A Escola de Samba Mocidade Independente de Padre de Miguel é
famosa pela sua bateria, de notável beleza rítmica. Desde os anos 1960 essa
bateria revoluciona o modo de se tocar samba-enredo. Comandada por José Pereira
da Silva, o Mestre André, a indefectível “paradinha” ousava e abusava da
criatividade. Sebastião Esteves, o Tião Miquimba, foi quem inventou a marcação
do surdo de terceira.
A história da Mocidade começa no futebol, com time
Independente Futebol Clube. Em 1955, nasceu a Escola de Samba, reunindo os sambistas
moradores da Vila Vintém. Não tinha um dono: pertencia aos sambistas.
Em 1970, alcançou um inédito quarto lugar, com o enredo “Meu
pé de laranja lima”, baseado no best-seller de José Mauro de Vasconcelos. Em
1971, com o enredo “Rapsódia da saudade”, a escola ficou na penúltima posição.
Deveria ter sido rebaixada, com a Unidos de Padre Miguel, última colocada. Mas
uma alteração no regulamento, de última hora, evitou a queda de ambas.
Castor era o notório dono das bancas de jogo do bicho nos
bairros de Bangu e adjacências, portanto vizinhas da Escola. Seria inevitável a
aproximação.
Instalou-se na Escola, definitivamente, desde 1973, quando a
agremiação terminou em sétimo lugar. Inicialmente, evitou os holofotes da
presidência: indicou o policial Osman Pereira Leite para o cargo. Castor seria
o presidente de honra.
Castor investiu. Contratou o carnavalesco Arlindo Rodrigues,
campeão pelo Salgueiro nos anos 1960. Para a bateria, providenciou o retorno do
glorioso Mestre André, que se afastara em 1972 e 1973.
Em 1974, apresentando como enredo “A festa do divino”, a
Escola terminou na quinta colocação; Em 1975, com “O mundo fantástico de
uirapuru”, ficou em terceiro; em 1976 apresentou “Mãe menininha do Gantois” e
terminou em sexto; em 1978, trouxe “Brasiliana” e terminou no quarto lugar; em
1979, ostentando o enredo “O descobrimento do Brasil”, por fim, a Escola de
Padre Miguel conquistou o primeiro lugar do carnaval carioca.
Todos os enredos acima foram assinados pelo ilustre Arlindo
Rodrigues.
Mas a escalada acima não fácil. Em 1974, a Escola sofreu um
incêndio na Vila Hípica, seu ateliê. Perderam-se nas chamas “300 (fantasias se)
baianas, 150 fantasias de carregadores de alegorias, centenas de vestimentas de
12 alas – cada qual com 35 a sessenta figurantes -, além de Cr$ 40 mil em lamê,
oito máquinas de costura e vários metros de fazenda em geral”, conforme
noticiado pelo Jornal do Brasil.
A mesma publicação descreveu também as providências tomadas
pelo novo patrono: “o presidente de honra da Mocidade, advogado Castor de Andrade,
conseguiu a liberação do campo de futebol do Bangu Atlético Clube para que ali
se desenvolvam, em ritmo acelerado, os trabalhos finais, e para onde, ainda
hoje, será transportado todo o material necessário. Guardas de segurança serão
contratados para que se evitem novos transtornos.”
Osman cria em incêndio criminoso. A razão alegada por ele
era o fato de os concorrentes terem conhecimento do aumento brutal do orçamento
disponível para os desfiles: foi dos Cr$ 100 mil para mais de meio milhão. E
ainda confessou: “Se eu pego o responsável por isso, mato-o sem nenhum remorso.”
Por mais inacreditável que possa parecer, apenas em razão de
uma inesperada nota 4 em fantasia (justamente a fantasia...) a Escola saiu da
disputa pela vitória. O Salgueiro ficou com a vitória. Salgueiro era a Escola
do diretor Luiz Fernando do Carmo, o Laíla, de Joãozinho Trinta e do bicheiro
Osmar Valença. O enredo campeão foi “O Rei de França na ilha da assombração”.
Apesar dos esforços de Castor, envidados em nome da Escola e
no sentido de limpar seu próprio nome, a policia continuava insistindo em
tirar-lhe a paz. Em 1977, uma comissão da Secretaria de Segurança apurava as
atividades do bicho, como o assassinato de China Cabeça Branca, prendeu Anísio.
A lista de suspeitos a serem interrogados incluía o nome de “Osman Pereira
Leite, presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel e afilhado de Castor
de Andrade, em Bangu”, conforme redação da própria comissão.
Essa movimentação ocorreu poucos dias antes do início dos
desfiles. Devido aos transtornos causados, o delegado Newton Costa declarou: “Não
temos nada contra o samba, mas a verdade é que quase todas as escolas estão
entregues aos contraventores, e temos de ouvi-los. Por isso acabamos criando
problemas como esses.”
Na noite do desfile, Osman foi informado de que seria preso
logo após a apresentação de sua escola. A acusação era sua ligação com Castor.
Dias após, Osman não foi preso, mas o desfile da Mocidade
foi um desastre. Osman acusava a polícia de persegui-lo e a Riotur, de sabotar
a Escola, ao lado de concorrentes. A solução que ele encontrou? “Vou botar o
Castor de Andrade como presidente da escola e eu ficarei como vice-presidente.
Ele cuidará de toda a parte administrativa e financeira. Eu, ao contrário do que
vem acontecendo, estarei liberado para me preocupar apenas com a organização do
carnaval.”
A comissão queria os depoimentos de Osman e de Castor. Este era
acusado pelo assassinato do bicheiro Vicente Paula da Silva, seu funcionário.
Fora seqüestrado e assassinado em abril d 1973 e seu corpo foi achado cheio de
perfurações a bala, na rodovia Rio-Magé, além da mão esquerda cortada. O motivo
do crime? Vicente chamou Castor de ladrão em público. Os suspeitos da execução do
crime foram dois policiais: Sebastião José da Silva, o Tião Tripa, e Osman.
De qualquer maneira, assim como todos os demais, esse crime
nunca foi solucionado.
E Osman seguia presidindo a Mocidade por mais de uma década.
A vitória em 1979 trouxe uma apresentação inesquecível:
baianas fantasiadas de branco e preto carregavam caravelas sobre a cabeça,
esculturas de elefantes representando as Índias deixavam o público embevecido.
Arlindo Rodrigues se superara. O samba “O descobrimento do Brasil” fora
composto por Toco e Djalma Cril. Tão belo quanto ufanista, o que soava um tanto
“governista”, mas em nada obscureceu o espetáculo proporcionado pela
agremiação. Segue um trecho:
“Convocando o povo / Para entoar um poema de amor / Brasil,
Brasil, avante, meu Brasil / Vem participar do festival / Que a Mocidade
Independente / Apresenta neste Carnaval.”
Como um El Cid, Castor conquistava novas terras para seu
império.
O poderoso-bicheiro também maquinava como incrementar as
receitas que obtinha com as apostas. Parecia-lhe pouco o que faturava com suas
banquinhas nas esquinas de Bangu. Iniciou uma estratégia de “desenvolvimento de
mercado”. A oportunidade surgiu com a conexão com a máfia italiana, cuja
aproximação remonta à década de 1960, quando Castor conheceu Antonino Salamone,
capo da máfia italiana que, fugindo da polícia italiana, chegou ao Rio.
Castor empregou o novo amigo na sua Tecelagem Bangu. Mas
isso era só disfarce: Antonino estava em São Paulo.
Na década de 1970, Castor usou suas conexões com autoridades
do regime militar e conseguiu algo que pareceria impossível a qualquer ser
humano normal: o governo brasileiro emitiu cidadania brasileira ao foragido
Antonino, concessão oriunda da lavra do Ministro da Justiça Armando Falcão,
ainda no governo Geisel.
Segundo o juiz Walter Maierovitch: “Ele jamais poderia ter
obtido a cidadania porque cumpria pena quando fugiu para o Brasil. Havia um
mandado de prisão internacional. Os seus processos já tinham transitado em
julgado.”
Evidentemente profundamente grato pela ajuda descomunal que
recebera, Antonino soube retribuir. Ele foi o principal elo de Castor para, nos
anos 1980, fazer desembarcar no Brasil uma enxurrada de máquinas caça-níqueis.
(Continua!)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
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