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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: VINICIUS DE MORAES


Foi ele quem lapidou a famosa frase “O uísque é o melhor amigo do homem; é o cachorro engarrafado.”
Na faculdade, foi membro do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais – ponto de referência da esquerda da época. Também freqüentou o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva – local mais dedicado à direita da época, impossível. Foi censor durante o Estado Novo varguista. Contudo, após o Golpe de 1964, tornou-se um dos perseguidos políticos mais odiados pelo governo militar. Foi destituído do cargo de diplomata no Itamaraty, mesmo sem ter sido comprovado qualquer envolvimento político de sua parte.   

Foi também um pouco machista, a despeito de seu amor pelas mulheres. “Que me desculpem as muito feias. Mas beleza é fundamental”, disparou no seu “Receita de mulher”.

Foi o letrista inspirado de canções como “Medo de amar” e “Valsa de Eurídice”.

Nasceu em 1913. Foi escolhido para receber a melhor educação que seus pais pudessem oferecer. Estudou no Colégio Santo Inácio. Aos sete anos, foi batizado na maçonaria pelo seu avô materno. Aos 14, ensaiava seu primeiros versos. Aos 19, publica seu primeiro poema na revista A Ordem.

Aos 24, inaugura aquela que seria uma longa série de casamentos. Chama-se Beatriz Azevedo de Melo sua primeira esposa. Mais conhecida por Tati, é de família rica - fora educada em Paris. Monteiro Lobato criou uma personagem de nome Tati em homenagem à menina ora desposada.

Inicialmente a família da menina a proíbe de se relacionar com Vinicius. O futuro poetinha, nessa época, recebe uma bolsa de estudos do Conselho Britânico para estudar em Oxford. O jovem vai, mas se casa com Tati por procuração e escondidos da família. A menina vai a Londres, onde passa uma temporada e onde é procurada diariamente por Vinicius, fugido do campus.

Nesse período também escreve “Cinco elegias”.

No retorno ao Brasil, casado e apaixonado, escreve uma de suas obras mais memoráveis, “Soneto da fidelidade.”

A menina rica agora tem de se acostumar com tempos mais difíceis. Vinicius luta para sustentar a família – a primeira filha, Suzana, já havia nascido. Compra um apartamento na Gávea – ainda bairro operário -, trabalha como crítico de cinema e usa o tempo livre para estudar para passar na prova do Itamaraty.
Em 1942 nasceu Pedro. As dificuldades para sustentar a família aumentam. Pior, é reprovado na prova do Itamaraty.

Levanta a cabeça, tenta mais uma vez no ano seguinte e é bem sucedido.

Aos 30 anos, o diplomata Vinicius de Moraes estagia na Divisão Cultural da Secretaria de Estado. Adquirida a segurança financeira, relaxa os músculos e abre a casa e a vida aos amigos. São muitas as madrugadas curtidas à base de uísque e cigarros, papeando com Manuel Bandeira, Rubem Braga, Di Cavalcanti, Sérgio Buarque de Holanda e outros.  

A pedido do próprio, Vinicius é escalado pelo Itamaraty para acompanhar o escritor americano Waldo Frank em diversas incursões pelo interior do país. São quarenta dias durante os quais o próprio poetinha descobre o Brasil, assiste a um jogo de capoeira, conhece João Cabral de Melo Neto. Nessa época surgem os primeiros esboços do que seria a peça “Orfeu da Conceição”, uma de suas grandes obras.

Mais tarde, Vinicius se apaixona por uma arquivista do Itamaraty. Boa de copo, Regina termina os expedientes bebendo em companhia de Vinicius. Até que a família da garota descobre e exige o casamento.
Vinicius termina com Tati, casa-se com Regina. Pouco depois a garota, aparentemente desgostosa com o poetinha, expulsa-o de casa. Vinicius fica sozinho.

Depois disso, o Itamaraty envia Vinicius a Los Angeles, onde assume o cargo de Vice-Cônsul na Califórnia. O novo Vice-Cônsul leva a arquivista Regina consigo, aproveita para tentar reatar com a moça, mas ela não cede. Vinicius está sozinho de novo.

Nessa etapa, Vinicius se aproxima de Carmem Miranda, cuja residência em Beverly Hills passa a freqüentar.

Algum tempo depois, volta a fazer contato com Tati e reatam o relacionamento. Ao lado dos filhos, Tati se muda para Los Angeles.

Chocado pelo impacto destruidor da bomba atômica, nesse período Vinicius escreve “Rosa de Hiroshima”.
Em 1950, seu casamento com Tati chega ao fim definitivamente. Com a morte de seu pai, Vinicius desembarca de volta ao Brasil.

Solteiro no Rio de Janeiro, Vinicius resolve curtir uma boa boemia. Em uma ocasião conhece Lila Bôscoli, irmã de Ronaldo Bôscoli. O encontro é intermediado por Rubem Braga, que assim vaticina: “Está é Lila Bôscoli, este é Vinicius de Moraes... e seja o que Deus quiser!” A menina de 19 e o diplomata de 37 travam um relacionamento.

A primeira noite de amor do casal rende o poema “A hora íntima”.

Apesar de seu emprego pomposo, Vinicius passa por apertos financeiros. Mesmo assim mantém sua rotina: escreve muito, bebe muito. O uísque desce largamente goela abaixo.

Escreve críticas de cinema para o jornal Última Hora. Circula entre artistas e intelectuais... E está cada dia mais de desanimado com a rotina do Itamaraty.

Em 1952, é incumbido de estudar a organização dos grandes eventos de cinema do mundo – Cannes, Berlim, Veneza etc. Atuará como delegado brasileiro para tanto. A finalidade era desenvolver um modelo nacional.

Por esses anos nasceu Georgiana, sua terceira filha. Nasce também seu samba “Quando tu passas por mim”. Parte para Paris, onde assume o cargo de segundo-secretário na Embaixada brasileira.

Numa oportunidade, Vinicius deixa transparecer a seu amigo Di Cavalcanti o início de seus problemas de saúde decorrentes da bebedeira e d boemia. Fígado, sistema nervoso, estão comprometidos. Sofre de tremedeira nas mãos. Tenta mas não consegue largar o álcool.

A sensação de impotência diante da bebida leva-o a tenta o suicídio. Tranca-se na cozinha e abre o gás, reproduzindo uma espécie de câmara da morte. Quem o salva no último minuto é sua sogra. Quando a esposa retorna, Vinicius desaba em lágrimas e compõe, pouco depois, o “Soneto do amor total”: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.  

Algum tempo depois, Vinicius conhece o produtor Sacha Gordin. Ele pretende realizar uma produção no Brasil, mas está sem uma boa história. Após beber bastante, o poeta lembra da peça Orfeu da Conceição, que escrevera anos antes. Nessa peça, Vinicius adapta o mito grego, Orfeu, para uma favela carioca.

Retorna ao Rio e obtém o financiamento necessário. Porém, há um problema: Vinicius precisa de um parceiro musical para compor as músicas da peça. Tenta Vadico, famoso parceiro de Noel Rosa, mas declina. Faz a segunda investida com Tom Jobim. Este é jovem, bom de copo, bom de papo, ama poesias de Drummond... enfim, o cara perfeito para Vinicius.

Após o convite, a resposta de Tom é memorável: “E tem um dinheirinho nisso?”

Em quinze dias compõem todas as músicas. O impacto da nova amizade é flagrante sobre Vinicius. Inicia-se uma fase decididamente artística em sua vida.

Suas novas amizades daí em diante são: Carlos Lyra, Baden Powell, Francis Hime, Edu Lobo, Toquinho e muitos outros grandes cantores e compositores.

Aos 43 anos, Vinicius está esgotado de seu trabalho no Itamaraty. Nasce então Luciana, sua quarta filha. Nesse período, Vinicius e Tom circulam pelas madrugadas, cantando e bebendo em profusão.

Em setembro de 1956 estréia Orfeu da Conceição, no Teatro Municipal do Rio. Sacha Gordin, por sua vez, está em Paris e levanta os recursos para filmar a peça. Contudo, a versão para cinema deveria receber adaptações para o público internacional. Essa tarefa ficou a cargo de Jacques Viot.

Em 1959, estréia o filme Orfeu Negro, nome adaptado da peça. Vinicius assiste à obra no Palácio do Catete, ao lado de Juscelino Kubitschek. A direção estava a cargo de Marcel Camus.

O poeta detesta o filme. Deixa a sessão antes do término do filme. Ele percebe um nível de exotismo insuportável. Mesmo assim, o filme recebe a Palma de Ouro, em Cannes, e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em Hollywood.

Lila, que havia permanecido em Paris, quando do retorno de Vinicius, deixa-o. O poetinha sente-se amargurado. Escreve então “A perdida esperança”, no qual despede-se de Lila e de Paris.

Após, conhece Maria Lúcia Proença, a Lucinha, sobrinha de Octávio de Faria, amigo de juventude de Vinicius.

Após, é transferido para a Embaixada no Uruguai. No início o relacionamento é oculto, pois ela é casada. Mas, após o desquite, vão viver juntos. Na nova residência, onde recebe amigos em profusão, Vinicius conhece Baden Powell. Este se muda de mala e cuia para o apartamento do amigo, onde reside por três meses. Lá, compõem os afro-sambas, que revolucionariam o cenário musical brasileiro. Como não poderia deixar de ser, entornam uísque incessantemente. O disco com as novas composições é lançado em 1966.

Quando completa 50 anos, Vinicius reformula sua vida mais uma vez. Deixa Lucinha e volta para a casa da mãe. Pouco depois conheceu Nelita de Abreu Rocha. Terminam tendo de fugir para a Europa. Nelita estava comprometida com um “figurão” de elite. Após descobrir o romance, o rapaz ameaça matar os dois e se suicidar em seguida.

O poetinha pede uma transferência ao Itamaraty e foge com a amada – ainda estudante da PCU. O destino oferecido? Paris. O motorista da fuga foi Tom Jobim. A “escolta” foi feita por Otto Lara Resende e Fernando Sabino.

O alcoolismo de Vinicius não para de crescer. Além da idade, que torna as bebedeiras cada vez mais cambaleantes, Vinicius descobre o Pernod. Esse coquetel explosivo é feito à base de absinto. Era a bebida predileta de Rimbaud, imortal poeta francês. Se o uísque estava destruindo sua saúde, o Pernod se mostraria ainda pior.

Em 1964, após o Golpe, o poetinha é obrigado a retornar ao Brasil.
Para o Regime Militar, Vinicius é bêbado e artista – fusão mortal aos olhos dos novos donos do poder. Inicialmente, obrigam-no a se apresentar sempre de terno e gravata. Depois, o proíbem de receber cachê pelas apresentações.

Em 1965, Vinicius é compositor das músicas que ocupam os dois primeiros lugares no I Festival de Música de São Paulo. O primeiro lugar fica com “Arrastão”; o segundo, “Canção do amor que não vem”.

Consegue que o Itamaraty o ceda ao governo de Minas Gerais. Lá, ao lado de artistas locais idealiza o Festival de Arte de Ouro Preto.

Em 1968, duas tragédias o abatem: sua mãe morre; o governo inicia a aprovação de leis que culminam com o AI-5.

Disso tudo resulta sua execração do Itamaraty. Por exigência do presidente Costa e Silva, é aposentado compulsoriamente. Seus “crimes” não são políticos, mas incompabilidades entre padrões morais bastante diversos.

No entanto, sua carreira alça vôos cada vez mais altos. Vinicius conhece o paulistano Toquinho. Dentre os clássicos dessa época, “Tarde em Itapuã”, canção de 1969.

Em 1970, Vinicius tem sua quinta filha, Maria Gurjão de Moraes, filha do relacionamento com Cristina Gurjão. Ele conta 57 anos.

Ainda durante a gestação de Maria, Vinicius conhece a atriz baiana Gesse Gessy. Deste relacionamento surgirá seu conhecimento de candomblé e sua temporada na Bahia. Sai Gávea e entra Salvador. Depois, contrói uma casa em Itapuã.

Sobre liberdade, declara: “Liberdade é poder cagar de porta aberta.”

A cerimônia de casamento ocorre quando Vinicius já tinha 60 anos de idade. Participam da festa Jorge Amado e Zélia Gattai. Acompanham o cortejo, atabaques, flores coloridas, um banquete especial etc. A atriz corta o pulso de ambos e fazem um pacto de sangue.

Vinicius ainda dá andamento a sua carreira internacional, com shows na Itália e em Lisboa.

Com Toquinho, grava “A Tonga da mironga do kabuletê.” Gesse traduziu como “o pelo do cu da mãe”, na língua nagô.

O efeito catártico que produziam sobre a juventude da época os condenou à eterna vigilância pela Censura. Chegam a ser proibidos de se apresentar em Recife.

Em 1975, conhece a portenha Marta Rodríguez Santamaria, quarenta anos mais nova. Escreve para ela “O soneto de Marta.” Depois, partem em viagem pela Europa. No retorno, Marta o abandona.

Em 1978, na França, conhece Gilda Mattoso. Ele está diabético, recebe injeções diárias de insulina. Sua aparência depõe contra sua idade, aparentando ser mais velho. Foram muitas as farras que castigaram sua saúde.

Os dois vão morar no Rio, onde Vinicius constrói uma casa na Gávea.

No fim dos anos 1970, está debilitado, inchado, intoxicado pelos excessos. Sofre de crises hepáticas, mas mantém o consumo de álcool.

Embriagado pelo novo amor, planeja viajar de carro, de Paris a Atenas. As crises renais o impedem de seguir na aventura desvairada. Param em Perúgia, onde Vinicius tem amigos. Lá, o poeta sofre de confusões mentais assustadoras. OS médicos italianos indicam retorno imediato ao Brasil.

Desembarcando no Rio, é levado à Clínica São Vicente. Recebe uma válvula na cabeça. Nessa ocasião revelou: “A vida assim é muito chata.”

Na manhã de 9 de julho de 1980, sua empregada o encontra falecido, na banheira que tanto amava, em meio aos trabalhos no novo disco, “A arca de Noé”, projeto em que laborava com seu amigo Toquinho.   

  
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A vida louca da MPB”


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