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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: WILSON SIMONAL


Na opinião de alguns, foi o Roberto Carlos negro. Segundo muitos, foi o maior cantor da história do Brasil.
Teve sua trajetória profissional, de ascensão meteórica, abortada após seu envolvimento com o regime militar, então vigente.

Gravou um hino ao país, composto por Jorge Bem Jor, mas foi recebido como um ufanista, num momento em que era de melhor tom odiar o solo materno.

Ostentou orgulhosamente o produto de seu sucesso: cobertura em Ipanema, três Mercedes na garagem, coleções de mulheres e apresentações históricas.

Morreu pobre, deprimido, alcoólatra e completamente esquecido. Quase que sem deixar rastros de sua existência pretérita.

Nascido no Rio Comprido em 1938, filho de uma cozinheira que expulsou o marido cafajeste de casa, teve uma existência sofrida. Morou boa parte da infância na Favela do Pinto, no Leblon.

Trabalha durante a adolescência como mensageiro da Western Union e como auxiliar de trânsito, concomitantemente.

Na estréia da maioridade, inscreve-se no Exército. Torna-se diretor da banda e já tendo seu talento reconhecido pelos companheiros de farda, costuma fazer apresentações particulares na casa de seus superiores.

Depois, forma uma banda com amigos, os Dry Boys. Chega a se apresentar em programas de televisão. O repertório é quase todo em inglês, de modo que Simonal decorava a pronúncia das palavras, mesmo sem saber ler o idioma.

Quando ganha confiança em seu talento, abandona a carreira militar.

Aos 23 anos, torna-se crooner, mas mantém a participação nos Dry Boys, já se apresentando à altura nos programas de TV comandados por Carlos Imperial.

Mesmo extinto o grupo, Simonal continua cantando, agora se apresentando na casa Drink, como elenco fixo da casa. Nessa época ele grava duas faixas para o LP “Isto é Drink”, de 1962: “Tem que Balançar” e “Olhou para mim”.

Apesar desses progressos, sob o ponto de vista financeiro, Simonal continua pobre, bem pobre, aliás.
Contudo, a sorte grande lhe sorri! Cauby Peixoto, na época um dos maiores cantores do país, cancelou uma apresentação na Rádio Nacional. Wilson foi chamado às pressas para substituí-lo. O jovem aproveitou bem a chance. Cantou “Stella by Starlight” e “Georgia on my Mind”.
Simonal foi contratado na hora!

Aos 24 anos, Simonal namora a loira Tereza Pugliesi, ex de Carlos Imperial.

São tempos de racismo às claras e bastante violento. Tereza era menor de idade na época, portanto não poderia entrar nas casas em que o namorado se apresentava. Numa noite, Simonal conversava com Tereza na porta da boate Drink – ela não podia entrar, o que o forçou a descer do camarim para falar com ela. Naquele momento, passou uma viatura de polícia; deram uma dura em Simona, pediram-lhe o documento. Ele não os tinha na hora mas se prontificou a buscá-los no camarim... Não adiantou. Foi parar na delegacia.

Pouco tempo depois, Carlos Imperial conseguiu um teste na Odeon. Simonal encantou a todos e ganhou um contrato de 5 anos. Saiu da Drink e passou a se apresentar no Top Club.

Até então abstêmio, aprende a apreciar um bom “Cowboy” – uísque sem gelo. Aquecia-lhe as cordas vocais... Essa bebida o acompanhará por toda a vida, de maneira cada vez mais degradante.

Lança cinco compactos até o seu primeiro LP, de 1963, “Tem algo mais”. Seu primeiro hit foi “Balanço zona sul”. Sua primeira providência após os primeiros pagamentos e retirar sua mãe do emprego de cozinheira em casa de família.

Uma breve história: mais à frente, em companhia de Miele e no auge do sucesso, Simonal dirige seu Oldsmobile vermelho conversível até uma sauna, no Leblon. Após a recepção gloriosa e tirar várias fotos com o proprietário, Simona conta a Miele que sua mãe havia sido cozinheira naquele imóvel, anos antes, quando era casa de uma família muito rica.

Naquela época, o “point” que reunia os melhores músicos e cantores era o inconfundível Beco das Garrafas, em Copacabana.

Sua primeira apresentação no Beco foi a convite de Miele e de Ronaldo Bôscoli. Como costumava fazer, hipnotiza o público.

Pelas mãos de Lennie Dale, bailarino norte-americano e fundador do grupo Dzi Croquettes, aprende tudo sobre palco, dança e... Conhaques.

Apresentando-se no Beco, ele desenvolveu o repertório para o segundo LP, “A nova dimensão do samba”.
Nesse período nasceu Simoninha, primeiro filho do casamento com Tereza. Vivem num quitinete em Botafogo.

Em janeiro de 1965, Simonal estreou um programa de TV na Tupi: Spotlight. Seu tremendo sucesso alcança São Paulo. Muda-se com a família para um apartamento amplo na Avenida Paulista.

Lança mais dois álbuns: “Wilson Simonal” e “Simbora”.  

Atende a um convite da Record e se apresenta ao lado de Elis Regina e de Jair Rodrigues no programa “O fino da Bossa”.

Faz mais uma série de participações em programas da Record, até receber um para chamar de seu: “Show em Si... monal”.

Ainda em 1966, Simonal gravou um de seus maiores sucessos: “Meu limão, meu limoeiro”, composta em 1937. Esta música ganharia versão em inglês: Lemon Tree, de Will Hot.

Diante do sucesso, Simonal forma um grupo para acompanhá-lo: o Som Três. Entre seus integrantes, estava o talentoso pianista César Camargo Mariano, casado com Elis Regina.

No ano seguinte, outro hit arrasa-quarteirão: “Nem vem que não tem”, letra de Carlos Imperial e arranjos de César Camargo.

Nesse momento, ele está no auge: milionário. Também recebe o apelido o acompanharia para sempre: O rei da pilantragem.

Para seu show marcante “Mugnífico”, Simonal mostra uma outra vertente de sua personalidade. Ele compôs “Tributo a Martin Luther King”, extravasando uma sensibilidade política que o alinharia com representantes do movimento negro dos EUA. Essa música foi vetada pela Censura inicialmente, mas depois Simona conseguiu sua liberação.

No Festival da TV Record de 1967, Simona se apresenta com simplesmente três músicas: “Balada do Vietnã”, “Belinha” e “O milagre”. Foi a primeira vez que algo assim ocorreu.

Nesse ano, lançou “Alegria, alegria!!!”. Totalmente no estilo que o marcou, a pilantragem.

Em seguida, Simonal lançou o show “Horário Nobre”. Nele, fez apresentações antológicas: cantou Geoge Gershwin e Cole Porter sem acompanhamentos;  cantou Tributo a Martin Luther King logo após a morte do líder dos diretios civis norte-americano; chega a ensaiar um protesto contra a ditadura, após a agressão perpetrada contra atores do musical Roda Viva.

Lançou mais um sucesso, “Sá Marina”.

No final de 1967, voou para a França. Fez shows na televisão francesa e no espetacular Olympia de Paris.
Em dezembro, nasce a filha do casal, Patrícia Pugliesi de Castro.

Conforme o regime militar se tornava mais restritivo e violento, mais artistas eram perseguidos e, conseqüência lógica, mais artistas assumiam posição crítica ao regime.

Simonal, por sua vez, excetuando-se Tributo a M.L.K., não ostentava produção politicamente engajada. Para completar o quadro desfavorável, Simona estréia o show “De Cabral a Simonal” – sem músicas de protesto, todo dedicado à pilantragem. A crítica é torce o nariz.

Em 1969, Simonal fecha contrato com a multinacional Shell: 1 milhão de dólares para uma turnê com Sérgio Mendes. Sérgio está nos EUA, com sua banda, fazendo um enorme sucesso. Volta ao Brasil em comemoração. O show do Maracanãzinho é ao lado de Mutantes, Jorge Bem, Gal Costa, Marcos Valle e outros.

Simonal é escalado logo antes da entrada da atração principal. Simonal não economiza no repertório: escala seus maiores sucessos. O cara arrasou, fez o espetáculo, a ponto de Sérgio Mendes e sua banda serem recebidos debaixo de vaias.

Simonal era agora o garoto-propaganda da Shell. Seu contrato é o mais polpudo dentre todos os artistas do país.

Vem a Copa de 1970, a Shell quer um grande nome para sua campanha de marketing envolvendo a Seleção brasileira. A companhia contrata Pelé e Simonal e leva o cantor para a concentração da Seleção no México.

Nesse país, além de realizar uma série de shows, institui a Batucada da Sorte, antes de cada partida do esquete canarinho. Voltam tricampeões e reconhecendo a importância de Simonal para a moral do grupo.
O retorno era tudo o que os artistas engajados mais odiariam: enquanto cantores eram censurados e perseguidos, Simonal e Pelé mostravam um “paraíso tropical”, bem sucedido e feliz. Quase um ufanismo em homenagem ao regime cerceador cruel vigente em casa.

Com as “burras” cheias, Simonal abre sua empresa: Simonal Produções Artísticas, com um sócio e um consultor artístico. Simonal mora agora numa cobertura de luxo em Ipanema, de frente para o mar.

Simonal é convidado para mais um show empolgante: o Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho. A platéia delira, a Rede Globo transmite o show para o Brasil todo, uma emissora alemã retransmite para a Europa toda. Estima-se em 100 milhões o número de espectadores.

Simonal é agora o maior vendedor de discos do Brasil. Desde o início dos anos 1970, sua foto está nos posto da Shell e em discos, nos quais “Brasil Tropical”, composta por Ben Jor, é a música mais executada das rádios.

É a personalidade mais famosa do Brasil de então.

Atingido este ápice, inicia-se a derrocada – aliás, como a ascensão, igualmente meteórica. Num especo de um ano, a celebridade cercada de asseclas e seguranças, fica sem banda – o Som Três, de César Camargo, dispersou-se – e sem dinheiro: descobriu que a Simonal Produções Artísticas estava falida. Não emplacava mais um sucesso e as dívidas levavam-no a ser visitado por Oficiais de Justiça com cada vez mais freqüência.

O contador contratado às pressas, Rafael Viviani, levanta os número para realizaro Balanço da empresa. Surpreende-se com a completa desorganização das contas: gastos pessoais exagerados e descontrolados, montanhas de empréstimos a amigos. Nem a cobertura havia sido paga. Simonal se desespera, afasta os dois sócios e resolve administrar a empresa sozinho.

Lança ainda “Que cada um cumpra com o seu dever” e “Brasil, eu fico”, esta última de Bem Jor. Ambas bastante ufanistas e que ajudaram a arrasar sua imagem ainda mais. É ignorado pelo público e a imprensa começa a explorar seus dramas pessoais.

Simonal perdeu o apartamento luxuoso e demitiu Viviani. Este, inconformado, abriu uma ação trabalhista contra o antigo empregador. Simonal ficou igualmente indignado com a atitude de Viviani. Porém, sem apelar para as medidas legais, procurou amigos, militares e policiais, para fazer “justiça”. Vão à casa do contador e o levam, dizendo-se a serviço de Simonal. Espancam Viviani, primeiro na sede da Simonal Produções, depois na sede do DOPS, em São Paulo.

Simonal havia acusado o contador de estar ligado aos movimentos de esquerda, terroristas etc. Inicialmente ele é torturado na esperança de achar alguma ligação dele com os “comunistas”. Depois, passam a procurar alguma ligação dele com os desvios na empresa. Por fim, não sendo os policiais bem sucedidos, arrancaram um termo de culpa assinado por Viviani, após ameaçarem seqüestrar sua família.

Apesar de ter assinado o tal Termo, Viviani é salvo: sua esposa já havia contatado um delegado, preocupada com seu sumiço há dias. Quando chega em casa, o delegado o vê e percebe o verdadeiro ocorrido. Todos o encorajam a prestar denúncia contra Simonal.

As manchetes agora associam Simonal a um caso de tortura. A direção do DOPS também quer saber quem usou as suas instalações para praticar tortura a pedido de um artista.

Ao ser chamado para depor, na chegada e para a imprensa, nega qualquer envolvimento. Mas no depoimento, tendo sido informado de que estava sob sigilo, confirma ser colaborador do regime e amigo dos policias do DOPS. Porém, ao contrário do prometido, o depoimento vaza para a imprensa.

O jornal de esquerda “O Pasquim”, o mais lido do país naqueles anos, inicia uma campanha monumental de desconstrução do ídolo. Uma das charges dizia que, aplausos agora, só quando Simonal desse um tiro na cabeça.

O passado, quando vendia 600 mil discos, estava enterrado, definitivamente. Para completar o cenário da tragédia, Tereza é internada com escoriações, após uma discussão com Simonal. Tudo isso sai na imprensa.
Em 1974, saiu sua condenação: 5 anos e meio em Água Santa, no Rio de Janeiro. Porém , em razão de um Habeas Corpus, cumpre o restante em liberdade.

Mas, psicologicamente, sua pena seria perpétua.

Sua esposa sofria com suas crises psicológicas, as agressões eram freqüentes, o consumo de álcool era contínuo, alem de “involuir” para casos extraconjugais que tornavam o ambiente familiar ainda mais insustentável. Seu quadro chega à depressão com muita rapidez.

Em 1985, fez um show no Leblon. Surpreendentemente, o público compareceu. Simona aproveitou para fazer uso do microfone para se defender: negou envolvimento com o regime; exigiu provas de sua ligação com a ditadura e com o DOPS. Nessa noite cantou ainda “Faz parte do meu show”, recentemente composta por Cazuza.  

Nesse período bebia descontroladamente. Chegou a entornar uma garrafa de uísque numa noite. Com a piora de seu alcoolismo, os médicos recomendam que pare de beber imediatamente, mas não consegue. O fracasso o impede de permanecer sóbrio.

Com os excessos das bebedeiras, veio a perda da voz que o distinguira. O Simonal dos anos 1990 está ainda mais deprimido e desesperançado.

Sua bebedeira agora começa assim que acorda. Som dinheiro para o uísque, cai na cachaça e bebe nas ruas, botequins, na companhia de qualquer popular.

Sua última apresentação ocorre no clube Memphis, em Moema. Tenta tocar trompete, perde o fôlego e cai no palco.

Em 4 de abril, é internado com pressão alta. Após outra complicação, o diagnóstico agora inclui cirrose hepática. Pressentindo o fim em breve, faz uma última declaração a Tereza. Chega a receber um jornalista, repete as histórias do julgamento que considerava injusto, mas sem acrescentar nada de relevante.

Sua última visita foi Geraldo Vandré, símbolo do combate à ditadura e perseguido político, compôs o inesquecível clássico “Pra não dizer que não falei das flores”. Simonal encarou a ilustre visita como um perdão de última hora.

Suas últimas palavras: a verdade vai aparecer. Depois disso passa três dias em coma.
Morre aos 62 anos, de falência hepática.   
    

Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”

9 comentários:

  1. Lamentável que Wilson Simonal tenha passado por tudo isso, ibfelismente, foi roubado dele o direito de defesa e de se erguer como cantor e compositor maravilhoso que era. Uma geração muito injusta e preconceituosa.

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  2. Lamentável essa classe artistica não se unir para ajudar Simonal com talento épico. Muito triste...

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  3. Triste fim . Mais foi um fera . Um artista completo .

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  4. Muito triste tudo isso.
    Na minha concepção,ele foi invejado demais e injustiçado.
    Muitos são preconceituosos e não conseguem ver o sucesso de um negro.

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  5. Não foi apenas o racismo mas também o luxo, o desperdício, as más companhias de farra , o consumismo desenfreado. Esqueceu a origem de favelado e vaidoso acreditou que era rei e quando estava na miséria foi cruelmente pelos exploradores.Ele também tinha uma personalidade difícil .

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  6. OS GRANDES ERROS DELE FORAM:
    FALTA DE HUMILDADE.
    FALTA DE UM ADVOGADO, QUE O ACOMPANHASSE NAS AUDIÊNCIAS DO DOPS E EM OUTRAS.
    FALTA DE UMA AUDITORIA NA EMPRESA!

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  7. Que isso sirva de exemplo, a vida é um circo, hoje vc está lá em cima e amanhã vc está lá embaixo , foi um excelente cantor , mais foi um covarde por tantas agressões na sua esposa

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  8. Álcool, drogas, muitas mulheres a receita pra falência ou morte.

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