Ronald Reagan chegou à Casa Branca em 1981. Este presidente
inaugurou uma nova era na política econômica mundial. De fato, quando se tronou
o mais novo residente da casa de George, diversos conselheiros e estrategistas
do governo já tinham traçado os mais novos planos para o futuro.
A retórica trazida por Reagan falava de uma década confusa
em seus estertores, durante a qual o orgulho da nação sofreu graves reveses, os
piores de sua história. Falava de um grande colosso econômico que,
surpreendentemente, foi feito refém por um grupo de paisinhos produtores de petróleo
no Oriente Médio, derrotado no campo de batalha por Viet Congs, expulso do Irã pela
revolução iraniana, mantido de lado enquanto o Exército Vermelho marchava para
o Afeganistão.
A sociedade americana também sentia na pele os efeitos
deletérios da reversão da tendência histórica de aumentos salariais. Parecia
que todos aguardavam um chamamento às Armas, em busca de algo que lhes
devolvesse a auto-estima. Presidente Reagan ofereceu: impostos mais baixos, mais
armas e retorno aos bons e velhos valores puritanos.
A ideia subjacente não era nem nova nem complicada: tirar o
Governo do caminho das pessoas, permitir que eles guardem consigo seu dinheiro
e possam levar a vida adiante, em paz. Na realidade, isso constituía um retrocesso
diante das soluções inspiradas na Crise de 1929, de que o mercado era
caprichoso demais para ser deixado nas mãos de empresas e consumidores; de que
o governo deveria disciplinar, incentivar e orientar o progresso do setor
privado, com a intenção de reverter Crises econômicas, não apenas no nível
local, mas também no nível global. Em certo sentido, a mensagem de Reagan era
consistente com as idéias iniciais de Volcker, de que os interesses nacionais
requeriam uma “desintegração na economia mundial” – no sentido de que deveria
ser tirada do equilíbrio, procurar mudanças.
A única diferença é que o velho ator de filmes B vocalizou
de maneira mais simples: nada será tão bem sucedido coletivamente quanto o
sucesso individual sem restrições, foi seu recado. Se a América não conseguia
sair do atoleiro, era porque o “Big Government” a segurava. Com um setor
privado potencialmente produtivo sendo impedido por um Leviatã centrado em si
mesmo, a única coisa necessária era soltar as amarras e o Leviatã voltaria ao
seu devido lugar.
E qual seria o lugar correto do Leviatã? A defesa da Nação.
E isso somente seria possível se as Forças Armadas projetassem seu poder aos
quatro cantos do planeta.
Após o endosso dado pelas urnas, Washington embarcou nas
políticas econômicas do lado da oferta e nos aumentos massivos do Orçamento
militar. Privilegiar políticas do lado da oferta era a chave para reduzir todos
os impedimentos à cumulação de capital. Na prática, isso significava: grandes
reduções de impostos para as classes superiores, redução de gastos com
programas sociais e a remoção de muitas restrições sobre Wall Street, resquícios
da era econômica anterior. Nesse meio tempo, os recentes aumentos dos gastos
militares forneceram a demanda necessária para a expansão de uma grande rede de
indústrias militares interconectadas e de encomendas de equipamentos de defesa.
Quando dissidentes denunciaram que as reduções de impostos
beneficiavam apenas os ricos (especialmente quando combinados com cortes em
programas sociais), a resposta padrão veio na forma do tão repetido “trickle-down
effect”, ou efeito transbordamento: conforme os ricos se enriquecem ainda mais,
seus gastos e investimentos serão transbordados para os menos privilegiados,
mais efetivamente do que ocorreria por meio de transferências financeiras, o que
exigiriam a taxação dos mais ricos.
No entanto, não há qualquer evidência empírica que comprove
essa hipótese. De maneira mais simples: isso nunca ocorreu. A riqueza crescente
dos indecentemente ricos nunca alcançou as classes mais baixas. De fato, ocorreu
exatamente o oposto: um efeito um tanto diferente, o trickle-up effect, foi
ocasionado pelo mercado de derivativos.
Como se sabe, a “securitização” de dívidas sem garantias de
pessoas mais pobres (por exemplo, por meio da conversão de hipotecas sub-prime
em CDOs), tem o efeito de fazer o empréstimo inicial se tornar indiferente ao seu
adimplemento – porque ele já terá vendido essa dívida a outra pessoa.
Resumidamente, os bancos reuniam dívidas das pessoas mais
ricas, da classe média mais endinheirada, de empresas, classificadas como prime,
ao lado de dívidas sub-prime, sem garantias e extremamente arriscadas. Dividiam
em pacotes que traziam títulos de todo tipo, inclusive sub-primes e
comercializavam esses pacotes. Em geral, quem o adquiria não sabia quantos
títulos sub-prime havia no pacote adquirido.
Esses pacotes “securitizados” de dívidas são então vendidos
e revendidos com lucros estrondosos (ao menos até a Crise de 2008). Os ricos,
em um certo sentido, descobriram outra maneira engenhosa de ficarem ainda mais
ricos – pela comercialização de ativos de papel empacotados em meio a sonhos, projetos
pessoais e, eventualmente, desespero dos mais necessitados.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O Minotauro Global”
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