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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

DINHEIRO QUE EVAPORA: COMO OS MERCADOS INFLACIONAM PREÇOS


Até a Crise Financeira de 2008, cerca de 70% do fluxo total de capitais era direcionado para tapar o déficit gêmeo criado pelo Tesouro dos EUA.

Japão e Alemanha eram os maiores “contribuintes”, desde décadas atrás. Desde 2003, mais ou menos, a China alcançou a liderança nesse ranking. Montanhas de dinheiro saíram de toda parte e voaram para Wall Street, e posteriormente para o caixa de companhias norte-americanas e proprietários de imóveis, na forma de participação acionária e de hipotecas.

A entrada massiva de capitais, associada ao aumento exponencial dos lucros corporativos, em decorrência do achatamento salarial e dos ganhos de produtividades derivados da adoção de novas tecnologias de teleinformática, deram causa a uma grande onda de fusões e aquisições, os quais melhoraram ainda mais a rentabilidade dos operadores em Wall Street.

De 1990 a 2000, viu-se uma corrida irracional pela consolidação de Balanços. A compra de montadoras como Daewoo, Saab e Volvo pela Ford e GM era apenas a parte emersa de um iceberg.

A febre de fusões e aquisições se destacou em dois períodos: início do século XX, quando homens como Edison e Ford ergueram impérios corporativos; e os 20 anos que precederam 2008. Não coincidentemente, ambos os períodos levaram a cataclismas financeiros: 1929 e 2008.

Os dois períodos de consolidação trouxeram conseqüências a Wall Street, efetivamente multiplicando por um fator considerável o fluxo de capital que os bancos e outras instituições financeiras dispunham.

Os efeitos já observados no início do século foram inflados: o fluxo intenso de capital em direção à América; e o modo como eram avaliados os investimentos na “nova economia” – empresas listadas na Nasdaq.

Em 1998, a montadora líder da Alemanha, Daimler-Benz, estava embarcando para os EUA, onde adquiriu a Chrysler, terceira maios dos EUA. O preço pago, 36 bilhões, soou exorbitante, embora na época parecesse um bom preço: Wall Streeet avaliava o valor final das empresas consolidadas em 130 bilhões de dólares.

A exuberância irracional atingiu a todos. A empresa AOL – American On Line – utilizou os métodos de avaliação de mercado “místicos” de Wall Street, baseados em sua capacidade de se capitalizar em Bolsa, para adquirir a tradicionalíssima Time Warner, dando forma a um colosso de 350 bilhões de dólares de capitalização.

A AOL, geradora de apenas 30% dos lucros do grupo, possuía 55% do total das ações. As avaliações eram nada além de bolhas, prestes a explodir. E estouraram em 2008. Em 2007, a Daimler-Chrysler quebrou, obrigando a Daimler a vender a Chrysler por decepcionantes 500 milhões de dólares (ou seja, 35,5 bilhões sumiram do Balanço, sem contar os lucros não realizados).

História similar ocorreu com AOL-Time Warner. Por volta de 2007, o valor de avaliação à moda de Wall Street teve de ser revisado: aqueles 350 bilhões de dólares encolheram para irrisórios 29 bilhões, e ambas as companhias terminaram o breve casamento cambaleantes.      

A City londrina, intrinsecamente relacionada a Wall Street, não poderia evitar seguir os passos do sócio do outro lado do Atlântico. Dois exemplos concretos demonstram: a Debenhams, cadeia de lojas de varejo, e  o banco RBS, Royal Bank of Scotland.

Um grupo de investidores comprou a Debenhams em 2003. Após venderem deiversos ativos fixos, embolsaram 1 bilhão de libras e ainda venderam a mesma companhia pelo mesmo valor pelo qual a haviam adquirido. Os novos adquirentes amargaram prejuízos enormes.

Em Outubro de 2007, o RBS ganhou uma concorrência pela compra do ABN-Amro, com um lance de 70 bilhões de Euros. Seis meses depois estava claro que o RBS havia dado um passo maior que suas pernas, tendo que levantar recursos no mercado para tapar o rombo que surgiu.

Em julho de 2008, diversas subsidiárias do grupo foram nacionalizadas pelos governos da Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Em outubro seguinte, o governo britânico se lançou ao salvamento do RBS. Custo total para os contribuintes britânicos: 50 bilhões de libras. Certamente eles não recebem essa informação quando são convencidos de que os imigrantes são o grande problema.

Além dos fenômenos acima, dois outros fluxos de capitais foram parte da mesma dinâmica: lucros de companhias que seguem o estilo Walmart de “sugar” sociedades; e as dívidas do americano médio, para quem o dinheiro emprestado era o único meio de não desembarcar totalmente do, a cada dia mais distante, American Dream.

Antes que o Tesouro Americano reformulasse o modo de funcionamento dos mercados financeiros e de capitais em escala global, em meados dos anos 1970, os chamados derivativos eram espécies de papéis financeiros que ajudavam, por exemplo, fazendeiros a terem um preço futuro certo para sua produção, independente de eventuais variações abruptas. Foi uma inovação trazida pela Bolsa de Chicago.

No entanto, aquilo que parecia ser um inocente instrumento de proteção (hedging) a fazendeiros e outros produtores expostos a variações brutas de preços, tornou-se um papel tóxico, pondo em risco a saúde dos mercados financeiros.

O mecanismo é bem simples. Imagine uma aquisição de um ativo, por $ 1 milhão. Temendo uma desvalorização relevante no futuro, você adquire um seguro: uma opção, que lhe permite evadir do investimento caso este caia abaixo de $ 800 mil, dentro de um período acertado.

Opções funcionam como qualquer seguro. Se o desastre indesejado não ocorrer, o seguro terá sido apenas uma despesa. Mas, se o preço se desvalorizar em 40%, sua perda será de apenas 20%. Mas, o influxo incessante de recursos em direção ao Tesouro americano fez com que os jovens laureados com diplomas Ivy League, labutando nos maiores fundos de investimentos do planeta, transformassem simples seguros em novas formas de investimentos, isto é, o seguro passou a servir àquilo que o seguro protege.

Os gerentes de investimentos, em vez de comprarem opções de vendas de ações, segurando-se contra desvalorizações abruptas, os espertinhos adquiriam opções de compra, visando adquirir ainda mais. Portanto: eles compravam ações no valor de 1 milhão e, simultaneamente, gastavam mais 100 mil em opções de compra de outro milhão, a preços atuais; caso as ações de valorizassem 40%, o que lhes renderia lucros de 400 mil, eles ainda embolsariam outros 300 mil de lucros, por meio das opções, que custaram meros 100 mil. Lucro total final: 700 mil!

Esse mecanismo rendeu lucros extraordinários no período em que os preços dos ativos não paravam de subir. Inclusive, essa realidade bastante favorável terminou levando a jogadas mais ambiciosas. Por exemplo, adquirindo-se apenas opções, restando assim as velhas ações como velharias de um passado em desencanto.

Imagine que alguém adquirisse 1,1 milhão apenas em opções de compras. Imagine que elas se valorizem em 40%. O lucro total seria de inacreditáveis 4,4 milhões (11 opções X 400 mil de lucros com cada uma delas). A isso se denomina alavancagem: fazer apostas extremamente arriscadas usando recursos emprestados de terceiros.

Qualquer investidor que tenha vestígios de prudência acharia extraordinariamente arriscado realizar apostas como essas. Mas desde a virada para década de 1980 essas jogadas eram realizadas de maneira cada vez mais freqüente, e os lucros pareciam infalíveis. O resultado foi o óbvio: empresas de todos os setores da economia se lançaram de cabeça no mundo dos “produtos” financeiros.

Apesar dos nomes sofisticados, eram apenas novas maneiras de alavancagem – um eufemismo para dívidas.
A partir de então, o cenário se desenvolveu de forma a levar à bancarrota algumas das maiores corporações do planeta, além de estados federados e mesmo países, após esses papéis se revelarem ser apenas “thin air”.

O diálogo entre Paul Volcker, recém empossado no cargo de planejador de mecanismos que pusessem os grandes bancos norte-americanos de volta na coleira, em dezembro de 2009. Volcker iniciou com um pé na porte: “Gostaria que alguém me desse alguma evidência confiável de que inovações financeiras tenham resultado em crescimento econômico; só uma evidência.” Um dos banqueiros à mesa respondeu que o setor bancário do país havia aumentado sua participação no valor agregado nacional de 2% para 6,5%. Volcker respondeu com uma pergunta fatal: “Isso é reflexo de suas inovações financeiras ou apenas um reflexo do que vocês têm faturado?” Para finalizar, acrescentou: “A única inovação financeira que reconheço ao longo da minha carreira é a invenção do caixa eletrônico.”

Assombra, o fato de que, desde 2008, tais manobras exuberantemente irracionais não tenham arrefecido. 

    
Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O Minotauro Global”

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