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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: CÁSSIA ELLER


Cássia mais parecia ser duas do que uma pessoa, apenas. Fora dos palcos era tímida, calma. Já nos palcos com o microfone na mão, se transformava. Coçava um pseudo-saco, mostrava os peitos, cuspia no chão.
Lésbica assumida, cultivava um longo relacionamento com Eugênia. Mas isso não a impediu de assumir um namoro com a percussionista Lan Lan, já no final da vida. Também foi realizou o sonho de ser mãe.

Já a caretice, essa não se instalou. Bebia muito, fumava muito e cheirava sem moderação.

Cássia era filha de um militar do exército. Quando este tentou trazer a guarda do neto para si, abriu um precedente judicial que terminou em jurisprudência e tanto garantiu a Eugênia a manutenção da maternidade, quanto estendeu os efeitos a milhares de outros casais na mesma situação.

Sua parceria com o compositor Nando Reis rendeu clássicos até hoje bastante ouvidos e influentes musicalmente.

Apesar de ter diversas paixões, nenhuma parecia superar a paixão pela música. Por diversas vezes pôs a música à frente de tudo.

Cássia Rejane Eller nasceu em 1962, no Rio de Janeiro. Seu pai era Altair Eller, oficial paraquedista do Exército. Desde criança tinha como um dos programas prediletos ir ao quartel em que o pai trabalhava.

Ainda cedo ganha um violão, mas não teve aulas particulares, muito em função da timidez que a afastava das pessoas e dificultava fazer novas amizades.

A profissão do pai os levou a morar em Belo Horizonte, onde Cássia desenvolve seu amor pelo Atlético Mineiro.

Ainda criança, um problema de saúde deixaria seqüelas que Cássia carregaria até sua morte e, eventualmente, a levaria embora. Após uma febre reumática – a mesma que vitimou Dolores Duran –Cássia teve lesões no coração. A partir daí ela não mais poderia fazer atividades extenuantes. Passaria a necessitar de cuidados especiais.

Em 1972, vão morar em Santarém, no Pará. Lá, Cássia é vítima de inchaços nas articulações. Tendo apenas 12 anos, sofria de arritmia cardíaca. Nesse período ela ganha um violão e aprende a tocá-lo por meio de revistinhas.

Anos depois, sua família regressa ao Rio de Janeiro. Aos 18 anos, conhece Moema, por quem se apaixona. Quando seus pais descobrem o relacionamento, a reação é diversa: o pai aceita tranquilamente, enquanto a mãe se desespera. Chega ao ponto de conseguir fazer o Exército transferir o marido para Brasília, com o único fim de terminar a relação indesejada. Partem em 1981 para o Planalto Central.

Na Capital, Cássia inicialmente estuda num curso normal, para professora. Depois, é aprovada para atuar no musical “Veja você, Brasília”, de Oswaldo Montenegro. Atua ao lado de Zélia Cristina, futura Zélia Duncan. Em um Carnaval, chega a cantar em cima de um trio elétrico.

Na escola, abandona os estudos antes de completar o segundo grau.

E busca da carreira artística, Cássia ingressa no grupo Malas & Bobagens e, por meio desse, grava uma canção, “For no one”, dos Beatles.

Chega a cantar no festival Rock Way 2, onde conhece os Paralamas, Raul Seixas, Lulu Santos.

Aos 20 anos, conhece a jornalista Elisa, 10 anos mais velha. É uma época difícil, em função da separação dos pais e de estar sem nenhum tostão no bolso. Depende dos amigos até para comer.

Em 1985, estando com 22 anos, atua no musical Gigolôs, de Marcelo Saback. Lá, conhece uma performer que, em breve, estará cuidando de sua carreira. Passam a dividir um apartamento. No entanto também é a época em que Cássia conhece Eugênia, que passa a ser freqüentadora desse mesmo apartamento. As três garotas terminam formando um trio amoroso.

Após a performer e amiga de Cássia ir-se embora, Eugênia, que nunca tinha tido um relacionamento com uma garota, passa a ser a única companheira de Cássia.

Então a cantora consegue fazer apresentações fixas num bar chamado Bom Demais. Foi um sucesso, dando início a um proto-fã clube. Cássia enchia a cara e soltava a voz, por quase dois anos.

Após se apresentar no Festival Latino-Americano de Arte e Cultura, a cantor chama a atenção de uma produtora musical, Déborah Dornellas, que investe numa fita demo para a garota. Ela grava “Já deu pra saber”, de Itamar Assumpção, “Labirinto”, de Marcos Faraco, “Ne me quitte pas”, de Jacques Brel, e “I ain`t gotr nothing but blues”, de Duke Ellington.

Com Deborah, Cássia assina com uma gravadora obscura do Rio, a RKA e, depois, embarca para Sampa, de mudança com Eugênia, em busca de um mercado para explorar. 

Já em Sampa, em 1989, seu tio, Wanderson Clyton Eller, empresário musical, investe numa fita demo. Nessa fita ele gravou “Por enquanto”, de Renato Russo, versão elogiadíssima até pelo próprio. Em breve, será a música mais executada nas rádios.

Após ahows no teatro Mistura Fina, em Ipanema, Ezequiel Neves, o Zeca, fica boquiaberto com a artista. Após perder o amigo Cazuza, Cássia parecia ocupar o vácuo deixado. Por meio dele, Zeca assina contrato com a Universal.

Seu primeiro álbum tem músicas de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Cazuza, Bocato, John Lennon e Paul McCartney e Renato Russo. Também compõe a faixa Lullaby ao lado de Márcio Faraco. Ali ela deixou bem claro todo o seu ecletismo musical.

Interessante que Cássia tenta incluir uma versão de “Por enquanto”, como gravara na fita demo. Diante de incapacidade de reproduzir aquele momento tão inspirado, optam por incluir aquela gravação original.
Cássia e o tio se mudam para o Rio de Janeiro. Compram uma casa grande no Recreio dos Bandeirantes. No entanto, Eugênia teve de retornar a Brasília, onde trabalhava no TST.

No Rio, Cássia abre a Eller`s Produções, ainda com o tio. Dividem o imóvel com músicos e produtores, num ambiente meio hippie. Com um estúdio bem aparelhado, passam o dia inteiro bebendo, fumando, cheirando... e fazendo música. Após denúncia de vizinhos, a polícia dá uma batida no imóvel e acha 10 pés de maconha no quintal.

A polícia leva todos para a Delegacia. Cássia, entupida de calmantes e álcool, discute com o delegado. A situação não ficou ainda mais difícil para a cantora porque Eugênia – por um acaso presente quando desses fatos - conseguiu conter a namorada.

Em 1992, prestes a completar 30 anos, lança o álbum “Marginal”. Nele se incluem músicas de Itamar Assumpção a Jimi Hendrix, passando por Luís Melodia e Rita Lee. Participa do Free Jazz Festival, cantando ao lado do guitarrista Victor Biglione. Estendem as apresentações ao Circo Voador, também.
Apesar do burburinho que suscita, a produtora está indo de mal a pior, Cássia está descontente com os sócios e o rumo dos negócios. A cada dia se afunda mais nas drogas. A gota d`água ocorre quando seu tio tenta impedi-la de se apresentar de graça no Bom Demais, onde tudo começou. Cássia demite o tio e contrata Rafael Borges, então Legião Urbana.

Ainda nesse ano, num show em Salvador, Cássia teve um “rolo” com Tavinho Fialho, baixista da banda. Cássia engravida, aos 30 anos. Como Tavinho era casado, não o obriga a assumir o filho. Diante da felicidade da amiga, Renato Russo compõe “10 de julho” para ela.

Quanto a Tavinho, ainda antes do nascimento de Chicão (Francisco Ribeiro Eller), infelizmente morre tragicamente num acidente de carro.

Ainda sem dinheiro, a gravadora paga o parto de Cássia. Durante os primeiros três anos de maternidade, Cássia se afasta da bebida, cigarros, drogas.    

Enquanto Eugênia ficava em casa cuidando do filho do casal, Cássia lançava o terceiro disco, “Cássia Eller”.
Em 1994, Cássia atinge a vendagem de 100 mil cópias. Conhece o presidente da gravadora, Marcos Maynard. Após horas de conversa, descontraídos, Maynard convence Cássia a gravar um álbum mais pop, para tocar nas rádios, e produzido por Guto Graça Mello. Maynard também inclui João Araújo, pai de Cazuza e presidente da Som Livre, no circuito. Ezequiel, ainda lapindando a moça, faz um apanhado de inéditas de Cazuza. Encontra uma preciosidade, Malandragem, que o Exagerado havia composto com o amigo Frejat. Eles pensavam e oferecer essa música a Ângela Rô Rô, mas foi Cásssia quem a imortalizou.
Cássia também grava, pela primeira vez, uma composição de Nando Reis: ECT. Foi composta ao lado de Marisa Monte e Carlinhos Brown.

Em apenas um mês, Cássia terminou a produção do disco. Esse prazo insanamente curto era do feitio de Guto Graça.

O álbum atinge a vendagem de 100 mil cópias e lhe rende o primeiro disco de ouro.

Bom, o passo seguinte seria sair em turnê e arrecadar muita grana. Mas Cássia seguia seus instintos e seu coração. Decide não realizar shows e investir num outro projeto, que acalentava há muito: Violões. Ela foge da gravadora, que queria vê-la trabalhndo o recente estouro, em companhia dos violonistas Serginho Serra, Walter Villaça e Luciano Maurício, realizando shows usando um repertório bem parecido com o do disco recém lançado. Ainda inclui “Eu sou neguinha”, de Caetano Veloso, e “Nenhum Roberto”, de Nando Reis.
Os shows ficam lotados e lança um disco ao vivo dos mesmos. Vende 180 mil cópias e não para de tocar nas rádios.

Em 1996, Rafael Borges apresenta Cássia ao poeta Waly Salomão. Este poeta um monumento no meio musical: produziu os discos “Fa-Tal” e “Gal, a todo vapor”, de Gal Costa; realizou parcerias com Caetano e Jards Macalé; foi gravado por Maria Bethania. Com Cássia, produz o álbum “Veneno Antimonotonia”, somente com músicas de Cazuza.

Para esse álbum, Cássia faz uma revolução em sua aparência. Passa máquina nos cabelos e vira punk. A foto de capa traz uma Cássia vestida de homem. A batida das canções é bem pesada.

A vendagem não decepciona, embora tenha ficado abaixo dos demais.

Waly ainda produz uma versão ao vivo do disco. Na arte artística, dirige todos os passos da cantora nos palcos. Ainda agrega nas apresentações ao vivo: “Todas as mulheres do mundo”, de Rita Lee; “Angel”, de Hendrix; “All along the watchtower”, de Bob Dylan; “BNlack Dog”, de LEd Zeppelin e “Farrapo humano”, de Luiz Melodia.

Em 1998, participa do Acústico de Rita Lee, cantando “Luz Del Fuego”. Ainda nesse ano, abre os shows da turnê dos Rolling Stones, antes de Bob Dylan subir ao palco.

Eugênia, preocupada com o futuro de Chicão, exige que Cássia use parte do dinheiro que está recebendo para comprar um imóvel. Assim, adquirem a cobertura em Laranjeiras, onde instala um estúdio.

Com um novo empresário, Leonardo Netto, lança um disco no estilo Cássia-popstar: Com você meu mundo ficaria completo. Produzido por Nando Reis, trazia canções de Gilberto Gil, Caetano, Marisa Monte, Luiz Melodia e, claro, Nando Reis.

Uma preciosidade do disco é o dueto que Cássia faz com sua mãe, dona Nanci, na música “Pedra Gigante”, de Gil e Bené Fonteles.

Na capa do álbum, Cássia resolve ironizar a capa anterior: usa longas madeixas, calcinha e camiseta. Não a queriam mais mulher e sensual? Vende 110 mil cópias. O maior sucesso, “O segundo sol”, de Nando, foi roubado pela cantora, nas suas próprias palavras. Nando a reservava para seu disco de inéditas.

Nando escreveu uma música especialmente para Cássia: All Star. Mas essa gravação só se tornaria pública postumamente, no álbum “10 de Dezembro”.

A turnê traz no repertório “Corpo de lama”, de Chico Science, e “Smells like a teen spirit", do Nirvana. Esta última, a pedido de Chicão.

Também encontra tempo de curtir o sucesso. Participa de um desfile de moda, canta em cima do trio, em Salvador, grava Erasmo Carlos. Também mantém o hábito de cantar de graça, em bares, de surpresa.
Em 2001, resolve mudar definitivamente seus hábitos. Interna-se, por decisão própria. Ele contou que chegou a ficar tão alucinada que esqueceu o absorvente no “lugar” por 20 dias. Só “se lembrou” quando as dores a fizeram procurar um médico.

Ainda em 2001, apresenta-se no Rock in Rio 3, com Chicão na bateria, aos sete anos apenas. É quando mostra os seios, cospe no chão etc. Ainda naquela noite, extravasando seu lado tiete, invade o palco durante o show do Foo Fighters e beija Dave Grohl na boca.

Depois, revelaria que gastou mais reunindo os músicos do que o que recebeu de cachê.

O sucesso também a levou a ser convidada por Anna Butler, da MTV, para gravar um Acústico. Produzido por Nando, este e a banda passam 21 dias em Teresópolis. Trabalhando apenas, haja vista até o consumo de álcool estar vetado. Tudo para manter Cássia limpa e concentrada.

A gravação ocorre sem imprevistos. Abre o disco, “Non, jê ne regrette rien”, de Edith Piaf.

É nesse período que começa um romance com Lan Lan, percursionista da banda. Cássia dizia que Lan Lan era “a minha mina”, enquanto Eugênia era “a minha patroa”.

Em entrevista à revista Marie Claire, declara que é de Eugênia a guarda definitiva de Chicão, assim como o patrimônio que amealhara.

Em 2001, realiza 110 shows.Para o Reveillon, é convidada para comandar um espetáculo na Barra da Tijuca.

Mas, ainda no Natal, inicia uma série de desentendimentos familiares que a levam a um estado incontrolável de estresse. Culmina num ataque de nervos. Ainda no dia 26, viaja ao Rio para gravações, que ocorrem sem maiores problemas. Mas, em casa, Cássia começa a beber, o que surte preocupações em Lan Lan.
No dia 29 de dezembro, Cássia está transtornada. Recebe a visita de amigas, mas nada adiante. Tem ataques de fúria a ponto de destruir todo o apartamento. É levada à Clínica Santa Maria, mas consegue fugir, saindo correndo pelo meio da rua, chorando e soluçando.

Algumas horas depois foi localizada por um dos médicos. Foi reinternada ao meio dia. Como tinha bebido muito, não foi administrado qualquer calmante ou sedativo. Uma hora depois, sofreu uma parada cardíaca. Depois, sofre uma segunda. No fim do dia, é diagnosticada com isquemia na mão e antebraço. Seguem-se mais duas paradas cardíacas.

No fim do dia 29 de dezembro de 2001, aos 39 anos, Cássia se despede definitivamente dos palcos.
    
  
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A vida louca da MPB”


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