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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

VAI UMA BIRITA AÍ?




A primeira evidência de um humano produzindo uma bebida alcoólica data de 9 mil anos atrás. Foi em Henan, na China, por meio da análise de uma cerâmica. A bebida era fermentada de arroz, mel e frutas.

O mel e as frutas eram fermentados naturalmente, mas o arroz exigia um processo à parte. Inicialmente era mascado, de maneira à saliva agir quimicamente; depois, era cuspido de volta num jarro, até ser bebido – por meio de canudinho. A bebida final, embora de aparência e gosto duvidosos, possuía teor alcoólico acima de 10%.

Em lugares como Índia, China Coréia e Japão o arroz permaneceu como o principal ingrediente alcoólico – como o sake.

No oeste do Irã, nos anos 1960, após escavar uma colina, os arqueólogos acharam Godin Tepe, de 7 mil anos atrás. Em 1992, acharam-se vasilhas de argila de 3.500a.C. Nela foram achadas as evidências mais antigas de cerveja. Inclusive, dentre os escritos mais antigos da humanidade, encontra-se uma receita para se produzir cerveja.

Na língua suméria, cerveja é chamada de “pão líquido” e era encarada como alimento de trabalhadores mesopotâmios e egípcios. Tinha a aparência de um milk-shake, bebia-se de canudinho e havia 19 tipos diferentes: 8 de cevada, oito de trigo e três de grãos variados.

No entanto, na região do Mediterrâneo, a cerveja adquiriu má reputação por ser a bebida predileta das tribos germânicas. Estas, entretanto, tinham uma outra bebida alcoólica esta sim predileta: o hidromel. Essas duas eram o cocktail alcoólico dos vikings e anglo-saxões.

As tentativas de conversão propostas pela Igreja Católica tiveram de deixar a questão da cerveja e do hidromel de fora – eram inegociáveis. Até então, a Igreja aceitava apenas o vinho como parte da libação oficial. Afinal, Cristo transformara água em vinho. Porém, convenientemente, no século V, Santa Brígida de Kildare, irlandesa, transformou água em cerveja.

Faltou pouco para que os reis irlandeses medievais passassem até a distribuir cerveja na Páscoa. Mais um pouco e a própria Igreja passou a fabricante de cerveja.

A cerveja monástica é conhecida como “small beer”: fraca produzida na segunda ferveura da cevada. Na Idade Média chegava a ser mais segura do que água, esta sim bastante poluída pelo esgoto urbano. Mesmo abstêmios bebiam small beer. Os mosteiros permitiam até 5 litros de small beer por dia!
Foram os monges produtores que passaram a adicionar lúpulo à cerveja “ale”, produzindo assim a cerveja que conhecemos hoje.

Com o aumento da produção, surge a preocupação com a qualidade. Os egípcios usavam três códigos para identificar a qualidade do vinho. O vinho era encarado por eles como um presente do Deus Osíris. Já tinham o costume de anotar nas ânforas o ano de produção e a procedência.
Em Roma, o vinho “dos deuses” era o Falerno: era produzido por uvas colhidas no Monte Massico, durante a geada. O teor alcoólico era de 16%.

Os gregos antigos chamavam o vinho de “oinos” – raiz da palavra “wine”. Acreditavam que estimulava a criatividade humana. Era aconselhado para reis, guerreiros, poetas e filósofos. Mulheres, escravos e jovens eram proibidos de bebê-lo. Ma deveria-se sempre ter cautela com a quantidade consumida.

O fato de que pessoas alcoolizadas tendem a revelar com mais facilidade segredos ocultos deu origem ao aforismo romano: “In vino veritas”, “no vinho, está a verdade”.

Os gregos chamavam os que se sentiam mais atraídos pelo vinho de “philopotes” – que tinha, creiam, denotação positiva. As festas banhadas a vinho recebiam o nome de “symposia”.

A palavra álcool tem origem árabe: aL-hohl. Só passou a denotar bebida alcoólica a partir do século XVIII. Até então era ligada à alquimia, de cujas práticas e experimentos se originaram as bebidas destiladas. Embora os gregos antigos já destilassem bebida há mais de 2 mil anos, os árabes se iniciaram com o vinho. Batizaram o processo de “aqua ardens” – ou aguardente.

Após descobrirem que esse líquido também servia para preservar alimentos, a bebida passou a ser associada à quinta-essência, quinto elemento fundamental, ao lado da água, fogo, terra e ar.

Aliás, foi do aprendizado dos efeitos do álcool sobe o corpo que surgiu o conhaque. O médico espanhol do século XIIII Arnaldo de Vilanova foi o primeiro a destilar o vinho e transformá-lo em conhaque, batizando-o de aqua vitae, também. Essa bebida foi durante muito tempo a panaceia da Idade Média.

No final do século XV, a cevada de malte estava sendo destilada no que os irlandeses chamavam de “uisce beatha” – uísque. Espalhou-se para o norte da Escócia, onde foi batizado de whiskey no século XIX. O processo, no entanto, deu origem às bebidas da tradição local: os franceses produziram conhaque a partir da cidra e do vinho; os dinamarqueses usaram grãos aromatizados e temperos à aqua vitae; os holandeses produziam gim a partir da adição de bagas.

Já os piratas gostavam mesmo era de Rum. A responsável por essa bebida foi a indústria açucareira caribenha. Um subproduto da cana, o melaço foi objeto de experimentos por parte de senhores de engenho desejosos de aumentar sua receitas – o melaço era até então descartado. Ferviam o açúcar, adicionavam melaço, adicionavam água e, assim, produziam o “wash”. Usavam cinzas ou frutas para controlar a acidez. Aquecido o wash e condensado em aparelhos específicos, tinha-se o rum.

Apenas para ilustrar: em Barbados, era conhecido como mata-diabo; nessa ilha, o termo “rumbullion” passou a designar os tumultos decorrentes das bebedeiras de rum.

Nos anos 1680, os britânicos resolveram das demonstrações imperiosas de todo o amor que sentiam pelo conhaque. Simultaneamente, os maiores exportadores de conhaque estavam em guerra com a Grã Bretanha – França e Holanda. Para frear as vendas dos inimigos, incentivaram a produção do equivalente local: o gim.
Já em 1726, Londres contavam com 8.659 “casas de conhaque” – para uma população de 700 mil londrinos. A essas, somavam-se 5.975 cervejarias, que também vendiam vinho.

Por tudo isso, o gim era chamado de “Ruína da Mãe”. Entre 1749 e 1751 a população de Londres decaiu em 9 mil pessoas: resultado da negligência com os filhos pelos pais alcoolizados.

Em 1751, surgiu a Lei do Gim, que refreou bastante a causa e as consequências do consumo excessivo de gim. Apesar do quê, a culpa ficou restrita ao gim, não causando furor em relação às demais bebidas. Por exemplo, a obra “Beco do Gim”, de William Hogarth, apresentava duas ruas: uma rua da perdição, o Beco do Gim; ao lado de uma rua da virtude, a Rua da Cerveja.

De fato, a Lei do Gim foi uma proto-legislatura em torno do alccolismo, que passava a ser encarado com um problema em diversos países. Entre 1100 a.C. e 1400 d.C., a China proibiu a produção de vinho 41 vezes – todas tentativas mal sucedidas. Gengis Khan disse certa vez: “Um soldado não deve ficar bêbado mais de uma vez por semana. Seria melhor, evidentemente, que ele não ficasse bêbado nunca, mas não devemos esperar o impossível.” Vê-se que o famoso psicopata mongol era abstêmio, portanto membro de uma escola de genocidas antipáticos ao álcool, como Hitler.

Mas a lição ensinada pelos governantes do passado, quanto à impossibilidade prática de proibir o consumo de álcool pela população, não foi aprendida nos EUA. A cultura das bebidas alcoólicas era endêmica à América do Norte: cerveja, vinho, rum, cervaja Porter, uísque, vinho Madeira e conhaque eram largamente consumidos.

Ainda no século XIX, fazendeiros descobriram o lucro extra auferido pela venda do milho colhido em excesso para as destilarias de uísque. Em 1830, um americano médio consumia mais de 30 litros de bebida alcoólica por ano. Alguns chegavam aos 45 litros – ou uma garrafa de Jack Daniel`s por semana.

O turning point foi anunciado pela Sociedade Americana da Temperança, que criou uma ressaca moral no país. Na verdade, o movimento pela redução do consumo de álcool teve início na Europa, mas não conseguiu ir muito adiante no velho continente, ao contrário dos EUA. Neste, o famoso mata-diabo do Caribe virou o “rum do demônio, num linguajar mais bíblica. E a guerra pela abstinência passou a ser combatida de dentro do Congresso.

Em 1873, foi fundada a União Feminina da Temperança Cristã, cujo objetivo era garantir a proibição total do consumo de bebidas alcoólicas. Para essa União, o álcool eraum pecado moral aos olhos de Deus, da mesma forma que o tabaco, a prostituição, a pobreza urbana, o fanatismo anti-imigração e muitos outros.

Em 1895, ficou nacionalmente conhecida a Liga Contra os Bares. Também se fundou uma liga pseudo-científica, que criou propagandas que mais deseducavam o público do que o oposto. Outro grupo que se empenhou muito em proibir o álcool foram os ultra-cristãos da Ku Klux Klan – usavam seus convincentes métodos de violência, assassinatos, incendiavam bares, tudo em nome do fim do álcool.

A KKK foi bem sucedida nos estados do Sul, haja vista seus métodos serem amplamente aceitos nessas regiões. Contudo, nos grandes centros, nenhuma mudança significativa foi percebida. No entanto, uma mudança nos métodos do movimento encontrou a fórmula perfeita. Elegeram os bodes expiatórios causadores do alcoolismo na América: católicos, judeus e alemães. A I Guerra Mundial e o ódio que levantou contra os “beberrões alemães” alavancou o poder da Liga anti-álcool. Em 1917, 23 estados haviam banido o álcool.

Em 1918, a 18ª Emenda baniu o álcool de todo o país – exceto para fins medicinais.

Como consequência da medida desmedida, multiplicaram-se as destilarias clandestinas. Fabricavam o famoso “gim de banheira”, pois sua fermentação ocorria em residências, em banheiras ou com a água corrente dos chuveiros. Os lucros gerados incentivavam cada vez mais esses produtos ilícitos.

Interessante notar que a necessidade de escapar da polícia criou demanda por carros cada vez mais potentes, levando anos depois ao surgimento da Nascar. Além disso, chegaram a instalar plataformas em alto mar, de onde tonéis eram atirados e seguiam até um ponto do litoral pela maré, chamada de Linha do Rum. A nova lei também fez fortunas no Canadá, México e outros países a partir de onde se contrabandeavam bebidas alcoólicas.

As péssimas consequências da Lei Seca americana de maneira alguma poderiam ser classificadas como imprevisíveis. Abraham Lincoln já havia se envolvidos nos debates, quando declarou: “A proibição trará grandes danos para a causa da temperança. Ela própria é uma espécie de intemperança, pois vai além dos limites da razão na tentativa de controlar o apetite de um homem através da legislação, criando um crime a partir de coisas que não o são...”.

A Lei Seca foi revogada em 1933, quando Franklin Roosevelt declarou: “O que a América precisa agora é de uma bebida”.

Quantos aprendizados pode trazer esse episódio...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”.

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