A primeira evidência de um humano
produzindo uma bebida alcoólica data de 9 mil anos atrás. Foi em Henan, na
China, por meio da análise de uma cerâmica. A bebida era fermentada de arroz,
mel e frutas.
O mel e as frutas eram fermentados
naturalmente, mas o arroz exigia um processo à parte. Inicialmente era mascado,
de maneira à saliva agir quimicamente; depois, era cuspido de volta num jarro,
até ser bebido – por meio de canudinho. A bebida final, embora de aparência e
gosto duvidosos, possuía teor alcoólico acima de 10%.
Em lugares como Índia, China Coréia
e Japão o arroz permaneceu como o principal ingrediente alcoólico – como o sake.
No oeste do Irã, nos anos 1960,
após escavar uma colina, os arqueólogos acharam Godin Tepe, de 7 mil anos
atrás. Em 1992, acharam-se vasilhas de argila de 3.500a.C. Nela foram achadas
as evidências mais antigas de cerveja. Inclusive, dentre os escritos mais
antigos da humanidade, encontra-se uma receita para se produzir cerveja.
Na língua suméria, cerveja é
chamada de “pão líquido” e era encarada como alimento de trabalhadores
mesopotâmios e egípcios. Tinha a aparência de um milk-shake, bebia-se de
canudinho e havia 19 tipos diferentes: 8 de cevada, oito de trigo e três de
grãos variados.
No entanto, na região do
Mediterrâneo, a cerveja adquiriu má reputação por ser a bebida predileta das
tribos germânicas. Estas, entretanto, tinham uma outra bebida alcoólica esta
sim predileta: o hidromel. Essas duas eram o cocktail alcoólico dos vikings e
anglo-saxões.
As tentativas de conversão
propostas pela Igreja Católica tiveram de deixar a questão da cerveja e do
hidromel de fora – eram inegociáveis. Até então, a Igreja aceitava apenas o
vinho como parte da libação oficial. Afinal, Cristo transformara água em vinho.
Porém, convenientemente, no século V, Santa Brígida de Kildare, irlandesa,
transformou água em cerveja.
Faltou pouco para que os reis
irlandeses medievais passassem até a distribuir cerveja na Páscoa. Mais um
pouco e a própria Igreja passou a fabricante de cerveja.
A cerveja monástica é conhecida
como “small beer”: fraca produzida na segunda ferveura da cevada. Na Idade
Média chegava a ser mais segura do que água, esta sim bastante poluída pelo
esgoto urbano. Mesmo abstêmios bebiam small beer. Os mosteiros permitiam até 5
litros de small beer por dia!
Foram os monges produtores que
passaram a adicionar lúpulo à cerveja “ale”, produzindo assim a cerveja que
conhecemos hoje.
Com o aumento da produção, surge
a preocupação com a qualidade. Os egípcios usavam três códigos para identificar
a qualidade do vinho. O vinho era encarado por eles como um presente do Deus
Osíris. Já tinham o costume de anotar nas ânforas o ano de produção e a
procedência.
Em Roma, o vinho “dos deuses” era
o Falerno: era produzido por uvas colhidas no Monte Massico, durante a geada. O
teor alcoólico era de 16%.
Os gregos antigos chamavam o
vinho de “oinos” – raiz da palavra “wine”. Acreditavam que estimulava a
criatividade humana. Era aconselhado para reis, guerreiros, poetas e filósofos.
Mulheres, escravos e jovens eram proibidos de bebê-lo. Ma deveria-se sempre ter
cautela com a quantidade consumida.
O fato de que pessoas alcoolizadas
tendem a revelar com mais facilidade segredos ocultos deu origem ao aforismo
romano: “In vino veritas”, “no vinho, está a verdade”.
Os gregos chamavam os que se
sentiam mais atraídos pelo vinho de “philopotes” – que tinha, creiam, denotação
positiva. As festas banhadas a vinho recebiam o nome de “symposia”.
A palavra álcool tem origem
árabe: aL-hohl. Só passou a denotar bebida alcoólica a partir do século XVIII.
Até então era ligada à alquimia, de cujas práticas e experimentos se originaram
as bebidas destiladas. Embora os gregos antigos já destilassem bebida há mais
de 2 mil anos, os árabes se iniciaram com o vinho. Batizaram o processo de “aqua
ardens” – ou aguardente.
Após descobrirem que esse líquido
também servia para preservar alimentos, a bebida passou a ser associada à
quinta-essência, quinto elemento fundamental, ao lado da água, fogo, terra e
ar.
Aliás, foi do aprendizado dos
efeitos do álcool sobe o corpo que surgiu o conhaque. O médico espanhol do
século XIIII Arnaldo de Vilanova foi o primeiro a destilar o vinho e
transformá-lo em conhaque, batizando-o de aqua vitae, também. Essa bebida foi
durante muito tempo a panaceia da Idade Média.
No final do século XV, a cevada
de malte estava sendo destilada no que os irlandeses chamavam de “uisce beatha”
– uísque. Espalhou-se para o norte da Escócia, onde foi batizado de whiskey no
século XIX. O processo, no entanto, deu origem às bebidas da tradição local: os
franceses produziram conhaque a partir da cidra e do vinho; os dinamarqueses
usaram grãos aromatizados e temperos à aqua vitae; os holandeses produziam gim a
partir da adição de bagas.
Já os piratas gostavam mesmo era
de Rum. A responsável por essa bebida foi a indústria açucareira caribenha. Um
subproduto da cana, o melaço foi objeto de experimentos por parte de senhores
de engenho desejosos de aumentar sua receitas – o melaço era até então
descartado. Ferviam o açúcar, adicionavam melaço, adicionavam água e, assim,
produziam o “wash”. Usavam cinzas ou frutas para controlar a acidez. Aquecido o
wash e condensado em aparelhos específicos, tinha-se o rum.
Apenas para ilustrar: em
Barbados, era conhecido como mata-diabo; nessa ilha, o termo “rumbullion”
passou a designar os tumultos decorrentes das bebedeiras de rum.
Nos anos 1680, os britânicos
resolveram das demonstrações imperiosas de todo o amor que sentiam pelo
conhaque. Simultaneamente, os maiores exportadores de conhaque estavam em
guerra com a Grã Bretanha – França e Holanda. Para frear as vendas dos
inimigos, incentivaram a produção do equivalente local: o gim.
Já em 1726, Londres contavam com
8.659 “casas de conhaque” – para uma população de 700 mil londrinos. A essas,
somavam-se 5.975 cervejarias, que também vendiam vinho.
Por tudo isso, o gim era chamado
de “Ruína da Mãe”. Entre 1749 e 1751 a população de Londres decaiu em 9 mil
pessoas: resultado da negligência com os filhos pelos pais alcoolizados.
Em 1751, surgiu a Lei do Gim, que
refreou bastante a causa e as consequências do consumo excessivo de gim. Apesar
do quê, a culpa ficou restrita ao gim, não causando furor em relação às demais
bebidas. Por exemplo, a obra “Beco do Gim”, de William Hogarth, apresentava
duas ruas: uma rua da perdição, o Beco do Gim; ao lado de uma rua da virtude, a
Rua da Cerveja.
De fato, a Lei do Gim foi uma proto-legislatura
em torno do alccolismo, que passava a ser encarado com um problema em diversos
países. Entre 1100 a.C. e 1400 d.C., a China proibiu a produção de vinho 41
vezes – todas tentativas mal sucedidas. Gengis Khan disse certa vez: “Um
soldado não deve ficar bêbado mais de uma vez por semana. Seria melhor,
evidentemente, que ele não ficasse bêbado nunca, mas não devemos esperar o
impossível.” Vê-se que o famoso psicopata mongol era abstêmio, portanto membro
de uma escola de genocidas antipáticos ao álcool, como Hitler.
Mas a lição ensinada pelos
governantes do passado, quanto à impossibilidade prática de proibir o consumo
de álcool pela população, não foi aprendida nos EUA. A cultura das bebidas alcoólicas
era endêmica à América do Norte: cerveja, vinho, rum, cervaja Porter, uísque,
vinho Madeira e conhaque eram largamente consumidos.
Ainda no século XIX, fazendeiros
descobriram o lucro extra auferido pela venda do milho colhido em excesso para
as destilarias de uísque. Em 1830, um americano médio consumia mais de 30
litros de bebida alcoólica por ano. Alguns chegavam aos 45 litros – ou uma
garrafa de Jack Daniel`s por semana.
O turning point foi anunciado
pela Sociedade Americana da Temperança, que criou uma ressaca moral no país. Na
verdade, o movimento pela redução do consumo de álcool teve início na Europa,
mas não conseguiu ir muito adiante no velho continente, ao contrário dos EUA.
Neste, o famoso mata-diabo do Caribe virou o “rum do demônio, num linguajar
mais bíblica. E a guerra pela abstinência passou a ser combatida de dentro do
Congresso.
Em 1873, foi fundada a União
Feminina da Temperança Cristã, cujo objetivo era garantir a proibição total do
consumo de bebidas alcoólicas. Para essa União, o álcool eraum pecado moral aos
olhos de Deus, da mesma forma que o tabaco, a prostituição, a pobreza urbana, o
fanatismo anti-imigração e muitos outros.
Em 1895, ficou nacionalmente
conhecida a Liga Contra os Bares. Também se fundou uma liga pseudo-científica,
que criou propagandas que mais deseducavam o público do que o oposto. Outro
grupo que se empenhou muito em proibir o álcool foram os ultra-cristãos da Ku
Klux Klan – usavam seus convincentes métodos de violência, assassinatos, incendiavam
bares, tudo em nome do fim do álcool.
A KKK foi bem sucedida nos
estados do Sul, haja vista seus métodos serem amplamente aceitos nessas
regiões. Contudo, nos grandes centros, nenhuma mudança significativa foi
percebida. No entanto, uma mudança nos métodos do movimento encontrou a fórmula
perfeita. Elegeram os bodes expiatórios causadores do alcoolismo na América:
católicos, judeus e alemães. A I Guerra Mundial e o ódio que levantou contra os
“beberrões alemães” alavancou o poder da Liga anti-álcool. Em 1917, 23 estados
haviam banido o álcool.
Em 1918, a 18ª Emenda baniu o álcool
de todo o país – exceto para fins medicinais.
Como consequência da medida
desmedida, multiplicaram-se as destilarias clandestinas. Fabricavam o famoso “gim
de banheira”, pois sua fermentação ocorria em residências, em banheiras ou com
a água corrente dos chuveiros. Os lucros gerados incentivavam cada vez mais
esses produtos ilícitos.
Interessante notar que a
necessidade de escapar da polícia criou demanda por carros cada vez mais
potentes, levando anos depois ao surgimento da Nascar. Além disso, chegaram a
instalar plataformas em alto mar, de onde tonéis eram atirados e seguiam até um
ponto do litoral pela maré, chamada de Linha do Rum. A nova lei também fez
fortunas no Canadá, México e outros países a partir de onde se contrabandeavam
bebidas alcoólicas.
As péssimas consequências da Lei
Seca americana de maneira alguma poderiam ser classificadas como imprevisíveis.
Abraham Lincoln já havia se envolvidos nos debates, quando declarou: “A proibição
trará grandes danos para a causa da temperança. Ela própria é uma espécie de
intemperança, pois vai além dos limites da razão na tentativa de controlar o
apetite de um homem através da legislação, criando um crime a partir de coisas
que não o são...”.
A Lei Seca foi revogada em 1933,
quando Franklin Roosevelt declarou: “O que a América precisa agora é de uma
bebida”.
Quantos aprendizados pode trazer
esse episódio...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos
em um dia”.
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