No início dos anos 1980, um crime atraiu a atenção de todos.
O corpo do jornalista Alexandre Von Baumgarten foi achado boiando no mar, no
Recreio dos Bandeirantes, em estado adiantado de decomposição.
Dono da revista O Cruzeiro desde 1979, havia saído da Praça
XV, centro do Rio, com sua esposa, para pescar de barco. Não retornaram mais.
Entretanto, um fato fez com que o destino desse crime fosse
diferente dos demais. Ele deixou uma carta: “Nesta data (28 de janeiro de
1981), é certo que a minha extinção física já tenha sido decidida pelo SNI. A
minha única dúvida é se essa decisão foi tomada em nível do ministro-chefe do
SNI, general Octavio Aguiar de Medeiros, ou se ficou no nível do chefe da
agência central, general Newton Cruz.”
Foi apenas o primeiro parágrafo de uma longa exposição de
nomes e acusações, redigido Von Baumgarten quase dois anos antes que seus temos
se materializassem, finalmente. Providenciou 10 cópias do mesmo, tendo uma
delas chegado à imprensa, no caso, à revista Veja.
Como ocorria comumente naquele período, apesar das
evidências de homicídio – três marcas de tiro. Dois na cabeça e um no abdômen
-, foi enterrado como afogado. Após a publicação, as autoridades foram
obrigadas a investigar o caso.
Baumgarten era já há tempos informante do SNI. Com o apoio
do governo, adquiriu a revista O Cruzeiro, onde cerrava fileiras ao lado dos
militares. Por meio de seus contatos, conseguia cartas destinadas a
empresários, de forma a conseguir contratos de publicidade. Quando constatou
que a jogada não estava rendendo os dividendos pretendidos, pediu ajuda
financeira ao governo. Nunca conseguiu.
Um dos acusados na missiva de Baumgarten foi o coronel Ari
de Aguiar Freire, o Careca. Integrante da “turma da caneta” do SNI, grupo de
especialistas que rejeitavam os métodos brutais tradicionais, chegou a ser
investigado após o caso do Rio Centro, mas foi inocentado.
O jornalista continuou, acusando Careca de contrabando, de
receber propina de Climério Veloso, dono da Casas da Banha, dentre outros
crimes.
Aguiar foi “punido”. Deixou as trincheiras do SNI e foi
nomeado assessor da delegação brasileira junto à OIT – Organização Internacional
do Trabalho, em Genebra. Nunca foi visto em reuniões de trabalho na
Organização.
Baumgarten citou mais um nome, o do coronel Ari Pereira de
Carvalho, abrigado na Embaixada Brasileira na Argentina. Capitão Guimarães
também foi implicado nas investigações. Declarou aos jornalistas que “Acho que
envolveram o meu nome porque sou muito conhecido por dar apoio às artes
populares.” Sobre sua relação com o jogo do bicho: “Minha relação com o jogo do
bicho é apenas de estudioso.”
Ari de Aguiar conciliava suas férias forçadas na Suíça com o
comando da Irmandade Santa Cruz dos Militares, espécie de associação que reunia
ex-integrantes da repressão. Dezenas de ex-agentes lá participavam, como
Perdigão. As reuniões costumavam ocorrer no restaurante Angu do Gomes, na Praça
Mauá, entre membros da Scuderie Le Cocq, prostitutas, bicheiros etc. Era lá que
se decidiam os assassinatos, políticos ou não, atentados a bomba para
incriminar “comunistas” etc.
Ainda em 1981, outro crime chocou a cidade. Com nove tiros,
o ex-policial e ex-paraquedista do Exército Mariel Maryscotte de Mattos, o
Ringo de Copacabana, caiu derrotado. Chegava ao fim uma vida de pontuada por
crimes, ambição e audácia. Mariel servira no DOI da rua Barão de Mesquita em
1972, ao lado de Guimarães. Sua fama era de “justiceiro da Zona Sul”.
Ocorreu em meio a uma guerra travada nas rua do Rio. De um
lado, os que apoiavam a entrada de Mariel no mundo da contravenção; de outro,
os que discordavam, como Capitão Guimarães. O motivo da discórdia era a cusação
de que Mariel matara o bicheiro José Batista da Costa, o China da Saúde.
Quando assassinado, Mariel estava em conflito com seus
sócios Marcos Aurélio Corrêa de Mello, filho do bicheiro Raul Capitão, e Wilson
Chuchu, filho do bicheiro Manuel Nunes Areas, o Manola.
Mariel cobiçava ser como seu ídolo, Capitão Guimarães.
Se Guimarães foi acusado e extorsão a contrabandistas quando
militar, Mariel não agiu de modo muito diverso: foi apontado como chefe de uma
quadrilha de falsificação de cheques de viagem e como executor do assassinato
de Odair Andrade Lima, ladrão de carros achado crivado de balas e com um cartaz
do Esquadrão da Morte acima da cabeça. Foi condenado a trinta anos na cadeia.
Foi preso no complexo Frei Caneca, depois transferido para a
Ilha Grande. Lá, circulava livremente, até que conseguiu escapar da ilha.
Suspeitou-se que usara um “iate de contrabandistas” para empreender a fuga,
inicialmente. Mas pouco após chegaram-se aos nomes: Capitão Guimarães, Luiz
Fernandes Brito, capitão do Exército, e major Wilson Crespo de Oliveira, da PM.
Meses depois, Mariel foi recapturado em Marília, São Paulo.
Preso, saiu sob liberdade provisória. Passou a estudar jornalismo, prometeu
deixar o passado sangrento para trás, mudar de vida. Mas a verdade é que, mesmo
preso recebia propina de bicheiros, as “taxas” de proteção.
Guimarães passou-se por amigo e aliado de Mariel até as
vésperas de sua morte. Guimarães sabotou uma compra de pontos de bicho que
Mariel pretendia em Niterói. Mariel, inconformado, travou discussão com um
capanga de Guimarães. O caso evoluiu para o homicídio de um dos coletores de
Guimarães, em Piratininga.
Soube-se que, dias antes do assassinato de Mariel, Guimarães
se reuniu com seus seguranças. O grande suspeito pela morte foi o detetive
Francisco Queiroz Ribeiro, o Chiquinho, gerente de China da Saúde. Chiquinho
seria assassinado no início de 1983. Mas foi apenas um capítulo de uma longa
matança, que vitimou Wilson Chuchu e Marquinho.
Segundo o delegado Cláudio Guerra: “A sua execução (Mariel)
foi uma queima de arquivo determinada por Perdigão. Não participei dessa
operação, mas sei como ocorreu. Ao que parece houve uma votação igual à que
selou o destino do delegado Fleury. Os executores de Mariel eram policiais
civis e militares das Forças Armadas. A exemplo de Fleury, Maryscotte serviu
muito ao SNI de Perdigão, e acabou tendo o mesmo destino do delegado.” Suspeitava-se
de que Mariel também estivesse atuando no tráfico de drogas.
Eliminados todos os concorrente,
tendo o caminho limpo diante de si, Guimarães procurou novos ares: em breve,
seus domínios incluiriam o Espírito Santo.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
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