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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: MAYSA


Aparentemente destinada a viver como socialite ao lado de um dos herdeiros mais ricos do Brasil, Maysa se tornou a primeira grande compositora brasileira desde Chiquinha Gonzaga. Mais que isso, também entrou para o panteão das grandes vozes femininas da música brasileira.

Foi símbolo maior do estilo samba-canção. Após este ter ficado para trás em popularidade, desbancado pela Bossa Nova, a partir de 1958, Maysa brilha no novo movimento ao lado de novo namorado, Ronaldo Bôscoli, então também noivo de Nara Leão. Após o casamento de Bôscoli com Elis Regina, Maysa torna-se arqui-rival da nova estrela do pedaço.

Teve carreira internacional. Argentina, Espanha, EUA, França e Japão a testemunharam nos palcos. Sua versão de “Ne me quitte pas” foi usada no cinema, por Pedro Almodóvar em “Alei do desejo”.
Nascida Maysa Figueira Monjardim, em 1936, no Rio de Janeiro, era filha de Inah Gigueira, socialite, e de Alcebíades Monjardim, Deputado Estadual pelo Espírito Santo. Aos oito, mudou-se com a família para São Paulo.

Adolescente, compõe “Adeus” e “Marcada”, fala fluentemente inglês e francês, e fuma escondida no banheiro do internato em que está matriculada.

Seus pais, festeiros e promotores de saraus em que se reuniam os amigos, Maysa se diverte bebendo uísque, cantando e tocando violão. A nata da boemia e da elite da cidade eram sempre vistos na bela cobertura dos seus pais.

Ouve e admira Frank Sinatra, Linda Batista, Isaura Garcia e Dorival Caymmi. Aos 15, toca músicas como “Nick Bar”, de Dick Farney, “De cigarro em cigarro”, de Luiz Bonfá e “Folha morta”, de Ary Barroso.  
Uma das freqüentadoras da cobertura dos pais de Maysa era Odete Nugés Matarazzo. Encantada, logo apresenta seu filho, André Matarazzo, então com 33 anos, para conhecer a garota e, quem sabe, conquistar um casamento.

André, 18 anos mais velho, é uma das pessoas mais ricas do Brasil. Pede a mão da menina em casamento. A cerimônia ocorre em janeiro de 1954. A boda é filmada em película, é um dos eventos mais comentados no país. A televisão transmite a união, celebrada pelo Arcebispo de São Paulo.

Em 1956, grávida de Jayme, ainda se apresenta apenas para os amigos da família. Apesar dos convites que recebia, preferia seguir uma vida discreta e longe da má-fama que carregavam as cantoras naquela época.
Mas o anonimato terminaria no dia em que seu pai trouxe dois novos convidados: Roberto Côrte-Real e Zezinho, então músico de Carmem Miranda e residente nos EUA. Roberto pergunta a Maysa de quem são aquelas músicas que está a cantar. Ela respondeu que eram todas suas. Roberto então pergunta se ela gostaria de gravar um disco.

André, ouvindo o diálogo, grita desesperando: Não!

O obstáculo representado pelo marido não é o único. A família aristocrática resiste a aceitar uma artista como membro de tão seleto clã.  

Roberto Côrte-Real não desiste e leva a oferta adiante. Maysa enfrenta a família e vence. É lançada pelo selo de Roberto, RGE. A condição imposta era que apenas esperasse o nascimento do filho do casal.
O dia em que Maysa se apresentou no escritório da RGE é marcado pela comitiva de funcionários que acompanhavam a sra. Matarazzo. Decide-se que a publicidade em torno do disco deverá ser mínima e a renda será revertida para o Hospital do Câncer.

Devido a essas restrições, o sucesso dos disco em São Paulo é muito limitado. No entanto a RGE aposta no mercado carioca. E então é um sucesso. Tem 21 anos e seu nome estoura.

Com o sucesso, vêm as polêmicas, alimentadas ainda mais pela vida privada conturbada em que vive. Termina o casamento, perde nobre sobrenome. Seu filho passa a ser criado pelos avôs maternos.

Maysa bebe cada vez mais. Engorda igualmente, levando-a adotar vestidos pretos e a proibir a filmagem de corpo todo. Vira noitadas adentro, começa a se apresentar bêbada ao vivo, na TV, escorando-se nos móveis cenográficos. Seu alcoolismo é noticiado pela imprensa quase diariamente.

Em 1958 foi lançado o disco “Convite para ouvir Maysa No 2”, o qual trazia sua canção memorável “Meu mundo caiu”:

(...)

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim    

(...)

Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar

(...)


Recebeu um programa semanal na TV Record e não para de fazer shows.

Seus abusos também não param: fuma demais, bebe igualmente, come em demasia. No fim do ano, um acidente rende mais uma manchete polêmica da cantora. Bate cm seu Fusca na traseira de um caminhão, em Copacabana. “Maysa, bêbada e ferida, foi atendida em pronto-socorro”, lia-se nos jornais. Ganha um cicatriz no rosto que a acompanha até o fim da vida.

Também realiza históricas parcerias, como com Dolores Duran, que se torna grande amiga.

Contudo, em 1959, outra tragédia a atinge em cheio. Em outubro de 1959, Dolores Duran, após uma noitada de muita farra, volta para casa, brinca com a filha, recolhe-se e, antes, pede à empregada que não a acorde. Naquela noite, sofre um infarto fulminante e morre. Maysa remói a dor de uma grande perda, com apena 23 anos.

Ainda nesse ano, Maysa se torna a primeira artista brasileira a se apresentar na televisão japonesa. Enfrenta um vôo de mais de 60 horas. Antes da apresentação, avisa que suas músicas nada têm a ver com carnaval – muitas pessoas não sabem que o samba tem diversas acepções, como samba-canção, samba de partido alto, samba-enredo etc.

Canta “Meu mundo caiu” e “Manhã de carnaval”. No fim, ainda reclama dos arranjos, bastante diferentes do samba-canção, cujo estilo ela representava.

O grande problema do alcoolismo é que a necessidade de álcool sempre aumenta. Maysa, inicialmente, precisava de apenas duas doses de álcool para subir no palco. Agora ela estava apelando a doses cavalares, tanto de vodka como de uísque. Esse estado etílico leva-a agir cada vez mais agressivamente contra o público, quando o barulho da platéia a irritava, Chegava a atirar sapato contra quem não se calasse.

Em 1959, termina uma turnê em Portugal, no Cassino Estoril. Vai a Paris, desejando escrever um livro de poesias, mas que é superado pelas bebedeiras. Quando está sem dinheiro, procura a casa noturna La Lousianne. Lá, canta sua versão de “Ne me quitte pas”.

Quando retorna ao Brasil, pesa mais de 90 quilos, tem olheiras profundas e seus dentes estão apodrecidos.

Na década de 1960, Maysa se submete a uma cirurgia plástica no rosto e na barriga. Devido às técnicas da época, seu pós-operatório é lento e doloroso. Ainda correndo risco de vida devido a complicações, termina os 25 poemas pretendidos há anos. O livro se chama “Os comigo de mim”, mas nunca foi publicado.

O Reveillon de 1961 começa a desandar quando Maysa, bêbada e irritada começa a lançar objetos como cinzeiros e copos contra seus convidados. Está casada com o ator argentino Duilio Marzio, que acorda com o apartamento em chamas. Maysa dormira com o cigarro aceso e queimou o colchão.     

Em crise com a RGE, por achar que estava recebendo muito pouco em relação ao que vendia, fecha com a Sony Music. Compra um apartamento em Copacabana e se muda para o Rio. Na cidade, conhece Ronaldo Bôscoli: jornalista, compositor, descendente da linhagem de Chiquinha Gonzaga e namorado de Nara Leão. O romance se instala e Ronaldo resolve mostrar todas as músicas que havia composto para Nara a Maysa.  
Então, Bôscoli e Menescal se surpreendem com a decisão de Maysa de dedicar seu primeiro disco na Columbia à Bossa Nova. O disco é preenchido por canções de Bôscoli e Menescal e a turnê inclui shows em Buenos Aires.

Fazem peripécias, algumas inclusive rendem a expulsão do elegante hotel onde se hospedaram inicialmente. Numa noite, Maysa telefona para Bôscoli e se faz passar por uma amiga de Nara. Bôscoli responde que pretende se casar com Nara assim que tterminarem os shows como “la gorda” – referindo-se a Maysa.
Saem aos tapas, ela perde uma prótese dentária. Na volta ao Brasil, tenta mais um investida em Bôscoli, mas é mal sucedida. E some dos holofotes.

Em 1962, interna-se numa clínica de reabilitação. Rehab à base de sonoterapia. No seu último dia, cai na gandai mais uma vez. Mas consegue reaparecer magra, rica, bonita e ... bêbada.

Terminado o contrato com a Sony, retorna à RGE e grava “Canção de amor mais triste”, “Round about midnight”. Sai em turnê por Nova York, Lisboa e Paris. Conhece Miguel Azanza, casam-se na Espanha, e lá residem, com o filho Jayme. Ainda em 1964 morre André Matarazzo.

Retorna ao Brasil em 1965.Estréia um programa na TV Record.

Em 1966, com 30 anos, disputa o II Festival de Música da TV Record. Para sua tristeza, foi desclassificada ainda nas fases iniciais e a vencedora foi Nara Leão, cantando “A banda”, de Chico Buarque.

Contudo, I Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, fica em terceiro lugar. Na festa de comemoração, já tendo entornado todas e mais algumas, vira-se para Elis Regina, acompanhada de Bôscoli, e grita: “Gauchinha de merda, você não canta nada!”. Elis, que não levava desaforo para casa: “Não me provoca, sua pinguça!”. Maysa lança uma garrafa de uísque contra Elis, mas esta é salva por Menescal.
Maysa passa os dois anos seguintes na Espanha, com Azanza.

Em 1969, de volta ao Brasil, é convidada para uma participação no programa de Flávio Cavalcanti, comojurada. Também recebe um programa semana na Record. Simultaneamente, realiza apresentações por dois meses no Canecão – mil pessoas por noite.

Maysa tenta trabalhar uma imagem mais familiar e caseira: seu disco traz sua foto ao lado de seu filho e inicia as apresentações com a voz de Manuel Bandeira recitando um poema que escrevera para ela.

Em 1970, outra tragédia à espreita. Após aceitar convite para ser repórter no programa Dia D – no qual conseguiu um furo, ao entrevistar Charles Manson -, engata romance com Laerte, câmera do programa. Tragicamente, este, após uma bebedeira, toma comprimidos para emagrecer da namorada. A mistura virou um coquetel alucinógeno que terminou com a morte de Laerte.

Pela Phillips, lança “Ando só na multidão de amores”. Após convidada para o programa Som Livre, impõe a condição de somente se apresentar se convidada para uma novela da Globo. A emissora aceita, ofere uma personagem na nove O Cafona, e faz previamente uma plástica com o mago Ivo Pitanguy.

Sua personagem Simone tem uma história de vida inspirada na própria Maysa. Depois, faz mais duas novelas e uma peça de teatro.

Em 1974, após conhecer Gal Costa – com quem tinha tido um arranca-rabo poucos anos antes – num trem, voltando de São Paulo, planejam um trabalho juntos. Meses após, no Fantástico, Gal canta “Resposta”, de Maysa, que canta “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. Viram amigas eternas.

Ainda em 1974, lança seu último disco, “Maysa”, com duas canções de Dolores Duran.

Em 1975, em romance com o maestro Julio Medaglia, Maysa faz temporada no teatro Igrejinha, no Bixiga. É um musical, com roteiro de Roberto Freire.

Diante do sucesso, a temporada se estende até 1976.

Nesse período, Maysa fazia uso de moderadores de apetite. Mas já não os tomava para emagrecer. Engolia quantidades colossais com o fim de sentir efeitos alucinógenos. Diz-se, inclusive, que chegava ao teatro, por vezes, espumando pela boca. O proprietário da casa, preocupado, ligou para os pais de Maysa informando o comportamento da filha. O pai apenas ouviu até o fim e desligou o telefone. O que ele poderia fazer?

Passa os últimos meses de vida cuidando da pintura de sua casa em Maricá, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Lá se sente livre: pinta, fuma, bebe... E liga para Gal, quando quer conversar com uma amiga.

Em janeiro de 1977, liga para o pai e avisa que passará na casa dele, antes de partir para Maricá. Embora tendo seus pais insistido para que só pegasse estrada no dia seguinte, belisca algo, fuma um monte de cigarros e se despede. Nesse período ela usava Minifage para emagrecer – remédio já fora de circulação.

Já na Ponte Rio-Niterói, ouvindo Frank Sinatra a 90 quilômetros por hora, perde o controle da Brasília, bate na mureta, o impacto do volante quebra diversas costelas. Também sofre lesões na cabeça, pernas e braços. Morre antes da chegada do resgate.

Foi enterrada no Cemitério São João Batista, aos 40 anos.  


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”

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