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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ACENDA O FOGO E VAMOS PREPARAR O JANTAR – DESDE QUANDO?




O nome Era do Gelo parece autoexplicativo sobre quais eram as condições climáticas que as pessoas tinham de enfrentar. Mas o nome pode levar a enganos, pois não de tratava de uma Antártida em toda parte. A Europa Central, à noite, enfrentavam temperaturas que caíam abaixo de zero.

Seja como for, cozinhar carne, além de gerar um calor externo que ameniza o frio da noite, libera calorias que não seriam liberadas normalmente, o que acelera a digestão e aumenta ainda mais a temperatura corporal – sem olvidar o fato de que facilitam a mastigação de crianças e idosos banguelas. Podemos dizer que o menu da Era do Gelo era composto principalmente por pratos quentes.

Um outro aspecto das refeições se relaciona à socialização. Na região de Dorset, na Inglaterra, foi encontrado um forte da Idade do Ferro, sobre uma colina, a 200 metros do solo, usado para banquetes envolvendo pessoas de muito longe. Era servidas carne de vaca, veado e de outros bichos. A época predileta era o verão, com seus dias mais longos.

Na Idade do Bronze da Mesopotâmia, refeições compartilhadas serviam como assinatura contratual. Inclusive os pratos ficavam assinalados nos documentos legais.

Romanos e gregos criam também no poder da socialização em bases alimentares. Segundo Plutarco: “Não nos sentamos à mesa apenas para comer, mas para comermos juntos”. Os romanos abastados tinham a seguinte rotina diária: havia a cena, banquete para cerca de 12 pessoas, à base de carne. Se reunisse um grupo maior, chamavam-no convivium. A cena por motivo religioso era o “epulum”.

Entre as refeições principais havia os lanches frios, os “prandium”. Os pobres se viravam com os “fast food” da época: spopinae, locais que serviam comida para viagem. Para beber, os pobres se dirigiam à “tabernae”: grandes, agitadas, onde encontravam bebidas, comida, jogos de azar e prostituição.

Em Roma, entre os aristocratas, a posição de cada convidado em relação ao anfitrião refletia o estrato social de onde provinha – não compartilhavam uma mesa, mas um cômodo. Quanto mais distante, menos importante, podendo mesmo serem servidos pratos mais simples e vinho mais barato aos mesmos.

Os gregos – homens de altas classes - jantavam no “andron”: sala dos homens. O sofá era reservado aos homens, enquanto as mulheres poderiam se acomodar em cadeiras.

Algumas pinturas da Idade Média refletiam o modo como se relacionavam com a comida. Pinturas de grandes banquetes, em que mulheres estavam ausentes, também denunciam que elas não poderiam tomar parte nos mesmos. Elas se reuniam em outros ambientes. Esse era o hábito no Japão e na China no mesmo período, também.

A ordem em que os convivas eram servidos refletia o título que cada qual possuísse: duques, condes, viscondes... Na Inglaterra, esse tipo e cerimônia sofreu um primeiro golpe por conta dos cafés. Um guia de etiqueta em cafeterias anunciava em letras garrafais: “Ministros, senhores e comerciantes, todos são bem-vindos, e podem, sem afronta, sentar-se juntos; preeminência de lugar, ninguém aqui deve se importar, mas pegue o próximo lugar que encontrar; e ninguém precisa, se alguém mais distinto chegar, levantar-se para lhe dar o lugar.”

Em meados do século XVIII, em Paris, surgiram os restaurantes, como um novo local para jantar. Ali começaram-se a servir mulheres e homens juntos. E assim caducava mais uma regra social imposta há muito.
O serviço de mesa também sofreu algumas alterações. Nas residências e palácios mais refinados, imperava o chamado “service a la française”. Majestoso, canapés bordeavam os pratos principais, postos no centro da mesa. Serviam-se, em média, pratos em número 12 vezes maior que o número de convidados. E trabalhava-se para que todos os pratos fossem servidos juntos. Caso fossem trocados os pratos da mesa, trocavam-se também as toalhas.

O embaixador russo em Paris, na era napoleônica, Alexander Kurakin, levou o “service a la russe” a Paris. Por este, apenas os talheres e pratos eram postos antes da chegada dos convidados. Os pratos eram servidos separadamente. A moda pegou e era a prática já em 1880.

No entanto, nada parece ter mudado mais ao longo do tempo do que as regras de etiqueta. Na China, o Livro dos Ritos anota que tocar a comida com a mão esquerda é errado, por esta mão estar associada a limpar a bunda. Tanto na China como no Japão, onde as pessoas costumam comer co os pauzinhos, não se deveria também ficar revirando o prato em busca dos melhores pedaços, pois a saliva dos pauzinhos seria espalhada para os diversos pedaços testados. Deveriam-se pôr os pedaços escolhidos na tigela individual, primeiro.

Hesíodo explicou que cortar as unhas à mesa era nojento. Erasmo explicou que ficar se mexendo poderia levar a crer que a pessoa estava disfarçando um peido. Em sua obra “Cinquenta regras à mesa”, do século XII, Bonvensin de La Riva ensinava: não falar de boca cheia, não falar de assuntos desconfortáveis, não fazer perguntas a quem está dando um trago na bebida, não emitir ruídos, não fofocar incessantemente etc. Resumindo seus conselhos: comporte-se bem, seja cortês, elegante, alegre e despreocupado.

O imperador Cláudio emitiu um Decreto pelo qual autorizava peidar à mesa, na sua presença, desde que por motivos médicos. Ele ouvira sobre um homem que preferiu morrer a soltar um pum durante uma refeição com o imperador.

Quanto a cuspir à mesa, parece que apenas os persas demonstraram um certo nojo pela prática. As demais culturas demoraram um pouco para adotar a mesma regra. Na América do Norte, quando o tabaco se estabeleceu culturalmente, escarradeiras passaram a ser comuns nas residências. Apenas no século XX, cuspir à mesa passou a embrulhar os estômagos de quem o presencia.

Outros costumes eram tão estranhos que somente fizeram sentido num local e época específicos. Como o costume da corte vitoriana de retirar todos os pratos da mesa assim que a rainha Vitória tivesse terminado o seu próprio. Considerando que ela era a primeira a ser servida e que comia bastante rápido...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”.

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