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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

GUERRA DA SÍRIA: O PASSO A PASSO DO CONFLITO – PARTE 4




Como já mencionado, o início do conflito armado na Síria envolveu, com exceção do suporte limitado do Hezbollah e do Irã, forças sírias de um lado e membros da oposição síria do outro, composta especialmente por desertores das forças do governo.

Por volta da época em que a Cruz Vermelha Internacional declarou a situação na Síria como uma guerra civil, esta deixava de se tornar exclusivamente síria.

Ainda. Outras lutas pela remoção do regime de Assad com vistas a estabelecer um Estado Islâmico e/ou a promoção de uma jihad global. Isto inclui a frente Al-Nusra, criada como um braço da Al-Qaeda pelo emir do que era chamado de ISI, o resultado de uma fusão de 2006 de vários grupos militantes (o maior de todos era a Al—Qaeda no Iraque).

No seu movimento mais notável até agora, o grupo mudou seu nome para Jabhat AL-Sham, em julho de 2016, e anunciou que todos os laços com a Al-Qaeda foram desfeitos. Esta “renomeação” foi um esforço para se reposicionar mais favoravelmente na Síria, incluindo a retirada de um de seus obstáculos principais, ou seja, o nome Al-Qaeda.

É impossível discutir tanto grupos jihadistas Sunitas, ou o conflito como um todo, sem o ISIS. O objetivo deste grupo é a criação e expansão do Califado Islâmico, o qual se refere a um estado Islâmico que implementa leis islâmicas e é chefiado por um califa, que deve ser descendente de Maomé, profeta do Islã.

Por volta do verão de 2016, o ISIS, diretamente ou por sua inspiração, realizou ataques em diversos países: Argélia, Austrália, Bangladesh, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Indonésia, Kuwait, Líbano, Malásia, Tunísia, Turquia e EUA. A quantidade de territórios que o ISIS poderia conquistar, ajudado pelo colapso do exército iraquiano em face do seu avanço, ao lado de sua expansão global, são alguns dos fatores principais que alteraram o curso do conflito na Síria e a atitude frente a Assad. 

Em resumo: esses fatos causaram uma mudança de prioridades na medida em que a luta do Ocidente contra a expansão do ISIS teria precedência sobre todo o resto, incluindo a insistência prévia na remoção de Assad.

A vasta maioria daqueles lutando contra o regime de Assad na Síria, crê-se, juntaram-se a organizações jihadistas em geral, ISIS em particular.

Assim, conforme a guerra se intensificava, o mesmo ocorria com a participação de estrangeiros, em ambos os lados – regime ou oposição. Conceitualmente, não se tratava mais de uma guerra civil.

Inicialmente, o número de pessoas deslocadas internamente e o fluxo de refugiados do país, desde 2011, era limitado, mas aumentou gradualmente, conforme o conflito aumentava.

Em maio de 2011, por exemplo, o fluxo em direção ao Líbano, majoritariamente através de fronteiras não oficiais – usadas por contrabandistas – aumentou, após a entrada do exército sírio em Talkalakh.

No mês seguinte, o sítio de Jisr Al-Shugur disparou a luta de 5 mil sírios para fora da cidade e para dentro da Turquia, dada sua proximidade. A Joirdânia se tornou o destino óbvio para residentes em Dara`a. Desde 2012, especialmente desceendentes de curdos foram bem recebidos no Curdistão iraquiano.

Com a escalada dos conflitos, o mesmo ocorreu com deslocados internos e refugiados. De acordo com uma agência americana, havia 13,5 milhões de pessoas dentro da Síria necessitando de ajuda humanitária, em maio de 2016.

Durante o cerco de Deir Ez-Zor, em maio de 2016, foi realizada entrega de ajuda humanitária por meio de lançamento aéreo. Em junho, o mesmo ocorreu em Darayya, então controlada pelos rebeldes. Houve também denúncias de que forças do regime impediam a entrada de comboios com ajuda humanitária, pretendendo matar a oposição de inanição.

No cenário externo, países vizinhos sofriam pressões em sua infraestrutura e economia, em decorrência da chegada de grande número de refugiados.

Em 2010, antes mesmo do conflito, o desemprego na Jordânia estava em 12,5% - entre os jovens, chegava a 30,1%.

Note-se que s refugiados não foram enviados a campos de concentração, o que criou pressões ainda maiores na infraestrutura dos países.

O acima citado ajuda a explicar as próprias Primaveras Árabes, ao menos em parte. Insatisfação e raiva relacionadas às pobres perspectivas econômicas. Mohammad Bouazizi, tunisiano oriundo de uma cidade com desemprego acima de 30%, tocou fogo em si mesmo após seu carrinho de trabalho ser confiscado, dando início à Primavera Árabe.

A subsequente crise de refugiados, de 2015, levou aproximadamente 1 milhão de migrantes e refugiados à Europa. Essas pessoas eram majoritariamente sírios (46,7%), com os afegãos na segunda colocação (20,9%). Erdogan ameaçou encaminhar os milhões de refugiados turcos para a Europa, caso esta não fornecesse apoio adicional.

Em junho de 2016, o Fundo Regional da EU anunciou um pacote de 165 milhões de Euros para a Turquia, e estendeu a rede de água e esgoto do sul da Turquia. Também foram enviadas ajuda à Jordânia e à UNRWA, agência da ONU responsável pelos palestinos antes refugiados na Síria.

Um Comitê do Congresso dos EUA discutiu, em novembro de 2015, acerca da entrada de terroristas em países ocidentais, junto com os refugiados.

Donald Trump, por sua vez, chamou os refugiados sírios de “cavalos de Troia” de militantes islâmicos, enquanto que o Reino Unido votava o Brexit – encarado por muitos como voto anti-imigrantes e anti-refugiados.

Após declararem o desejo de montar um califado, os EUA iniciaram ataques aéreos, em junho de 2014. Montaram até mesmo uma coalizão liderada por eles contra o ISIS. A Turquia também iniciava incursões contra o ISIS.

Se as intervenções estrangeiras no início do conflito na Síria eram limitadas a sanções, embargos de vendas de armas e retórica – em razão de divisões entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU -, em abril de 2012, o ex-Secretário Geral da ONU e então representante especial da Junta Nações Unidas-Liga Árabe, Kofi Annan, apresentou a primeira proposta de paz apoiada internacionalmente para resolver a situação na Síria.

O plano de Anna foi aceito por ambos os lados, mas teve vida curta, após o reinício da violência a despeito de cessar-fogo exigido no plano.   

Em 2013, os tambores de intervenção bateram mais alto, em agosto de 2013, quando foram reportados ataques com gás sarin em Ghouta. Muitas das centenas de mortes eram de crianças.

Naquele mês, Obama anunciou que ele procuraria aprovação do legislativo para inervir militarmente na Síria, em resposta ao uso de armas químicas, os quais teriam como alvo o regime de Assad. Essa intervenção, no entanto, nunca ocorreu. Em vez disso, formou-se uma coalizão EUA-Rússia, tendo como objetivo: controle, remoção e destruição de instalações sírias de armas químicas.

Por volta de janeiro de 2016, o governo sírio anunciou a destruição de todas as suas armas químicas.

O fim do conflito ainda era almejado. No fim de junho de 2012, uma conferência apresentou aquilo que seria conhecido como Genebra I. Os participantes chegaram a planejar um segundo acordo, desentendimentos invencíveis surgiram entre as partes no que se refere ao papel de Assad em um eventual governo de transição.

A maior discordância veio de Hillary Clinton, para quem a remoção imediata de Assad era condição sine qua non.

A Conferência Genebra II ocorreu em 2014, planejando trazer entendimentos entre o regime Assad e a oposição. Mais uma vez, desentendimentos quanto ao papel de Assad numa eventual transição inviabilizaram qualquer acordo.

Em setembro de 2015 houve um cessar-fogo. A trégua durou até outubro.

Naquele mês, foram realizadas tentativas em Viena, naquela que foi a mais bem sucedida conferência de paz até então. As conversas ocorreram em outubro e novembro, com participação de Irã e Arábia Saudita.

No fim de fevereiro de 2016, um cessar-fogo em todo o país foi implementado, embora ISIS, frente Al-Nusra e outras organizações terroristas fossem excluídas. Criou-se também um mecanismo de supervisão do cumprimento dos pontos acordados.

Tudo isso durou até abril, quando o regime voltou a utilizar-se de violência contra a oposição, que controlava Aleppo.

Os ataques aéreos americanos se iniciaram em agosto de 2014, tendo como alvo a expansão do ISIS. Por volta de setembro formou-se uma coalizão ati-Daesh – nos territórios de Iraque e Síria.
Até julho de 2017, os EUA haviam conduzido 4.433 ataques aéreos na Síria e 6.393 no Iraque. Os outros membros realizaram 249 na Síria e 3.018 no Iraque.

  a Turquia, por meio de suas incursões, planejava expulsar o ISIS de Jarabulus e fazer cessar a expansão territorial dos curdos.

Nesse momento, todos os países atuantes no confronto concordavam que retirar Assad não era mais prioridade. Seu papel num governo de transição estava garantido.

Além disso, a cada dia ficava mais claro que a solução passaria por pacificação e eleições populares, por meio das quais o povo pudesse escolher seu próprio destino. Essas foram as palavras de John Kerry, em dezembro de 2015.

A mudança mais notável veio da Turquia, quando o primeiro ministro Binali Yildrim, em 20 de agosto, demonstrou predisposição em aceitar uma eventual transição com Assad.

Assim o ISIS conseguiu alterar toda a perspectiva de Assad e do resultado final do conflito, ao se tornar o mais odioso dos inimigos naquela região.

Continua!   
  

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “The Syrian Civil War: The History of the 21th Century Deadliest Conflict”

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