Foi Oppenheimer o responsável por produzir a primeira bomba
atômica nos laboratórios secretos de Los Alamos, no Novo México. Ele também foi
um notável perseguido pelos serviços de “inteligência”, em meio à caça aos comunistas
no pós-II Guerra Mundial.
Foi professor prestigiado, diretor do Instituto de Física
Avançada, em Princeton, por quase 20 anos, quando dirigiu professores como
Einstein, Von Neumann e Ernest Godel.
Era um homem de múltiplos interesses intelectuais. Quando
viu o cogumelo de fogo crescendo, após o teste da primeira bomba atômica, citou
Bhagavad-Gita.
Após tornar-se celebridade nacional e se aproximar dos
círculos políticos de Washington, fez inimigos em razão de suas opiniões
heterodoxas – para os padrões ortodoxos e anticomunistas da ultradireita da
época.
Era filho de um judeu alemão bem sucedido no ramo de
importação de têxteis. Cresceu em NY, em um belo apartamento em Riverside
Driver.
Em 1922, foi estudar química em Harvard. Lá também afiou
seus conhecimentos em física, filosofia oriental, grego, latim clássico,
arquitetura... Também pintava, escrevia poesias modernas, que publicava na
revista da universidade.
Em 1925, terminou o curso de quatro anos em apenas três.
Graduou-se “suma cum laude”. Foi para Cambridge estudar com o famoso professor Ernest
Rutherford, o descobridor do núcleo atômico.
Lá, tornou-se amigo de Paul Dirac. Inglês, filho de pai
imigrantes suíço, tinha temperamento parecido com o de Oppenheimer.
Ambos se envolveram nas pesquisas atômicas, nos
desenvolvimentos da física quântica, ao lado de Bohr, Schrodinger, Heisenberg,
Born e outros.
A física quântica se iniciou com Max Plack. Segundo ele, a
luz tinha natureza dupla: era ao mesmo tempo onda e partícula. Quando se
analisavam as variações de cor, a luz deveria ser encarada como onda. Quando se
analisavam fenômenos como o efeito fotoelétrico – quando a luz bombardeava
certa superfície, liberando elétrons e assim eletricidade -, a luz tinha
natureza de partículas, chamadas fótons, que se organizavam em feixes – ou quantas
de luz.
Para arrancar os elétrons, os quanta deveriam possuir
momentum, que é força, portanto requer massa para que exista (F = m x a). Porém
essa massa somente surgia quando estavam em movimento. Quando parados, sua
massa é zero.
Ambíguo? A mecânica quântica estava repleta delas.
Em 1925, a mais nova estrela da física alemã Werner
Heisenberg formulou a teoria para contornar o problema da natureza dual da luz.
Concentrou-se na observação. Somente as propriedades do átomo que decorressem
de medição poderiam ser reais. Todo o restante seria insignificante, ou
irrelevante para as pesquisas.
O passo seguinte foi dado por Max Born, professor em
Gottingen. Ele Sugeriu que diferentes medidas poderiam ser dispostas linhas e
colunas, na forma de matriz. Portanto a teoria de matrizes seria plenamente
capaz de prever valores para variáveis físicas – como às partículas – como para
probabilidades matemáticas para diferentes estados de energia – como às ondas.
Schrodinger, no entanto, achou essas teorias complexas
demais. Desejava chegar a um resultado mais limpo e compreensível. Em 1925,
formulou uma versão alternativa: supôs uma partícula e uma onda associada à
mesma. Ambas as características, de onda e de partícula, poderiam ser derivadas
dessa imagem que criara.
Dessa forma, desenvolveu uma equação ondulatória aplicável a
qualquer sistema físico – isto é, uma partícula com natureza de onda e de
partícula. Bastava conhecer os valores de energia. Nascia assim a mecânica ondulatória,
que se opunha à mecânica matricial de Heisenberg.
Assim, passamos a contar com duas teorias em campos opostos.
Dirac resolveu-se por conciliá-las. Em meados de 1926, trouxe à baia uma nova
teoria: a álgebra quântica. Por meio desta, sustentava que ambas as teorias
eram, de fato, equivalentes.
Em 1926, Oppenheimer iniciou a produção de uma série de
artigos na seara da mecânica quântica – mais especificamente relacionados à
estrutura atômica. Renderam-lhe um convite para trabalhar com Max Born, em
Gottingen.
Publicou, lá, artigos ao lado de Born, Dirac. Entre 1926 e
1929 publicou 16 artigos, nos quais ofereceu uma série de contribuições
importantes. A famosa “Aproximação de Born-Oppenheimer”, fundamental ainda nos
dias atuais.
A maior contribuição de Oppenheimer ocorreu no conceito de “spin”
do elétron – estudo do giro do elétron. Ao girar em torno de si e em torno do
núcleo, o spin do elétron ajuda a manter o átomo unido. A imagem se assemelha
aos planetas em órbita em torno do Sol.
Depois disso, retornou à América, assumiu um cargo com professor
em Berkley e pesquisador no Caltech, em Pasadena, ambos na Califórnia. Lá
alcançou sua fama como professor-sensação. Escrevia artigos e discutia física
quântica com Born, Dirac e Bohr, falava oito línguas, conhecia filosofia e
escrevia poesias vanguardistas. Alunos brilhantes de todo o mundo o procuravam.
Em 1936, conheceu e se apaixonou por Jean Tatlock.
Inteligente, estudante de psicologia e integrante do Partido Comunista. De um
homem concentrado exclusivamente na sua área de estudos e completamente
alienado do mundo exterior, Oppie mergulhou na política de esquerda, algo que
carregou por toda sua existência.
Outra característica de Oppie era que, apesar dos progressos
que realizara no seu campo, seu talento maior era a capacidade de organizar
grupos de trabalho bastante produtivos, compostos por gênios que, como se sabe,
têm dificuldade em colaborar com outros gênios.
Em 1937, após a morte de seu pai, herdou uma fortuna
considerável. Usou parte dela para financiar grupos antifascistas que, à época,
eram basicamente comunistas. No entanto, definia-se como socialista, não como
comunista. Aliás, seu irmão Frank era comunista.
Nesse período, diversos estudiosos europeus desembarcaram na
América. Oppie manteve contato com Enrico Fermi, especialista em radiação,
acolhido em Michigan; Leo Szilard, teórica da reação em cadeia utilizada na
confecção da bomba atômica, húngaro acolhido em Columbia; Eisntein e Bohr, em
Princeton.
Passou a interessar-se também por cosmologia. Publicou “Sobre
o colapso gravitacional contínuo”, em parceria com Hartland Snyder, em 1939,
que tratava da Teoria da Relatividade Geral de Einstein e provava que a luz se
curva quando passa perto de corpos de grande gravidade. Isso implica que o
espaço se curva, de fato.
As equações de campo que relacionavam espaço curvo e
distribuição de massa foram desenvolvidas por Einstein: eram 20 equações que
deveriam ser solucionadas simultaneamente, com 10 incógnitas. O trabalho de
Oppie mostrava que, quando uma estrela se consumia e colapsava sobre si mesma,
o espaço era curvado de forma tão fechada que a luz emitida pelo interior da
estrela não conseguia escapar da mesma. Formava-se assim um “horizonte de
eventos” de mão-única. Tudo o que ocorresse em seu interior ficaria restrito a
esse mesmo local.
Isso implicava que o tempo - segundo Einstein, uma dimensão
do espaço – desapareceria do outro lado do horizonte de eventos,
simultaneamente com o espaço. Uma singularidade espaço-temporal ocorreria,
quando a gravidade infinita comprimiria tudo até uma densidade finita. Partícula
e radiação também desapareceriam como que sugados por um buraco negro.
No entanto, o nome buraco negro somente surgiria nos anos
1960.
E parte, a demora na aceitação dos conceitos se deve ao
ambiente político da época. O artigo de Oppie e Snyder foi publicado na revista
Physical Review no dia 1º de setembro de 1939, dia em que Hitler invadiu a
Polônia – iniciando a II Guerra Mundial. Essa mesma edição trouxe outro artigo,
de Niels Bohr, sobre o mecanismo de fissão nuclear – aquele usado na bomba
atômica.
Na fissão nuclear, ocorre a quebra do núcleo atômico em duas
partes quase idênticas. A energia liberada segue a reação delineada na Teoria
da Relatividade Especial: E = mc2.
De curiosidade acadêmica a realidade, a energia atômica
começou a ser estudada de maneira mais detida após experimentos com urânio.
Este já era conhecido há mais de cem anos. Contudo, após isolado e pesado,
descobriu-se ser o elemento mais pesado descoberto até então. Seus isótopos
eram instáveis, portanto emitiam radiação, decaindo espontaneamente pela
emissão de partículas alfa, elétrons e raios gama.
Na década de 1930, Otto Hahn e Lise Meitner bombardearam o
núcleo do urânio com nêutrons. O elemento observado, então, foi o bário, com
aproximadamente metade do peso atômico do urânio. Ocorreu uma fissão nuclear,
liberando uma quantidade de energia que antes era responsável por manter o
núcleo unido. Meitner calculou que cada núcleo individual de urânio liberava
200 milhões de elétronvolts de energia.
Foi Niels Bohr quem juntou as pecinhas. Embora Meitner fosse
judia e tivesse sido expulsa da Alemanha pelos nazistas, o processo de fissão
nuclear poderia ser usado para produzir bombas avassaladoras e era conhecido
pelos nazistas.
Aproveitando uma estadia nos EUA para uma série de
conferências, Bohr entrou em contato com Einstein e Szilard em Princeton e,
juntos, escreveram a Roosevelt alertando sobre o perigo iminente.
Assustado com a situação, Roosevelt aprovou o projeto
Manhattan, de construção da bomba atômica americana. Interessante notar que o
serviço de “inteligência” tivesse recusado a Einstein até mesmo o conhecimento
do andamento do projeto, receoso pelo fato de ele ter sido quem alertou para o
perigo, embora Einstein já fosse cidadão americano, ao contrário de outros que
tomaram participação no projeto, mesmo sendo oficialmente estrangeiros. No caso
de Fermi, um italiano, contra quem os EUA estavam em guerra.
Talvez as aspas que usei em torno da palavra inteligência
tenham sido motivadas pelo diretor do FBI na época (e por quase cinquenta
anos), Edgard Hoover: um travesti, ligado à máfia e chantageador de
presidentes.
Os trabalhos seminais foram conduzidos por Fermi e Szilard.
Este último havia demonstrado que, quando o núcleo do urânio era bombardeado
por nêutrons, dois ou três outros nêutrons eram liberados – além da energia. Se
tais nêutrons fossem mantidos no interior da matéria, poderiam prosseguir
atingindo outros núcleos atômicos e, assim, teriam uma reação em cadeia,
liberando quantidades assombrosas de energia.
O grande obstáculo, apontado por Bohr, era que a reação que
produzia a fissão ocorreria apenas se os nêutrons atingissem o isótopo
Urânio-235. Este ocorre em proporções muito baixas – 1/140 – do urânio natural.
O Urânio-238, o mais numeroso, apenas absorveria os nêutrons. Um reator nuclear
improvisado por Fermi, numa quadra de squash da Universidade de Chicago, provou
que Bohr estava certo.
Fermi inseriu barras de grafite no urânio. Assim, os
nêutrons de alta energia seriam desacelerados, aumentando as possibilidades de chacoalhar
contra um Urânio-235. Em 1942, o primeiro reator nuclear do mundo produziu a
primeira reação em cadeia controlada, em Chicago.
Para aumentar a eficiência da bomba, era necessário
enriquecer o urânio, aumentando a concentração de U-235 acima da pobre
proporção 1/140. Para tanto, uma técnica teria de ser descoberta. Tentou-se por
meio de força centrífuga. Depois, tentou-se por difusão gasosa. Essa última
técnica mostrou-se mais viável, porém novos materiais tiveram de ser criados,
em razão do poder de corrosão da mistura resultante. Toda uma usina química
teve de ser construída para realizar essa etapa da produção.
O projeto Manhattan teve custo inicial estimado em 6.000
dólares. Terminou acima de 2 bilhões. No final da guerra, o Projeto Manhattan
envolvia mais recursos que toda a indústria automobilística dos EUA.
O comando geral do projeto ficou a cargo do general Leslie
R. Grooves. Foi ele o responsável pela construção do Pentágono. Oppie era
responsável pela direção dos trabalhos e também foi quem escolheu Los Alamos
como local secreto para os trabalhos.
Também foi Oppie que ficou a cargo de convencer cientistas a
se envolverem no projeto. Além de Fermi, estavam lá Von Neumann, Richard
Feynman (então com 24 anos), Richard Wilkins (futuro Nobel pelos trabalhos com
DNA).
Ainda em meio aos trabalhos de desenvolvimento, Groves não
parava de receber relatórios que acusavam Oppie de espionar para os comunistas.
Afinal, sua namorada e seu irmão eram comunistas... Embora o próprio Frank
trabalhasse na usina de enriquecimento da bomba, em alto posto. Obviamente
Groves desconsiderava cada linha do que lia.
Nessa época, Oppie conheceu Kitty Harrison, uma alemã de 33
anos (ele tinha 38), naturalizada. Tiveram um filho em 1941.
Voltando à bomba. Resolvido o obstáculo da fissão, como
transformar aquele monte de conhecimento numa bomba para jogar na cabeça de
alguém? Deveriam saber a quantidade necessária de urânio. Somente a partir de
uma certa massa, chamada massa crítica, a reação em cadeia seria possível.
O processo agora estava mais compreensível: duas massas
sub-críticas seriam transportadas. Pouco antes de usá-las, seriam unidas e
acionado o estopim. Pronto! Vai tudo pelos ares.
O obstáculo agora era criar um mecanismo que unisse as duas
massas sub-críticas na velocidade necessária para garantir a explosão em
cadeia. Desenvolveu-se, então, um detonador: era uma bomba tipo revólver
chamada de “Little Boy”.
As pesquisas realizadas mostravam que a bala da Little Boy
deveria ser disparada a 1.000 metros por segundo. Porém, novamente, ninguém
dispunha de uma arma com essa capacidade.
Um membro da equipe chamado Seth Neddermeyer sugeriu que uma
implosão sobre um cano de metal cheio de urânio, envolto em explosivos.
Criariam assim um material de alta concentração e densidade críticas,
necessárias para a explosão.
Porém essa implosão levava o cano para posições diferentes,
mas não garantia a concentração desejada. Sugeriu-se usar, em vez de uma cano,
introduzir o urânio numa esfera carregada de explosivos. Testes realizados
sempre mostravam, ao cabo, um cano retorcido, demonstrando uma explosão não
uniforme. Toneladas de urânio eram enriquecidas para produzir uma colher de chá
de material físsil.
O trabalho somente passou a produzir resultados mais
práticos quando se adotou o plutônio em lugar do urânio. O isótopo do plutônio,
o P-239, com massa crítica equivalente à metade do U-235. Era produzido pelo
bombardeamento do U-238, após a extração do U-235. O obstáculo era seu nível
mortal de radiação. 0,13 miligramas matam qualquer pessoa.
Em 1943, Niels Bohr chagava à América, fugindo da Dinamarca,
após um périplo pela Suécia e Inglaterra. Trazia uma resposta ambígua de
Heisenberg, dando a entender que os alemães obtiveram progresso no fabrico da
bomba. Oppie ficou ainda mais ansioso após ouvir as novidades trazidas por
Bohr.
Também chegou a Los Alamos o cientista nuclear Klaus Fuchs,
que transmitia todas as descobertas do projeto para Moscou.
A abordagem da implosão de barras foi abandonada após uma
série de fracassos e passou-se à abordagem em esfera. Divididas em cunhas, os explosivos
eram espalhados em cada lócus, de maneira à explosão ficar concentrada no
centro da esfera. Usavam-se explosivos rápidos e lentos. Batizaram esse gatilho
de “Fat Man”.
A primeira bomba detonada ocorreu em Alamogordo. Era de
plutônio e foi monitorada a 9 km dali,. A instalação principal ficava a 30km.
Usaram 5.000 toneladas de TNT. Foi às 5:30 A.M. Clarão ofuscante seguida de rajada de calor,
essas foram as sensações no bunker.
Foi quando Oppie se lembrou de um trecho de uma poesia
indiana:
“Transformei-me na Morte,
A destruidora de mundos.”
A torre de aço de 300 metros que sustentava a bomba foi
incinerada. O calor intenso calcinou a areia do deserto, transformando-a em
vidro, num raio de 700 metros. Fermi calculou uma explosão de 20.000 toneladas
de TNT.
Começava, assim, a Era Nuclear.
Oppie, numa oportunidade, disse a Truman: “Senhor
Presidente, sinto que tenho sangue nas mãos”. Ao que Truman puxou um lenço e
disse-lhe: “Gostaria de limpá-las?”.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Oppenheimer e a bomba atômica”.
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