Na opinião de alguns, foi o Roberto Carlos negro. Segundo
muitos, foi o maior cantor da história do Brasil.
Teve sua trajetória profissional, de ascensão meteórica,
abortada após seu envolvimento com o regime militar, então vigente.
Gravou um hino ao país, composto por Jorge Bem Jor, mas foi
recebido como um ufanista, num momento em que era de melhor tom odiar o solo
materno.
Ostentou orgulhosamente o produto de seu sucesso: cobertura
em Ipanema, três Mercedes na garagem, coleções de mulheres e apresentações
históricas.
Morreu pobre, deprimido, alcoólatra e completamente
esquecido. Quase que sem deixar rastros de sua existência pretérita.
Nascido no Rio Comprido em 1938, filho de uma cozinheira que
expulsou o marido cafajeste de casa, teve uma existência sofrida. Morou boa
parte da infância na Favela do Pinto, no Leblon.
Trabalha durante a adolescência como mensageiro da Western
Union e como auxiliar de trânsito, concomitantemente.
Na estréia da maioridade, inscreve-se no Exército. Torna-se
diretor da banda e já tendo seu talento reconhecido pelos companheiros de
farda, costuma fazer apresentações particulares na casa de seus superiores.
Depois, forma uma banda com amigos, os Dry Boys. Chega a se
apresentar em programas de televisão. O repertório é quase todo em inglês, de
modo que Simonal decorava a pronúncia das palavras, mesmo sem saber ler o
idioma.
Quando ganha confiança em seu talento, abandona a carreira
militar.
Aos 23 anos, torna-se crooner, mas mantém a participação nos
Dry Boys, já se apresentando à altura nos programas de TV comandados por Carlos
Imperial.
Mesmo extinto o grupo, Simonal continua cantando, agora se
apresentando na casa Drink, como elenco fixo da casa. Nessa época ele grava
duas faixas para o LP “Isto é Drink”, de 1962: “Tem que Balançar” e “Olhou para
mim”.
Apesar desses progressos, sob o ponto de vista financeiro,
Simonal continua pobre, bem pobre, aliás.
Contudo, a sorte grande lhe sorri! Cauby Peixoto, na época
um dos maiores cantores do país, cancelou uma apresentação na Rádio Nacional.
Wilson foi chamado às pressas para substituí-lo. O jovem aproveitou bem a
chance. Cantou “Stella by Starlight” e “Georgia on my Mind”.
Simonal foi contratado na hora!
Aos 24 anos, Simonal namora a loira Tereza Pugliesi, ex de
Carlos Imperial.
São tempos de racismo às claras e bastante violento. Tereza
era menor de idade na época, portanto não poderia entrar nas casas em que o
namorado se apresentava. Numa noite, Simonal conversava com Tereza na porta da
boate Drink – ela não podia entrar, o que o forçou a descer do camarim para
falar com ela. Naquele momento, passou uma viatura de polícia; deram uma dura
em Simona, pediram-lhe o documento. Ele não os tinha na hora mas se prontificou
a buscá-los no camarim... Não adiantou. Foi parar na delegacia.
Pouco tempo depois, Carlos Imperial conseguiu um teste na
Odeon. Simonal encantou a todos e ganhou um contrato de 5 anos. Saiu da Drink e
passou a se apresentar no Top Club.
Até então abstêmio, aprende a apreciar um bom “Cowboy” –
uísque sem gelo. Aquecia-lhe as cordas vocais... Essa bebida o acompanhará por
toda a vida, de maneira cada vez mais degradante.
Lança cinco compactos até o seu primeiro LP, de 1963, “Tem
algo mais”. Seu primeiro hit foi “Balanço zona sul”. Sua primeira providência
após os primeiros pagamentos e retirar sua mãe do emprego de cozinheira em casa
de família.
Uma breve história: mais à frente, em companhia de Miele e
no auge do sucesso, Simonal dirige seu Oldsmobile vermelho conversível até uma
sauna, no Leblon. Após a recepção gloriosa e tirar várias fotos com o
proprietário, Simona conta a Miele que sua mãe havia sido cozinheira naquele
imóvel, anos antes, quando era casa de uma família muito rica.
Naquela época, o “point” que reunia os melhores músicos e
cantores era o inconfundível Beco das Garrafas, em Copacabana.
Sua primeira apresentação no Beco foi a convite de Miele e
de Ronaldo Bôscoli. Como costumava fazer, hipnotiza o público.
Pelas mãos de Lennie Dale, bailarino norte-americano e
fundador do grupo Dzi Croquettes, aprende tudo sobre palco, dança e...
Conhaques.
Apresentando-se no Beco, ele desenvolveu o repertório para o
segundo LP, “A nova dimensão do samba”.
Nesse período nasceu Simoninha, primeiro filho do casamento
com Tereza. Vivem num quitinete em Botafogo.
Em janeiro de 1965, Simonal estreou um programa de TV na
Tupi: Spotlight. Seu tremendo sucesso alcança São Paulo. Muda-se com a família
para um apartamento amplo na Avenida Paulista.
Lança mais dois álbuns: “Wilson Simonal” e “Simbora”.
Atende a um convite da Record e se apresenta ao lado de Elis
Regina e de Jair Rodrigues no programa “O fino da Bossa”.
Faz mais uma série de participações em programas da Record,
até receber um para chamar de seu: “Show em Si... monal”.
Ainda em 1966, Simonal gravou um de seus maiores sucessos: “Meu
limão, meu limoeiro”, composta em 1937. Esta música ganharia versão em inglês:
Lemon Tree, de Will Hot.
Diante do sucesso, Simonal forma um grupo para acompanhá-lo:
o Som Três. Entre seus integrantes, estava o talentoso pianista César Camargo
Mariano, casado com Elis Regina.
No ano seguinte, outro hit arrasa-quarteirão: “Nem vem que
não tem”, letra de Carlos Imperial e arranjos de César Camargo.
Nesse momento, ele está no auge: milionário. Também recebe o
apelido o acompanharia para sempre: O rei da pilantragem.
Para seu show marcante “Mugnífico”, Simonal mostra uma outra
vertente de sua personalidade. Ele compôs “Tributo a Martin Luther King”,
extravasando uma sensibilidade política que o alinharia com representantes do
movimento negro dos EUA. Essa música foi vetada pela Censura inicialmente, mas
depois Simona conseguiu sua liberação.
No Festival da TV Record de 1967, Simona se apresenta com
simplesmente três músicas: “Balada do Vietnã”, “Belinha” e “O milagre”. Foi a
primeira vez que algo assim ocorreu.
Nesse ano, lançou “Alegria, alegria!!!”. Totalmente no
estilo que o marcou, a pilantragem.
Em seguida, Simonal lançou o show “Horário Nobre”. Nele, fez
apresentações antológicas: cantou Geoge Gershwin e Cole Porter sem acompanhamentos;
cantou Tributo a Martin Luther King logo
após a morte do líder dos diretios civis norte-americano; chega a ensaiar um
protesto contra a ditadura, após a agressão perpetrada contra atores do musical
Roda Viva.
Lançou mais um sucesso, “Sá Marina”.
No final de 1967, voou para a França. Fez shows na televisão
francesa e no espetacular Olympia de Paris.
Em dezembro, nasce a filha do casal, Patrícia Pugliesi de
Castro.
Conforme o regime militar se tornava mais restritivo e
violento, mais artistas eram perseguidos e, conseqüência lógica, mais artistas
assumiam posição crítica ao regime.
Simonal, por sua vez, excetuando-se Tributo a M.L.K., não
ostentava produção politicamente engajada. Para completar o quadro
desfavorável, Simona estréia o show “De Cabral a Simonal” – sem músicas de
protesto, todo dedicado à pilantragem. A crítica é torce o nariz.
Em 1969, Simonal fecha contrato com a multinacional Shell: 1
milhão de dólares para uma turnê com Sérgio Mendes. Sérgio está nos EUA, com
sua banda, fazendo um enorme sucesso. Volta ao Brasil em comemoração. O show do
Maracanãzinho é ao lado de Mutantes, Jorge Bem, Gal Costa, Marcos Valle e
outros.
Simonal é escalado logo antes da entrada da atração principal.
Simonal não economiza no repertório: escala seus maiores sucessos. O cara
arrasou, fez o espetáculo, a ponto de Sérgio Mendes e sua banda serem recebidos
debaixo de vaias.
Simonal era agora o garoto-propaganda da Shell. Seu contrato
é o mais polpudo dentre todos os artistas do país.
Vem a Copa de 1970, a Shell quer um grande nome para sua
campanha de marketing envolvendo a Seleção brasileira. A companhia contrata
Pelé e Simonal e leva o cantor para a concentração da Seleção no México.
Nesse país, além de realizar uma série de shows, institui a
Batucada da Sorte, antes de cada partida do esquete canarinho. Voltam tricampeões
e reconhecendo a importância de Simonal para a moral do grupo.
O retorno era tudo o que os artistas engajados mais
odiariam: enquanto cantores eram censurados e perseguidos, Simonal e Pelé mostravam
um “paraíso tropical”, bem sucedido e feliz. Quase um ufanismo em homenagem ao
regime cerceador cruel vigente em casa.
Com as “burras” cheias, Simonal abre sua empresa: Simonal
Produções Artísticas, com um sócio e um consultor artístico. Simonal mora agora
numa cobertura de luxo em Ipanema, de frente para o mar.
Simonal é convidado para mais um show empolgante: o Festival
Internacional da Canção, no Maracanãzinho. A platéia delira, a Rede Globo
transmite o show para o Brasil todo, uma emissora alemã retransmite para a Europa
toda. Estima-se em 100 milhões o número de espectadores.
Simonal é agora o maior vendedor de discos do Brasil. Desde
o início dos anos 1970, sua foto está nos posto da Shell e em discos, nos quais
“Brasil Tropical”, composta por Ben Jor, é a música mais executada das rádios.
É a personalidade mais famosa do Brasil de então.
Atingido este ápice, inicia-se a derrocada – aliás, como a
ascensão, igualmente meteórica. Num especo de um ano, a celebridade cercada de
asseclas e seguranças, fica sem banda – o Som Três, de César Camargo, dispersou-se
– e sem dinheiro: descobriu que a Simonal Produções Artísticas estava falida.
Não emplacava mais um sucesso e as dívidas levavam-no a ser visitado por
Oficiais de Justiça com cada vez mais freqüência.
O contador contratado às pressas, Rafael Viviani, levanta os
número para realizaro Balanço da empresa. Surpreende-se com a completa
desorganização das contas: gastos pessoais exagerados e descontrolados, montanhas
de empréstimos a amigos. Nem a cobertura havia sido paga. Simonal se desespera,
afasta os dois sócios e resolve administrar a empresa sozinho.
Lança ainda “Que cada um cumpra com o seu dever” e “Brasil,
eu fico”, esta última de Bem Jor. Ambas bastante ufanistas e que ajudaram a
arrasar sua imagem ainda mais. É ignorado pelo público e a imprensa começa a
explorar seus dramas pessoais.
Simonal perdeu o apartamento luxuoso e demitiu Viviani.
Este, inconformado, abriu uma ação trabalhista contra o antigo empregador.
Simonal ficou igualmente indignado com a atitude de Viviani. Porém, sem apelar
para as medidas legais, procurou amigos, militares e policiais, para fazer “justiça”.
Vão à casa do contador e o levam, dizendo-se a serviço de Simonal. Espancam
Viviani, primeiro na sede da Simonal Produções, depois na sede do DOPS, em São
Paulo.
Simonal havia acusado o contador de estar ligado aos
movimentos de esquerda, terroristas etc. Inicialmente ele é torturado na
esperança de achar alguma ligação dele com os “comunistas”. Depois, passam a
procurar alguma ligação dele com os desvios na empresa. Por fim, não sendo os
policiais bem sucedidos, arrancaram um termo de culpa assinado por Viviani,
após ameaçarem seqüestrar sua família.
Apesar de ter assinado o tal Termo, Viviani é salvo: sua
esposa já havia contatado um delegado, preocupada com seu sumiço há dias.
Quando chega em casa, o delegado o vê e percebe o verdadeiro ocorrido. Todos o
encorajam a prestar denúncia contra Simonal.
As manchetes agora associam Simonal a um caso de tortura. A
direção do DOPS também quer saber quem usou as suas instalações para praticar
tortura a pedido de um artista.
Ao ser chamado para depor, na chegada e para a imprensa, nega
qualquer envolvimento. Mas no depoimento, tendo sido informado de que estava
sob sigilo, confirma ser colaborador do regime e amigo dos policias do DOPS.
Porém, ao contrário do prometido, o depoimento vaza para a imprensa.
O jornal de esquerda “O Pasquim”, o mais lido do país
naqueles anos, inicia uma campanha monumental de desconstrução do ídolo. Uma
das charges dizia que, aplausos agora, só quando Simonal desse um tiro na cabeça.
O passado, quando vendia 600 mil discos, estava enterrado,
definitivamente. Para completar o cenário da tragédia, Tereza é internada com
escoriações, após uma discussão com Simonal. Tudo isso sai na imprensa.
Em 1974, saiu sua condenação: 5 anos e meio em Água Santa,
no Rio de Janeiro. Porém , em razão de um Habeas Corpus, cumpre o restante em
liberdade.
Mas, psicologicamente, sua pena seria perpétua.
Sua esposa sofria com suas crises psicológicas, as agressões
eram freqüentes, o consumo de álcool era contínuo, alem de “involuir” para
casos extraconjugais que tornavam o ambiente familiar ainda mais insustentável.
Seu quadro chega à depressão com muita rapidez.
Em 1985, fez um show no Leblon. Surpreendentemente, o
público compareceu. Simona aproveitou para fazer uso do microfone para se
defender: negou envolvimento com o regime; exigiu provas de sua ligação com a
ditadura e com o DOPS. Nessa noite cantou ainda “Faz parte do meu show”, recentemente
composta por Cazuza.
Nesse período bebia descontroladamente. Chegou a entornar
uma garrafa de uísque numa noite. Com a piora de seu alcoolismo, os médicos recomendam
que pare de beber imediatamente, mas não consegue. O fracasso o impede de permanecer sóbrio.
Com os excessos das bebedeiras, veio a perda da voz que o
distinguira. O Simonal dos anos 1990 está ainda mais deprimido e desesperançado.
Sua bebedeira agora começa assim que acorda. Som dinheiro
para o uísque, cai na cachaça e bebe nas ruas, botequins, na companhia de
qualquer popular.
Sua última apresentação ocorre no clube Memphis, em Moema.
Tenta tocar trompete, perde o fôlego e cai no palco.
Em 4 de abril, é internado com pressão alta. Após outra complicação,
o diagnóstico agora inclui cirrose hepática. Pressentindo o fim em breve, faz
uma última declaração a Tereza. Chega a receber um jornalista, repete as
histórias do julgamento que considerava injusto, mas sem acrescentar nada de
relevante.
Sua última visita foi Geraldo Vandré, símbolo do combate à
ditadura e perseguido político, compôs o inesquecível clássico “Pra não dizer
que não falei das flores”. Simonal encarou a ilustre visita como um perdão de
última hora.
Suas últimas palavras: a verdade vai aparecer. Depois disso
passa três dias em coma.
Morre aos 62 anos, de falência hepática.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A vida louca da
MPB”
Lamentável que Wilson Simonal tenha passado por tudo isso, ibfelismente, foi roubado dele o direito de defesa e de se erguer como cantor e compositor maravilhoso que era. Uma geração muito injusta e preconceituosa.
ResponderExcluirLamentável essa classe artistica não se unir para ajudar Simonal com talento épico. Muito triste...
ResponderExcluirInveja...
ExcluirTriste fim . Mais foi um fera . Um artista completo .
ResponderExcluirMuito triste tudo isso.
ResponderExcluirNa minha concepção,ele foi invejado demais e injustiçado.
Muitos são preconceituosos e não conseguem ver o sucesso de um negro.
Não foi apenas o racismo mas também o luxo, o desperdício, as más companhias de farra , o consumismo desenfreado. Esqueceu a origem de favelado e vaidoso acreditou que era rei e quando estava na miséria foi cruelmente pelos exploradores.Ele também tinha uma personalidade difícil .
ResponderExcluirOS GRANDES ERROS DELE FORAM:
ResponderExcluirFALTA DE HUMILDADE.
FALTA DE UM ADVOGADO, QUE O ACOMPANHASSE NAS AUDIÊNCIAS DO DOPS E EM OUTRAS.
FALTA DE UMA AUDITORIA NA EMPRESA!
Que isso sirva de exemplo, a vida é um circo, hoje vc está lá em cima e amanhã vc está lá embaixo , foi um excelente cantor , mais foi um covarde por tantas agressões na sua esposa
ResponderExcluirÁlcool, drogas, muitas mulheres a receita pra falência ou morte.
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