Os Homo Sapiens que habitavam as savanas africanas dormiam
e, ao menos aqueles que deixaram para trás vestígios em cavernas na África do
Sul, há 77 mil anos, dormir era uma atividade que começava a atrair certos
cuidados e ritos.
De acordo com evidências encontradas, eles dormiam sobre
folhas e juncos, que perfaziam um colchão de um dedo de espessura. Restos de
comida, como ossos e gordura animal, indicam que eles tinham o hábito de comer
algo à noite.
Bom, então eles dormiam em meio a bichos e vermes atraídos
pelos restos de alimentos? Não. Eles usavam folhas de uma árvore chamada
Cryptocarya woodii, que produz um repelente natural contra insetos. Repele até o
mosquito da malária. Além disso, de tempos em tempos o colchão natural era
queimado e um novo era preparado por cima. As cinzas do antigo também atuavam
como proteção ao novo.
Após a invenção das primeiras ferramentas, nós, humanos,
começamos a encher nossas casas de móveis e utensílios diversos. A depender do
que encontrássemos ao redor, esses móveis eram feitos de pedras ou de madeira.
Evidentemente as camas de pedra eram revestidas por palhas ou couro.
A primeira cama com quatro pés foi criada pelos egípcios.
Era objeto restrito à elite local. Tratava-se de uma cama individual, com tiras
de couro entrelaçadas, ou junco amarrado na estrutura. Era alta, pois embaixo
de si dormiam pessoas humildes, destinados a dormir no chão. Os pés serviram
como motivo de ornamentação, para distinção.
As camas egípcias contavam com cabeceiras, onde se talhavam
desenhos de deuses protetores. Os mais abastados contavam também com redes
contra mosquitos. Esse fator era importante, pois a malária infestava aquela
região, o que explica o hábito dos mais pobres usarem redes de pesca com a
mesma finalidade.
O fato de o linho estar disponível aos egípcios também criou
o hábito de usar roupas de cama feitas desse tecido, como cobertores e leçois,
no caso dos ricos, claro.
Interessante notar que a cama dos egípcios não era
totalmente horizontal, como as nossas. Eram ou inclinadas ou arqueadas no meio.
Os abastados também não tinham travesseiros, mas apoios para a cabeça,
necessários para não desmanchar os penteados elaborados que os caracterizavam.
Na China, o status de dormir mais próximo ou mais distante
do chão, de acordo com a classe social que ocupavam também vigia. Há mais de 3
mil anos os mais abastados adotaram camas.
No Japão, por sua vez, todos dormiam no chão. O diferencial
estava por conta do conforto e da qualidade dos colchões usados. O colchão dos
ricos eram os famosos “tatamis”. O algodão, disponível em grande quantidade
após o século XVII, possibilitou a criação do “futon”.
Assim como os japoneses, também os coreanos resistiram
bastante a adotar camas. Somente no século XX deixaram de dormir no chão.
Os gregos, como de hábito, inovaram. Adaptaram as camas
egípcias, criando travesseiros (proskefaleion) e cabeceira flexível
(anaklintron). O objeto resultante chamava-se “Kline), origem da palavra “reclinar”,
e se assemelhava a um sofá-cama, que poderia ser usada para dormir ou durante o
dia.
Os persas costumavam superar um pouco mais seus pares em
questão de conforto. Os mais abastados tinham recursos suficientes para
despender na compra dos famosíssimos tecidos produzidos pelo célebre Helicon de
Salamida, com os quais produziam suas roupas de cama.
Os romanos, como sabemos, praticaram plágio em larga escala contra
a cultura grega. Assim procedendo, adaptaram o sofá reclinável e rebatizaram-no
de “lectus discubitorious”. No auge do império, tecidos chineses e persas eram
adquiridos pela aristocracia romana para costurar suas roupas de cama. Sedas
roxas e douradas eram o símbolo supremo da luxúria.
Um imperador chamado Heliogábalo, coroado ainda adolescente,
tinha um sofás-cama e camas individuais feitos de prata.
Com o tempo, a questão da altura foi se tornando
particularmente distinguível. Ao ponto de alguns super-ricos precisarem de
banquinhos para alcançarem seus “lectus”. Sustenta-se, no entanto, que os
lectus, fossem para solteiros ou casados, serviam à finalidade única de dormir.
Os momentos de “diversão íntima do casal” ocorriam em outro móvel, o “lectus
genialis”.
Até que a cama se tornasse um bem de possível aquisição por
famílias mais pobres, a prática de amontoar pessoas sobre as mesmas era
relativamente comum. Na Irlanda, essa prática recebeu o nome de pigging – como porquinhos
dormindo com a mãe. Na América colonial, alugava-se a cama a visitantes: o
queesting, tradicional prática de origem holandesa.
Em locais frios, aquecer as cobertas era uma prática
necessária e foram tentadas as mais diversas técnicas. Carlos II de Navarra
morreu queimado em seus lençóis, depois de usar brasa para aquecê-los. Usaram-se
também panelas de cobre ou de prata cheias de brasa, pedras aquecidas etc.
A popularização das camas, de solteiro ou casal, levou à
reformulação da arquitetura das casas no século XVIII. Elas tinham agora quartos
separados uns dos outros, cujo acesso se dava a partir de um átrio central,
podendo ser usadas escadas no caminho. O espaço individual passou a ser
perseguido como símbolo de privacidade, algo desejado e ao mesmo tempo novo.
A guerra contra os insetos que nos tiram o sono data desde a
Idade das Pedras. Mas a invenção de estrados de ferro (que não mais atraíam
pulgas e piolhos) e de roupas de cama de algodão (que eram lavadas em água
fervente) reduziram bastante esse problema no século XIX.
Como quase tudo nesse mundo, o desenvolvimento das camas
levou a plenos exageros típicos da era vitoriana na Grã Bretanha. Agora as
camas tinham edredon, várias fronhas, quatro cobertores, três lençóis, um
lençol inferior, colchão de penas e um outro colchão de pele de cavalo, posto
sobre as molas. Uma empregada doméstica poderia receber a dura tarefa de desfazer
toda a cama e abrir todos esses tecidos, diariamente, para que arejassem. Uma
casa decente tinha de cinco a seis camas dessas.
Apenas na década de 1970, quando roupas de cama mais
simples, de origem sueca, chegaram à Grã Bretanha foi que arrumar a cama se
tornou a tarefa simples e cotidiana de qualquer pessoa.
Rubem L. d F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”.
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