O nome Era do Gelo parece autoexplicativo
sobre quais eram as condições climáticas que as pessoas tinham de enfrentar.
Mas o nome pode levar a enganos, pois não de tratava de uma Antártida em toda
parte. A Europa Central, à noite, enfrentavam temperaturas que caíam abaixo de
zero.
Seja como for, cozinhar carne,
além de gerar um calor externo que ameniza o frio da noite, libera calorias que
não seriam liberadas normalmente, o que acelera a digestão e aumenta ainda mais
a temperatura corporal – sem olvidar o fato de que facilitam a mastigação de
crianças e idosos banguelas. Podemos dizer que o menu da Era do Gelo era composto
principalmente por pratos quentes.
Um outro aspecto das refeições se
relaciona à socialização. Na região de Dorset, na Inglaterra, foi encontrado um
forte da Idade do Ferro, sobre uma colina, a 200 metros do solo, usado para
banquetes envolvendo pessoas de muito longe. Era servidas carne de vaca, veado
e de outros bichos. A época predileta era o verão, com seus dias mais longos.
Na Idade do Bronze da
Mesopotâmia, refeições compartilhadas serviam como assinatura contratual.
Inclusive os pratos ficavam assinalados nos documentos legais.
Romanos e gregos criam também no
poder da socialização em bases alimentares. Segundo Plutarco: “Não nos sentamos
à mesa apenas para comer, mas para comermos juntos”. Os romanos abastados
tinham a seguinte rotina diária: havia a cena, banquete para cerca de 12
pessoas, à base de carne. Se reunisse um grupo maior, chamavam-no convivium. A
cena por motivo religioso era o “epulum”.
Entre as refeições principais
havia os lanches frios, os “prandium”. Os pobres se viravam com os “fast food”
da época: spopinae, locais que serviam comida para viagem. Para beber, os
pobres se dirigiam à “tabernae”: grandes, agitadas, onde encontravam bebidas,
comida, jogos de azar e prostituição.
Em Roma, entre os aristocratas, a
posição de cada convidado em relação ao anfitrião refletia o estrato social de
onde provinha – não compartilhavam uma mesa, mas um cômodo. Quanto mais
distante, menos importante, podendo mesmo serem servidos pratos mais simples e
vinho mais barato aos mesmos.
Os gregos – homens de altas
classes - jantavam no “andron”: sala dos homens. O sofá era reservado aos
homens, enquanto as mulheres poderiam se acomodar em cadeiras.
Algumas pinturas da Idade Média
refletiam o modo como se relacionavam com a comida. Pinturas de grandes
banquetes, em que mulheres estavam ausentes, também denunciam que elas não
poderiam tomar parte nos mesmos. Elas se reuniam em outros ambientes. Esse era
o hábito no Japão e na China no mesmo período, também.
A ordem em que os convivas eram
servidos refletia o título que cada qual possuísse: duques, condes,
viscondes... Na Inglaterra, esse tipo e cerimônia sofreu um primeiro golpe por
conta dos cafés. Um guia de etiqueta em cafeterias anunciava em letras
garrafais: “Ministros, senhores e comerciantes, todos são bem-vindos, e podem,
sem afronta, sentar-se juntos; preeminência de lugar, ninguém aqui deve se
importar, mas pegue o próximo lugar que encontrar; e ninguém precisa, se alguém
mais distinto chegar, levantar-se para lhe dar o lugar.”
Em meados do século XVIII, em
Paris, surgiram os restaurantes, como um novo local para jantar. Ali começaram-se
a servir mulheres e homens juntos. E assim caducava mais uma regra social
imposta há muito.
O serviço de mesa também sofreu
algumas alterações. Nas residências e palácios mais refinados, imperava o
chamado “service a la française”. Majestoso, canapés bordeavam os pratos
principais, postos no centro da mesa. Serviam-se, em média, pratos em número 12
vezes maior que o número de convidados. E trabalhava-se para que todos os
pratos fossem servidos juntos. Caso fossem trocados os pratos da mesa,
trocavam-se também as toalhas.
O embaixador russo em Paris, na
era napoleônica, Alexander Kurakin, levou o “service a la russe” a Paris. Por
este, apenas os talheres e pratos eram postos antes da chegada dos convidados.
Os pratos eram servidos separadamente. A moda pegou e era a prática já em 1880.
No entanto, nada parece ter
mudado mais ao longo do tempo do que as regras de etiqueta. Na China, o Livro
dos Ritos anota que tocar a comida com a mão esquerda é errado, por esta mão
estar associada a limpar a bunda. Tanto na China como no Japão, onde as pessoas
costumam comer co os pauzinhos, não se deveria também ficar revirando o prato
em busca dos melhores pedaços, pois a saliva dos pauzinhos seria espalhada para
os diversos pedaços testados. Deveriam-se pôr os pedaços escolhidos na tigela individual,
primeiro.
Hesíodo explicou que cortar as
unhas à mesa era nojento. Erasmo explicou que ficar se mexendo poderia levar a
crer que a pessoa estava disfarçando um peido. Em sua obra “Cinquenta regras à
mesa”, do século XII, Bonvensin de La Riva ensinava: não falar de boca cheia,
não falar de assuntos desconfortáveis, não fazer perguntas a quem está dando um
trago na bebida, não emitir ruídos, não fofocar incessantemente etc. Resumindo
seus conselhos: comporte-se bem, seja cortês, elegante, alegre e despreocupado.
O imperador Cláudio emitiu um
Decreto pelo qual autorizava peidar à mesa, na sua presença, desde que por
motivos médicos. Ele ouvira sobre um homem que preferiu morrer a soltar um pum
durante uma refeição com o imperador.
Quanto a cuspir à mesa, parece
que apenas os persas demonstraram um certo nojo pela prática. As demais
culturas demoraram um pouco para adotar a mesma regra. Na América do Norte, quando
o tabaco se estabeleceu culturalmente, escarradeiras passaram a ser comuns nas
residências. Apenas no século XX, cuspir à mesa passou a embrulhar os estômagos
de quem o presencia.
Outros costumes eram tão
estranhos que somente fizeram sentido num local e época específicos. Como o
costume da corte vitoriana de retirar todos os pratos da mesa assim que a
rainha Vitória tivesse terminado o seu próprio. Considerando que ela era a
primeira a ser servida e que comia bastante rápido...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos
em um dia”.
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