Os livros de história, em geral, não falam de um das
Revoluções mais significativas ocorridas na história da humanidade: a Revolução
dos Fios. Por não contarmos com “cobertores naturais” de pelos, nós temos a
vantagem de suar – o que nos previne de superaquecimento quando corremos
grandes distâncias -, porém sofremos mais no inverno. Precisamos, portanto, de
roupas.
Para tanto, necessitamos de agulhas. As mais antigas já
descobertas datam de 60 mil anos atrás. Eram feitas de ossos finos, com furos
minúsculos, que serviam para costurar peles de animais, de maneira a uni-las
com fios de tendões.
Para que o couro possa servir para a fabricação de tecidos
duráveis, é necessários amaciá-lo. A técnica mais antiga para amaciar couro é a
mastigação. Mordendo o couro com os dentes e deixando-o em contato com a
saliva, previne-se o endurecimento do couro.
Na Era do Gelo, a técnica usada passava por curtir a pele e
mergulhá-la em cérebro de animal e lavá-la com uma pasta feita de água e casca
de árvore ácida. O couro ficava macio e flexível. Se a ideia era preservar o
couro por mais tempo, então o sucesso dessa técnica foi estrondoso: algumas se
encontram preservadas até hoje, em museus.
Quando a múmia de Ramsés II foi encontrada, estava envolta
por um tecido muito bem preservado, feito de linho entrelaçado – há registros
desse tecido de mais de 30 mil anos. Interessante que qualquer camponês egípcio
tinha acesso a esse tipo de tecido.
Outro tecido cujos registros estão entre os mais antigos é,
evidentemente, o algodão. Heródoto escreveu sobre ele: “E mais adiante [na
Índia], há árvores que crescem... Um algodão que supera em beleza e qualidade o
das ovelhas. Os nativos fazem suas roupas com esse algodão de árvores.” Quando
escreveu essas linhas, o costume precedia Heródoto em mais de 2 mil anos – ele morreu
há 2.400 anos.
O algodão também era usava largamente por incas e astecas, portanto não estava confinado à Ásia.
A qualidade das costuras poderia deixar qualquer costureiro
atual boquiaberto. A realeza muçulmana usava vestidos com incríveis 1.800 fios
por polegada quadrada.
Importado da Índia no século XVII, o algodão teve impacto
incomensurável na moda europeia. A expansão da indústria de algodão britânica proveu
a face moderna de Manchester no século XIX. Quando teve acesso ao algodão
americano – importado dos EUA – e passou a enrolá-lo nas fábricas de
Lancashire, a Grã Bretanha finalmente superou o mercado indiano e passou a
fabricar roupas para as massas.
A história da Inglaterra com o algodão começa pelas ovelhas,
costumazes perambuladoras das paisagens rurais do país. As lãs dessas ovelhas
eram exportadas para Itália e Flandres. Uma simbologia interessante é o Woolsack
– uma almofada de lã. O rei Eduardo II exigiu que seu Lord Chancellor se sentasse
sobre uma almofada vermelha de lã quando se dirigisse ao seu Conselho. Serviria
para não deixá-lo esquecer de qual era a fonte de recursos da nação. O Woolsack
permanece na Câmara dos Lordes até hoje.
Da China, proveio um dos tecidos mais icônicos: a seda.
Tecido produzido no estágio larval de uma mariposa.
Há evidências arqueológicas de que a sericultura (indústria
da seda) da China remonta há cerca de 7 mil anos atrás.
Por conta de seu preço elevado, era transportado por 6.500
kilômetros, por caravanas, ao longo da Rota da Seda, da China a Damasco. Eram
clientes cativos: romanos, bizantinos, persas e árabes.
Os chineses eram zelosos com uma fonte de tamanhos lucros:
seu contrabando era punido com pena de morte. Mesmo assim, no século IV d.C.,
Coréia, Índia, Japão e Pérsia tinham indústrias da seda próprias.
Dois monges bizantinos conseguiram contrabandear
bichos-da-seda chineses, pondo-os dentro de canas de bambu. Ganharam bastante dinheiro
com a exportação dessa seda, mas em pouco tempo a metodologia se espalhou e
chegou à Grã Bretanha no século XVII. Quem a levou à ilha foi o pretstante
francês Huguenots. O local de produção agora era Macclesfield.
Quanto ao mundo moderno, a novidade ficou por conta de fibras
sintéticas: nylon termoplástico, poliéster sintético – novidades da II Guerra
Mundial. Da facilidade de fabricar paraquedas e uniformes à facilidade de
enfiar na máquina de lavar, o mundo adotou a praticidade.
Falando em tecidos modernos, impossível olvidar o jeans.
Ninguém sabe ao certo a origem do denim (ou brim) – há uma tese de que o nome
deriva de Nîmes, de Nîmes, ou denim... De qualquer maneira, o denim era
resistente e seguro e portanto foi adotado pelos caubóis do século XIX. O
empreendedor que se lançou inicialmente ao fabrico de calças para caubóis
chamava-se Loeb Strauss, que mudou seu nome para Levi Strauss. Abriu sua primeira
loja em San Francisco, em 1850. Seu jeans reforçado foi um sucesso – embora os
rebites característicos só tenham sido adotados algum tempo depois, após a
entrada do seu parceiro de negócios Jacob Davis.
Por meio dos filmes do Velho Oeste, a moda se espalhou como
rastilho de pólvora. Quando parecia que iria cair em desuso, o Rock`n Roll fê-lo
renascer nos anos 1950.
E imaginar que o uso de calças tem apenas cerca de 200 anos,
no Ocidente, desde que os sans-culottes da Revolução francesa resolveram
enfrentar a proibição do levítico quanto ao uso de dois tecidos...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”.
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