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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

NEOLIBERALISMO: A DOUTRINA ECONÔMICA DO CAOS


As políticas neoliberais postas em prática por Thatcher e Reagan serviram bem a seus propósitos. Mas era preciso mais: uma nova variante de teoria econômica que acrescentasse alguma legitimidade científica às políticas atuais.

Para tanto, havia dois pré-requisitos que a teoria deveria abordar para que fosse considerada realista e contemporânea, numa época em que o mundo da economia era, como sugerido por Paul Volcker, caminhando para um pouco de desintegração.

Primeiro, a teoria econômica deveriam se distanciar da idéia de que uma economia poderia ser gerenciada racionalmente. Em segundo lugar, deveria expor um modelo de economia em que restrições regulatórias na acumulação de capital e todas as formas de restrições democráticas sobre mercados desregulados pareciam ser não apenas ineficientes, mas também sem sentido.   

Ambos os pré-requisitos foram descritos por um modelo formalista (o qual surgiu em múltiplas formas, todas elas adornadas por uma complexidade matemática impressionante), na qual o capitalismo se apresentava segundo uma de duas alternativas: ou como um sistema estático de mercados conectados em um estado de equilíbrio permanente, mas sem uma representação temporal específica; ou como um sistema dinâmico, movendo-se conforme a seta do tempo, mas representando apenas um único indivíduo (chamado agente representante) ou um único setor. Em suma: uma geração de economistas cresceu com modelos econômicos que poderiam trabalhar com complexidade ou com exatidão temporal, mas nunca com ambos ao mesmo tempo.

O modelo neoliberal traz consigo “fraudes” científicas conhecidas como Hipótese de Mercados Eficientes (EMH, na sigla em inglês), Hipótese das Expectativas Racionais (REH, em inglês) e Teoria do Ciclo de Negócios Real (RBCT, em inglês). Em verdade, não passam de teorias mercadologicamente impressionantes, cuja complexidade matemática teve sucesso por longos anos, ao esconder suas fraquezas intrínsecas.  

A grande vantagem de tais modelos era que eles traziam uma descrição do capitalismo tão complexa matematicamente que os usuários poderiam passar a vida toda imersos em suas estruturas formais, infinitamente retorcidas, sem que percebesse que, seguindo o roteiro sobre o qual foram construídos, seus modelos nunca poderiam sequer iniciar uma simulação do capitalismo real, como ele é.   

Agora, todos os modelos são abstrações, e seus propósitos são simplificar. Na física, por exemplo, começa-se com muitos cenários simplificados (por exemplo, desconsiderando atrito, ou mesmo gravidade) de maneira a conseguir entender algumas leis básicas da natureza. Mas então passa-se firmemente ao relaxamento das proposições irreais. À custa de maiores complexidades, os físicos obtêm variáveis úteis para suas teorias.

Não apenas em economia. Porque em teoria econômica, o processo de relaxar gradualmente restrições simplesmente não funciona. Se a ausência e gravidade é um dos exemplos mais restritivos na física, o equivalente em economia seria a ausência do tempo. Ou que todos os consumidores e indústrias são idênticos. Mas, diferente da física, que pode relaxar restrições para chegar mais perto da verdade, a economia não pode. De fato, há um teorema notável em economia provando que modelos econômicos solucionáveis não podem manejar tempo e complexidade ao mesmo tempo.

O fato de tal teoria ser um dos pilares da economia mundial atual, torna importante que qualquer modelagem econômica matematizado que não seja capaz de descrever transações em tempo real, por diferentes pessoas e indústrias, deve se divorciar de qualquer teoria sobre crises.    

Além disso, uma crise é, por natureza, um fenômeno dinâmico que afeta uma multitude de pessoas (e de indústrias) na sociedade, que se desenrola  em tempo real. As crises requerem uma falha de coordenação entre pessoas e setores diversos, um colapso na capacidade coletiva da economia em utilizar seus recursos.
Então por que a teoria neoliberal é tão louvada, atualmente? Por dois motivos. O primeiro é fácil de discernir: sabendo-se que o “troféu” da teoria econômica moderna não deixa espaço para Crises e descreve o capitalismo como um sistema interconectado de mercados em equilíbrio estático, ele serve como um fundamento ideológico fundamental para o livre mercado. O segundo, menos óbvio, tem a ver com o dinheiro tóxico de Wall Street.

Esse dinheiro tóxico tomou a forma das infames CDOs. Após criar esses títulos, retalhando no mesmo pacote dívidas prime e subprime, provenientes de uma variedade enorme de pessoas e negócios, utilizavam-se fórmulas matemáticas de uma complexidade assombrosa, para valorá-las em termos de preço e de risco. Foram criadas por engenheiros financeiros que trabalhavam para Wall Street (J.P. Morgan, Bank of America, Goldman Sachs, etc.).

No entanto, para que essas formulas pudessem ser usadas, certos dados deveriam ser estimados. Primeiro e mais importante, qualquer probabilidade de variação negativa de qualquer papel que fizesse parte do pacote não poderia estar relacionada à probabilidade de qualquer outro papel variar negativamente, também. Isto é, o que ocorreu em 2007-2008 seria... Impossível!

Alguém poderia se perguntar por que pessoas brilhantes e cujas carreiras dependiam de uma boa reputação embarcaram numa aventura tão cheia de estimativas em que não poderiam confiar plenamente. A resposta, novamente, é dupla. Primeiro, estes operadores de mercado eram prisioneiros de um comportamento de horda e poderiam perder seus empregos caso não seguissem o fluxo do mercado. Segundo, durante os ciclos de alta a profissão de economista foi vendida como uma superstição matemática, a qual armava os corretores com uma confiança super-humana – e super-insana, capaz de levar à lona o sistema que os mantinha vivos.       


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O Minotauro Global”

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