mais foi vista após prestar depoimento na sede da
Polícia Federal em Vitória. Lá, após perguntada, forneceu o que os agentes
buscavam: “O Capitão Guimarães comenda o grupo de extermínio que atua aqui, no
Espírito Santo.”
Agnes, ou Geovana, teve conhecimento dos meandros do
submundo da contravenção após namorar o investigador Romualdo Eustáquio Luís
Faria, o Japonês, que, hipnotizado pelos lábios da morena, revelou seu papel na
quadrilha de Guimarães, e muito mais.
A jovem se recordou de algumas passagens, ao lado do
namorado, especialmente das conversas sobre crimes, violência, gravações de
homicídios, quando os membros da quadrilha se deliciavam assistindo suas vítimas
morrerem.
Basicamente, Guimarães reproduzia em terras capixabas a sua
estratégia bem sucedida em Niterói. Associou-se ao bicheiro local, José Carlos
Gratz, e ao delegado miliciano Cláudio Guerra. Unificaram o controle de todas
as bancas do jogo do bicho. Pouco tempo depois, todos os talões da jogatina
traziam uma imagem de um periquito vestido de uniforme verde-oliva, o logotipo
do Capitão.
Outra vítima da matança capixaba foi Jonathas Bulamarques, proprietário
de um cassino clandestino. Após se recusar a vender seu negócio para a
quadrilha do Capitão, ficou gravemente ferido quando seu carro explodiu, ao
voltar à casa: teve a perna esquerda amputada, assim como os dedos da mão
esquerda e ficou praticamente cego. Antes que pudesse se vingar, três homens
armados invadiram sua casa e o fuzilaram.
O único condenado por esse crime foi o delegado Cláudio
Guerra, a 42 anos, dos quais cumpriu 10, até ser libertado.
Capitão Guimarães e José Carlos Gratz se tornaram, em 1986,
os comandantes da contravenção no Espírito Santo, domínio este garantido por
uma enorme rede de autoridades devidamente cooptadas à base de muita propina:
políticos, juízes, advogados, empresários e policiais.
Gratz foi eleito deputado estadual em 1996 e depois lideraria
a Assembléia Legislativa estadual.
As atividades da quadrilha logo se ramificaram em casos de
violência, lavagem de dinheiro, extorsão, envolvimento de políticos aliciados
com o narcotráfico. O crime organizado logo impulsionaria o estado ao posto de “terra
sem lei”.
A primeira reação oficial somente ocorreu em 1989, com a
Operação Marselha. Esta se iniciou após denúncia de troca de carros roubados
por cocaína, nas fronteiras do Brasil com Bolívia e Colômbia. De plano,
apreenderam-se mais de 30 carros roubados.
Dentre os indiciados, figurava o nome do delegado Cláudio
Guerra, ao lado de outros 30. As acusações foram: furto, roubo, receptação de
carros roubados, favorecimento a contraventores, estelionatários e traficantes
(como José Carlos dos Reis Encina, o icônico Escadinha), cárcere privado e mandante
de múltiplos homicídios.
O lutador-torturador-fora-da-lei Marco Antônio Povoleri,
padrinho de um dos filhos de Guerra, foi preso anos antes ao ser flagrado com
um carregamento de 5 carros roubados, que seriam entregues à quadrilha de José Carlos
de Carvalho, o Carlinhos Gordo – responsável por 80% dos roubos de carro no
Rio.
Povoleri cumpriria 4 anos e meio em regime fechado.
Suspeitava-se de que tais veículos seriam convertidos em cocaína, a ser
distribuída no Brasil.
Embora acusados e por vezes relacionados a uma série de
crimes, os bicheiros perdiam mesmo o brio quando enfrentavam suspeitas de
envolvimento com tráfico de drogas. Sabiam que este crime poderia pôr em risco todo
o resto, incluindo a imagem pública, mais seriamente que qualquer outro.
O dia 12 de outubro de 1989 começou com a prisão de Guerra,
na casa de Capitão, em Itaipu, Niterói. Poucas horas depois, Capitão, que
estava em uma churrascaria, também seria preso por uma equipe da PF, que
adentrou o estabelecimento ainda no meio da refeição. Ao lado de Capitão, dois
policiais civis e Povoleri. Todos saíram de lá presos, em decorrência do
depoimento da falecida Agnes – ou Geovana.
Era o final glorioso da Operação Marselha. Mas um Capitão
exibindo um sorriso aliviado, ainda no camburão da PF, levantava uma certa
desconfiança em quem assistia à cena.
(Continua!)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
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