Aparentemente destinada a viver como socialite ao lado de um
dos herdeiros mais ricos do Brasil, Maysa se tornou a primeira grande
compositora brasileira desde Chiquinha Gonzaga. Mais que isso, também entrou
para o panteão das grandes vozes femininas da música brasileira.
Foi símbolo maior do estilo samba-canção. Após este ter
ficado para trás em popularidade, desbancado pela Bossa Nova, a partir de 1958,
Maysa brilha no novo movimento ao lado de novo namorado, Ronaldo Bôscoli, então
também noivo de Nara Leão. Após o casamento de Bôscoli com Elis Regina, Maysa
torna-se arqui-rival da nova estrela do pedaço.
Teve carreira internacional. Argentina, Espanha, EUA, França
e Japão a testemunharam nos palcos. Sua versão de “Ne me quitte pas” foi usada
no cinema, por Pedro Almodóvar em “Alei do desejo”.
Nascida Maysa Figueira Monjardim, em 1936, no Rio de
Janeiro, era filha de Inah Gigueira, socialite, e de Alcebíades Monjardim,
Deputado Estadual pelo Espírito Santo. Aos oito, mudou-se com a família para
São Paulo.
Adolescente, compõe “Adeus” e “Marcada”, fala fluentemente
inglês e francês, e fuma escondida no banheiro do internato em que está
matriculada.
Seus pais, festeiros e promotores de saraus em que se
reuniam os amigos, Maysa se diverte bebendo uísque, cantando e tocando violão. A
nata da boemia e da elite da cidade eram sempre vistos na bela cobertura dos
seus pais.
Ouve e admira Frank Sinatra, Linda Batista, Isaura Garcia e
Dorival Caymmi. Aos 15, toca músicas como “Nick Bar”, de Dick Farney, “De
cigarro em cigarro”, de Luiz Bonfá e “Folha morta”, de Ary Barroso.
Uma das freqüentadoras da cobertura dos pais de Maysa era
Odete Nugés Matarazzo. Encantada, logo apresenta seu filho, André Matarazzo,
então com 33 anos, para conhecer a garota e, quem sabe, conquistar um
casamento.
André, 18 anos mais velho, é uma das pessoas mais ricas do
Brasil. Pede a mão da menina em casamento. A cerimônia ocorre em janeiro de
1954. A boda é filmada em película, é um dos eventos mais comentados no país. A
televisão transmite a união, celebrada pelo Arcebispo de São Paulo.
Em 1956, grávida de Jayme, ainda se apresenta apenas para os
amigos da família. Apesar dos convites que recebia, preferia seguir uma vida
discreta e longe da má-fama que carregavam as cantoras naquela época.
Mas o anonimato terminaria no dia em que seu pai trouxe dois
novos convidados: Roberto Côrte-Real e Zezinho, então músico de Carmem Miranda
e residente nos EUA. Roberto pergunta a Maysa de quem são aquelas músicas que
está a cantar. Ela respondeu que eram todas suas. Roberto então pergunta se ela
gostaria de gravar um disco.
André, ouvindo o diálogo, grita desesperando: Não!
O obstáculo representado pelo marido não é o único. A
família aristocrática resiste a aceitar uma artista como membro de tão seleto
clã.
Roberto Côrte-Real não desiste e leva a oferta adiante.
Maysa enfrenta a família e vence. É lançada pelo selo de Roberto, RGE. A
condição imposta era que apenas esperasse o nascimento do filho do casal.
O dia em que Maysa se apresentou no escritório da RGE é marcado
pela comitiva de funcionários que acompanhavam a sra. Matarazzo. Decide-se que
a publicidade em torno do disco deverá ser mínima e a renda será revertida para
o Hospital do Câncer.
Devido a essas restrições, o sucesso dos disco em São Paulo
é muito limitado. No entanto a RGE aposta no mercado carioca. E então é um
sucesso. Tem 21 anos e seu nome estoura.
Com o sucesso, vêm as polêmicas, alimentadas ainda mais pela
vida privada conturbada em que vive. Termina o casamento, perde nobre sobrenome.
Seu filho passa a ser criado pelos avôs maternos.
Maysa bebe cada vez mais. Engorda igualmente, levando-a adotar
vestidos pretos e a proibir a filmagem de corpo todo. Vira noitadas adentro,
começa a se apresentar bêbada ao vivo, na TV, escorando-se nos móveis
cenográficos. Seu alcoolismo é noticiado pela imprensa quase diariamente.
Em 1958 foi lançado o disco “Convite para ouvir Maysa No 2”,
o qual trazia sua canção memorável “Meu mundo caiu”:
(...)
Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
(...)
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar
(...)
Recebeu um programa semanal na TV Record e não para de fazer
shows.
Seus abusos também não param: fuma demais, bebe igualmente,
come em demasia. No fim do ano, um acidente rende mais uma manchete polêmica da
cantora. Bate cm seu Fusca na traseira de um caminhão, em Copacabana. “Maysa,
bêbada e ferida, foi atendida em pronto-socorro”, lia-se nos jornais. Ganha um
cicatriz no rosto que a acompanha até o fim da vida.
Também realiza históricas parcerias, como com Dolores Duran,
que se torna grande amiga.
Contudo, em 1959, outra tragédia a atinge em cheio. Em
outubro de 1959, Dolores Duran, após uma noitada de muita farra, volta para
casa, brinca com a filha, recolhe-se e, antes, pede à empregada que não a
acorde. Naquela noite, sofre um infarto fulminante e morre. Maysa remói a dor
de uma grande perda, com apena 23 anos.
Ainda nesse ano, Maysa se torna a primeira artista
brasileira a se apresentar na televisão japonesa. Enfrenta um vôo de mais de 60
horas. Antes da apresentação, avisa que suas músicas nada têm a ver com
carnaval – muitas pessoas não sabem que o samba tem diversas acepções, como
samba-canção, samba de partido alto, samba-enredo etc.
Canta “Meu mundo caiu” e “Manhã de carnaval”. No fim, ainda
reclama dos arranjos, bastante diferentes do samba-canção, cujo estilo ela
representava.
O grande problema do alcoolismo é que a necessidade de
álcool sempre aumenta. Maysa, inicialmente, precisava de apenas duas doses de
álcool para subir no palco. Agora ela estava apelando a doses cavalares, tanto
de vodka como de uísque. Esse estado etílico leva-a agir cada vez mais
agressivamente contra o público, quando o barulho da platéia a irritava,
Chegava a atirar sapato contra quem não se calasse.
Em 1959, termina uma turnê em Portugal, no Cassino Estoril.
Vai a Paris, desejando escrever um livro de poesias, mas que é superado pelas
bebedeiras. Quando está sem dinheiro, procura a casa noturna La Lousianne. Lá,
canta sua versão de “Ne me quitte pas”.
Quando retorna ao Brasil, pesa mais de 90 quilos, tem olheiras
profundas e seus dentes estão apodrecidos.
Na década de 1960, Maysa se submete a uma cirurgia plástica
no rosto e na barriga. Devido às técnicas da época, seu pós-operatório é lento
e doloroso. Ainda correndo risco de vida devido a complicações, termina os 25
poemas pretendidos há anos. O livro se chama “Os comigo de mim”, mas nunca foi
publicado.
O Reveillon de 1961 começa a desandar quando Maysa, bêbada e
irritada começa a lançar objetos como cinzeiros e copos contra seus convidados.
Está casada com o ator argentino Duilio Marzio, que acorda com o apartamento em
chamas. Maysa dormira com o cigarro aceso e queimou o colchão.
Em crise com a RGE, por achar que estava recebendo muito
pouco em relação ao que vendia, fecha com a Sony Music. Compra um apartamento
em Copacabana e se muda para o Rio. Na cidade, conhece Ronaldo Bôscoli:
jornalista, compositor, descendente da linhagem de Chiquinha Gonzaga e namorado
de Nara Leão. O romance se instala e Ronaldo resolve mostrar todas as músicas
que havia composto para Nara a Maysa.
Então, Bôscoli e Menescal se surpreendem com a decisão de
Maysa de dedicar seu primeiro disco na Columbia à Bossa Nova. O disco é
preenchido por canções de Bôscoli e Menescal e a turnê inclui shows em Buenos
Aires.
Fazem peripécias, algumas inclusive rendem a expulsão do
elegante hotel onde se hospedaram inicialmente. Numa noite, Maysa telefona para
Bôscoli e se faz passar por uma amiga de Nara. Bôscoli responde que pretende se
casar com Nara assim que tterminarem os shows como “la gorda” – referindo-se a
Maysa.
Saem aos tapas, ela perde uma prótese dentária. Na volta ao
Brasil, tenta mais um investida em Bôscoli, mas é mal sucedida. E some dos
holofotes.
Em 1962, interna-se numa clínica de reabilitação. Rehab à
base de sonoterapia. No seu último dia, cai na gandai mais uma vez. Mas consegue
reaparecer magra, rica, bonita e ... bêbada.
Terminado o contrato com a Sony, retorna à RGE e grava “Canção
de amor mais triste”, “Round about midnight”. Sai em turnê por Nova York,
Lisboa e Paris. Conhece Miguel Azanza, casam-se na Espanha, e lá residem, com o
filho Jayme. Ainda em 1964 morre André Matarazzo.
Retorna ao Brasil em 1965.Estréia um programa na TV Record.
Em 1966, com 30 anos, disputa o II Festival de Música da TV
Record. Para sua tristeza, foi desclassificada ainda nas fases iniciais e a
vencedora foi Nara Leão, cantando “A banda”, de Chico Buarque.
Contudo, I Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho,
fica em terceiro lugar. Na festa de comemoração, já tendo entornado todas e
mais algumas, vira-se para Elis Regina, acompanhada de Bôscoli, e grita: “Gauchinha
de merda, você não canta nada!”. Elis, que não levava desaforo para casa: “Não
me provoca, sua pinguça!”. Maysa lança uma garrafa de uísque contra Elis, mas
esta é salva por Menescal.
Maysa passa os dois anos seguintes na Espanha, com Azanza.
Em 1969, de volta ao Brasil, é convidada para uma
participação no programa de Flávio Cavalcanti, comojurada. Também recebe um
programa semana na Record. Simultaneamente, realiza apresentações por dois
meses no Canecão – mil pessoas por noite.
Maysa tenta trabalhar uma imagem mais familiar e caseira:
seu disco traz sua foto ao lado de seu filho e inicia as apresentações com a
voz de Manuel Bandeira recitando um poema que escrevera para ela.
Em 1970, outra tragédia à espreita. Após aceitar convite
para ser repórter no programa Dia D – no qual conseguiu um furo, ao entrevistar
Charles Manson -, engata romance com Laerte, câmera do programa. Tragicamente,
este, após uma bebedeira, toma comprimidos para emagrecer da namorada. A
mistura virou um coquetel alucinógeno que terminou com a morte de Laerte.
Pela Phillips, lança “Ando só na multidão de amores”. Após
convidada para o programa Som Livre, impõe a condição de somente se apresentar
se convidada para uma novela da Globo. A emissora aceita, ofere uma personagem
na nove O Cafona, e faz previamente uma plástica com o mago Ivo Pitanguy.
Sua personagem Simone tem uma história de vida inspirada na
própria Maysa. Depois, faz mais duas novelas e uma peça de teatro.
Em 1974, após conhecer Gal Costa – com quem tinha tido um
arranca-rabo poucos anos antes – num trem, voltando de São Paulo, planejam um
trabalho juntos. Meses após, no Fantástico, Gal canta “Resposta”, de Maysa, que
canta “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. Viram amigas eternas.
Ainda em 1974, lança seu último disco, “Maysa”, com duas
canções de Dolores Duran.
Em 1975, em romance com o maestro Julio Medaglia, Maysa faz
temporada no teatro Igrejinha, no Bixiga. É um musical, com roteiro de Roberto
Freire.
Diante do sucesso, a temporada se estende até 1976.
Nesse período, Maysa fazia uso de moderadores de apetite.
Mas já não os tomava para emagrecer. Engolia quantidades colossais com o fim de
sentir efeitos alucinógenos. Diz-se, inclusive, que chegava ao teatro, por
vezes, espumando pela boca. O proprietário da casa, preocupado, ligou para os
pais de Maysa informando o comportamento da filha. O pai apenas ouviu até o fim
e desligou o telefone. O que ele poderia fazer?
Passa os últimos meses de vida cuidando da pintura de sua
casa em Maricá, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Lá se sente livre:
pinta, fuma, bebe... E liga para Gal, quando quer conversar com uma amiga.
Em janeiro de 1977, liga para o pai e avisa que passará na
casa dele, antes de partir para Maricá. Embora tendo seus pais insistido para
que só pegasse estrada no dia seguinte, belisca algo, fuma um monte de cigarros
e se despede. Nesse período ela usava Minifage para emagrecer – remédio já fora
de circulação.
Já na Ponte Rio-Niterói, ouvindo Frank Sinatra a 90
quilômetros por hora, perde o controle da Brasília, bate na mureta, o impacto
do volante quebra diversas costelas. Também sofre lesões na cabeça, pernas e
braços. Morre antes da chegada do resgate.
Foi enterrada no Cemitério São João Batista, aos 40 anos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A vida louca da
MPB”
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