“Em 1970, Hafez Al-Assad, pai de
Bashar, chegou ao poder por meio de aliança com as Forças Armadas sírias, período
no qual ele estabeleceu uma rede de aliados Alawitas, pondo-os em postos-chave.
De fato, os militares, a elite governante, e a polícia secreta bastante
violenta estão tão entrelaçados que é impossível atualmente separar o governo de Assad do
establishment da segurança.
(...)
Em certa medida, a situação na
Síria é comparável à da forte minoria sunita de Sadam Hussein, que governava o
Iraque”.
O trecho acima é da revista
Foreign Policy, de 2011.
Quando Bashar Al-Assad nasceu em
11 de setembro de 1965, ele era o terceiro filho de Hafez, e nunca teve a
ambição de governar o país – assim como de se filiar às Forças Armadas ou ao
partido Ba`ath – na juventude. Seu sonho, na verdade, era ser oftalmologista,
especialidade em que se formou em Londres, na década de 1990. Segundo ele
mesmo, sua preferência se devia ao fato de quase não ter de lidar som sangue. Apesar
de todos conhecerem sua filiação na Síria, ficou marcado em Londres pela
humildade e estilo de vida austero.
Em janeiro de 1994, Basil, irmão de Bashar, preferido pelo
pai para assumir o poder, morreu em um acidente de carro na cidade de Damasco.
Hafez havia investido tempo e energia preparando-o para o poder, plano que
deveria ser alterado agora. Bashar era o filho mais velho sobrevivente, mais
educado e inteligente.
Assumiu o cargo com um discurso de senso de dever e
responsabilidade.
Como a Síria era, ao menos no papel, uma República, Bashar
deveria se aproximar dos centros de poder do país: o partido Ba`ath e os
militares. Após, deveria ser “escolhido” em eleição geral, ainda que
aparentemente fraudulenta.
Bashar foi alistado nas Forças Armadas, onde construiu
alianças importantes.
Outra estratégia de Bashar foi a escolha de sua esposa.
Asma, mulher de origem sunita, a um só tempo o aproximava dos sunitas como lhe
emprestava um ar secular. Ela tinha raízes ocidentais, era bela e elegante.
Um obstáculo inicial imposto a Bashar foi um plano de
assassinato elaborado pelo seu irmão exilado, Rifaat. O plano foi descoberto e
os envolvidos, mortos ou presos.
Em 10 de junho de 2000, Hafez faleceu de ataque cardíaco. Uma
semana depois, Bashar declarou suas juras de lealdade, para a presidência da
Síria, após vencer com 97% dos votos em eleição fraudulenta.
Apesar dessa constatação de fraude, muitos na Síria e em
outras partes viam-no com otimismo. Decorre tal esperança de sua idade,
formação educacional e aparência física. Somado à aparência ocidental de sua
esposa, fazia o mundo crer numa ocidentalização do país.
Bashar não preenchia o perfil de um déspota do Oriente
Médio. Não vestia uniforme militar repleto de medalhas que nunca ganhou, nem
fazia discursos anti-Israel ou anti-Ocidente.
Ao assumir o poder, Bashar anunciou seus planos: continuação
dos programas iniciados pelo seu pai; modernização da sociedade; mais abertura;
resolução dos problemas do país por meio de reflexão intelectual. Pretendia também diminuir a influência do partido
Ba`ath no governo.
Em suas palavras, a democracia na Síria teria suas próprias
particularidades: “A democracia é obrigatória, mas não devemos reproduzir a democracia dos outros. As
democracias ocidentais trilharam uma longa história, a qual produziu líderes e
tradições que criaram a atual cultura das sociedades democráticas. Nós, por
outro lado, devemos adaptar a democracia a nós mesmos, fundada na nossa história,
cultura e civilização e oriunda das necessidades de nossa sociedade e
realidade, na qual vivemos.”
A economia anêmica que Bashar herdou de seu pai foi, sem
dúvidas, um fator importante dos problemas que enfrentava, mas Assad também mantinha
muitas das políticas praticadas por seu pai em relação a dissidentes, fator que
levaria muitas pessoas em outros países a se oporem a seu governo.
Muitos sírios inicialmente acreditavam que Bashar era um legítimo
reformador, que lideraria seu país no caminho da democracia. Por isso, milhares
de sírios montaram “fóruns culturais”, grupos que se encontravam em lugares os
mais diversos com vistas a discutir os problemas do país.
O governo via-os como dissidentes ou inimigos. Ataques e “acidentes” misteriosos
tornaram-se frequentes. Chegaram a exigir que tais fóruns obtivessem uma
licença prévia, virtualmente impossível de ser obtida. Escritores dissidentes
foram presos.
Quando as demonstrações contra o governo se iniciaram, em
2011, elementos da linha-dura do governo, antes afastados por se oporem às
reformas, foram reempossados.
A Síria conta com aproximadamente 74% de muçulmanos sunitas.
Em geral, filiam-se à oposição. Em vista desse número, esforços foram feitos
para cooptar sunitas, via alistamento nas forças armadas, incentivos a se
ocuparem com atividades comerciais; portanto é inacurado dizer que Bashar não
conta com o apoio sunita – ao menos não totalmente. Essas atividades garantem
benefícios, como para a aquisição de imóvel próprio.
Contudo, em relação a minorias – étnicas ou religiosas -, a
situação é outra: em geral, apoiam Assad. Alawitas, Xiitas e cristãos sempre
apoiaram o regime. Um dos fatores de atração é o caráter secular do regime. De
qualquer forma, o islamismo protege os “povos do livro”, como os cristãos.
Turcos e curdos, por sua vez, sempre acusaram o regime de
discriminação oficial. Assad sempre temeu que os turcos teriam mais lealdade
pela Turquia que pela Síria. Há evidência de suporte turco a grupos na Síria.
No início dos conflitos, o Irã era um dos maiores apoiadores
de Assad. Para Teerã, a Síria faz parte do “Eixo de Resistência”, que se refere
a uma aliança liderada pelo Irã, contra ataques perpetrados por Israel ou pelo
Ocidente.
A Síria também se interessa por proteger-se de Israel em
razão de fatos não tão distantes no tempo: Israel ocupou e anexou parte das
Colinas de Golan, em 1967.
Por seu turno, Israel vê a Síria como conduíte de recursos
iranianos ao Hezbolah, principalmente libanês. Israel crê que o colapso da
Síria dificultará a vida do Hezbollah. Irã e Hezbollah oferecem apoio a Assad.
Ao tempo da Primavera Árabe, a Turquia buscava uma política
externa chamada “zero problemas com os vizinhos”. Desejavam boas relações com
os vizinhos e adotaram o papel de mediador em conflitos regionais. Tinham,
então, boas relações, essas duas nações.
Já a Rússia possui interesses diversos na Síria: militar,
econômico e estratégico. Esses interesses passam por manter Assad no poder. A
Rússia mantém uma base naval permanente em Tartus, única base russa no
Mediterrâneo. Sua manutenção é vital para os interesses russos.
Entre 2007 e 2011, 78% das armas sírias vieram da Rússia; em
2011, foram mais de 1 bilhão de dólares em vendas. Naquele ano, mais de 100 mil
russos viviam na Síria. Companhias russas declararam investimentos de 20
bilhões de dólares na Síria, a partir de 2009.
O famoso 11/09 – o ataque às torres gêmeas – foi realizado
no aniversário de 36 anos de idade de Bashar. Este pretendia usar o ódio
americano em benefício próprio, cooperando com a inteligência americana no
sentido de caçar a Al-Qaeda. Também havia o fator de que Bashar temia uma
insurgência islâmica na Síria, como aquela enfrentada por seu pai e
violentamente reprimida, 20 anos antes.
A relação Síria-Washington viveu momentos de paz, mas logo
mudou para as rusgas, após os EUA atacarem países vizinhos do Oriente Médio,
como o Iraque, em 2003. A economia síria sofreu. Desde 1997, quando a relação
entre Síria e Iraque se normalizou, os sírios recebiam petróleo barato em troca
de bens vindos da Síria.
O apoio de Assad a Hussein se manteve até a captura deste.
Isso irritou Bush e vários parlamentares americanos.
Apesar de tudo, Bashar se manteve no poder. Mais que isso:
foi reeleito para mais sete anos de mandato. Essas eleições foram fraudulentas?
Certamente. Mas...
Após anos de conflitos no Oriente Médio, longe de casa e
vendo compatriotas retornando à casa mortos, os americanos puseram o Capitólio
em mãos democráticas em 2006. Bush não mais contava com apoio para invadir quem
quer que fosse.
De qualquer maneira, Bush retirou seu embaixador de Damasco.
As acusações passavam por: apoio de Assad ao Hamas; apoia de Assad ao
Hezbollah; desestabilização da situação no Líbano.
O episódio seguinte ficou conhecido como Guerra do Líbano.
Milícias do sul do Líbano lançaram foguetes e Israel e conduziram invasões
através da fronteira. Israel revidou invadindo o sul do Líbano e a guerra se
estendeu por 2 meses.
Em seguida, Obama assume a Casa Branca com a necessidade de
mudar o cenário confuso do Oriente Médio. O plano da nova administração passava
por normalizar a relação com adversários locais e torná-los parceiros. Um novo
embaixador foi nomeado para a Síria. Foi quando a nova Secretária de Estado
Hillary Clinton declarou: “Há um líder diferente na Síria agora. Muitos dos
membros do Congresso de ambos os partidos que estiveram na Síria em meses
recentes disseram crer que se trata de um reformador.”
Continua!
Rubem L. de F. Auto
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