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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

“WALMARTIZAÇÃO” DE CONTRATOS DE TRABALHO: COMO TRANSFORMAR OURO EM LAMA


Walmart é um dos maiores conglomerados empresarias do planeta. Com receitas anuais batendo nos 335 bilhões de dólares, só fica atrás da Exxon Mobil. Walmart simboliza a novíssima fase da acumulação capitalista.

Diferente dos primeiros conglomerados, os quais cresceram no século XX em decorrência de invenções e inovações tecnológicas disruptivas, o Walmart e sua absoluta desconsideração por seres humanos construíram um império suportado por praticamente nenhuma inovação tecnológica, exceto por uma longa cadeia de “inovações” envolvendo maneiras engenhosas de espremer preços de fornecedores e salários de empregados envolvidos em todos os estágios das operações, da produção à distribuição.

A eminência do Walmart se deve a um fator: na era dos “déficits gêmeos”, ele entendeu a frustração sentida pela classe trabalhadora norte-americana por ter sido deixada para trás na perseguição do American Dream, aquela certeza inabalável de que os salários seguiriam crescendo indefinidamente, tornando especialmente atraentes os preços mais baixos, sempre declinantes.

Diferente de corporações que focavam na construção de uma marca forte (como Coca-Cola, Marlboro), ou de empresas que criaram um setor inteiramente novo, por meio de alguma invenção (como Edison e a lâmpada, Microsoft e o Windows, Sony e o Walkman ou Apple e o pacote iPod/iPhone/iTunes), o Walmart fez algo que ninguém tinha nem mesmo cogitado: eles comercializaram uma nova ideologia de preços baixos, como se fosse uma marca que apelasse aos bolsos dos trabalhadores americanos empobrecidos e da baixa classe-média.  

Aqueles trabalhadores frustrados por verem seu padrão de vida decair desde 1973 viam nos preços mais baixos dos produtos a oportunidade de sentirem alguma satisfação enquanto consumidores. Sobretudo, suas condições de trabalho se deterioravam conforme outros empregadores copiavam fielmente o modelo inaugurado pelo Walmart.

Nem mesmo criticar as péssimas condições oferecidas a seus empregados seria possível, pelo simples fato de que o Walmart não tinha empregados. A empresa referia-se a eles como “associados”. O emprego dessa linguagem “orwelliana” é usado para explicar o completo banimento de atividades sindicais em suas instalações.

O resultado é uma variedade impressionante de denúncias de insalubridades: quase todos os “associados” recebem menos de 10 dólares por hora, horas-extras não remuneradas e trabalho em armazéns trancafiados no período noturno. A companhia enfrentou 63 processos trabalhistas em 42 estados. Para extinguir essas ações, a empresa pagou compensações de 352 milhões de dólares – apenas parte do que deixou de pagar ao longo dos anos.

Contudo, as condições em fábricas e fazendas do Terceiro Mundo, onde os produtos comercializados pelo Walmart são gerados, são, como se poderia imaginar, praticamente criminosas.

Os defensores do modelo Walmart de globalização dizem que o crescimento econômico tem se mantido forte por décadas, no mundo todo, algo benéfico aos pobres. Contudo, esquecem de considerar o efeito distributivo das práticas do Walmart sobre os mais pobres.

Um relatório da ONU de 2006 diz que, por volta de 1980, para cada $100 de crescimento econômico mundial, os 20% mais pobres recebiam $2,20. Após 21 anos, por volta de 2001, os países mais pobres, produção e emprego relacionados a multinacionais como Walmart tinha crescido substancialmente.

Após todos esses “benefícios” proporcionados, sabemos que um crescimento de $100 na economia mundial se reflete em apenas $0,60 no bolso dos 20% mais pobres. Se a isso somarmos os aumentos desproporcionais nos preços das commodities (alimentos, energia), assim como o decremento na qualidade dos serviços públicos, conseqüência inevitável dos diversos programas de ajuste impostos pelo FMI, no curso das crises de dívidas do Terceiro Mundo iniciada nos anos 1980, resta muito pouco para os seres humanos mais pobres comemorarem.

O chocante documentário de Robert Greenwald “Walmart: The High Cost of Low Price”, de 2005, uma mulher empregada numa fábrica de brinquedos na China, pergunta: “Vocês sabem por que os brinquedos que vocês compram são tão baratos?” E então prossegue, sem hesitar, respondendo ela mesma sua pergunta: “É porque nós trabalhamos o dia todo, todos os dias e todas as noites.”

Em suma: o Walmart representa mais que o capitalismo oligopolista corporativo. Representa um modelo de negócio que se desenvolveu em resposta às novas circunstâncias, em meio à pauperização do Primeiro Mundo. O modelo de negócio extrativista materializado na forma de preços baixos e lucrou ao entender a intrínseca relação entre preços decrescentes e poder de compra em declínio, da classe trabalhadora americana.

Ele importou o Terceiro Mundo para diversas cidades dos EUA e exportou empregos para o Terceiro Mundo (terceirizações), causando o esgotamento tanto dos recursos humanos quanto do meio ambiente, onde quer que estivesse.

Onde quer que se procure, mesmo nos setores tecnologicamente mais avançados, nós podemos reconhecer a influência do modelo Walmart, na relação entre Apple e Foxconn, por exemplo.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “O Minotauro Global”


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