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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

GUERRA DA SÍRIA: O PASSO A PASSO DO CONFLITO – PARTE 1




“Em 1970, Hafez Al-Assad, pai de Bashar, chegou ao poder por meio de aliança com as Forças Armadas sírias, período no qual ele estabeleceu uma rede de aliados Alawitas, pondo-os em postos-chave. De fato, os militares, a elite governante, e a polícia secreta bastante violenta estão tão entrelaçados que é impossível  atualmente separar o governo de Assad do establishment da segurança.

(...)

Em certa medida, a situação na Síria é comparável à da forte minoria sunita de Sadam Hussein, que governava o Iraque”.

O trecho acima é da revista Foreign Policy, de 2011.

Quando Bashar Al-Assad nasceu em 11 de setembro de 1965, ele era o terceiro filho de Hafez, e nunca teve a ambição de governar o país – assim como de se filiar às Forças Armadas ou ao partido Ba`ath – na juventude. Seu sonho, na verdade, era ser oftalmologista, especialidade em que se formou em Londres, na década de 1990. Segundo ele mesmo, sua preferência se devia ao fato de quase não ter de lidar som sangue. Apesar de todos conhecerem sua filiação na Síria, ficou marcado em Londres pela humildade e estilo de vida austero.

Em janeiro de 1994, Basil, irmão de Bashar, preferido pelo pai para assumir o poder, morreu em um acidente de carro na cidade de Damasco. Hafez havia investido tempo e energia preparando-o para o poder, plano que deveria ser alterado agora. Bashar era o filho mais velho sobrevivente, mais educado e inteligente.

Assumiu o cargo com um discurso de senso de dever e responsabilidade.

Como a Síria era, ao menos no papel, uma República, Bashar deveria se aproximar dos centros de poder do país: o partido Ba`ath e os militares. Após, deveria ser “escolhido” em eleição geral, ainda que aparentemente fraudulenta.

Bashar foi alistado nas Forças Armadas, onde construiu alianças importantes.  

Outra estratégia de Bashar foi a escolha de sua esposa. Asma, mulher de origem sunita, a um só tempo o aproximava dos sunitas como lhe emprestava um ar secular. Ela tinha raízes ocidentais, era bela e elegante.
Um obstáculo inicial imposto a Bashar foi um plano de assassinato elaborado pelo seu irmão exilado, Rifaat. O plano foi descoberto e os envolvidos, mortos ou presos.

Em 10 de junho de 2000, Hafez faleceu de ataque cardíaco. Uma semana depois, Bashar declarou suas juras de lealdade, para a presidência da Síria, após vencer com 97% dos votos em eleição fraudulenta.
Apesar dessa constatação de fraude, muitos na Síria e em outras partes viam-no com otimismo. Decorre tal esperança de sua idade, formação educacional e aparência física. Somado à aparência ocidental de sua esposa, fazia o mundo crer numa ocidentalização do país.

Bashar não preenchia o perfil de um déspota do Oriente Médio. Não vestia uniforme militar repleto de medalhas que nunca ganhou, nem fazia discursos anti-Israel ou anti-Ocidente.

Ao assumir o poder, Bashar anunciou seus planos: continuação dos programas iniciados pelo seu pai; modernização da sociedade; mais abertura; resolução dos problemas do país por meio de reflexão intelectual.  Pretendia também diminuir a influência do partido Ba`ath no governo.

Em suas palavras, a democracia na Síria teria suas próprias particularidades: “A democracia é obrigatória, mas não devemos  reproduzir a democracia dos outros. As democracias ocidentais trilharam uma longa história, a qual produziu líderes e tradições que criaram a atual cultura das sociedades democráticas. Nós, por outro lado, devemos adaptar a democracia a nós mesmos, fundada na nossa história, cultura e civilização e oriunda das necessidades de nossa sociedade e realidade, na qual vivemos.”

A economia anêmica que Bashar herdou de seu pai foi, sem dúvidas, um fator importante dos problemas que enfrentava, mas Assad também mantinha muitas das políticas praticadas por seu pai em relação a dissidentes, fator que levaria muitas pessoas em outros países a se oporem a seu governo.

Muitos sírios inicialmente acreditavam que Bashar era um legítimo reformador, que lideraria seu país no caminho da democracia. Por isso, milhares de sírios montaram “fóruns culturais”, grupos que se encontravam em lugares os mais diversos com vistas a discutir os problemas do país.

O governo via-os como dissidentes  ou inimigos. Ataques e “acidentes” misteriosos tornaram-se frequentes. Chegaram a exigir que tais fóruns obtivessem uma licença prévia, virtualmente impossível de ser obtida. Escritores dissidentes foram presos.

Quando as demonstrações contra o governo se iniciaram, em 2011, elementos da linha-dura do governo, antes afastados por se oporem às reformas, foram reempossados.

A Síria conta com aproximadamente 74% de muçulmanos sunitas. Em geral, filiam-se à oposição. Em vista desse número, esforços foram feitos para cooptar sunitas, via alistamento nas forças armadas, incentivos a se ocuparem com atividades comerciais; portanto é inacurado dizer que Bashar não conta com o apoio sunita – ao menos não totalmente. Essas atividades garantem benefícios, como para a aquisição de imóvel próprio.

Contudo, em relação a minorias – étnicas ou religiosas -, a situação é outra: em geral, apoiam Assad. Alawitas, Xiitas e cristãos sempre apoiaram o regime. Um dos fatores de atração é o caráter secular do regime. De qualquer forma, o islamismo protege os “povos do livro”, como os cristãos.

Turcos e curdos, por sua vez, sempre acusaram o regime de discriminação oficial. Assad sempre temeu que os turcos teriam mais lealdade pela Turquia que pela Síria. Há evidência de suporte turco a grupos na Síria.
No início dos conflitos, o Irã era um dos maiores apoiadores de Assad. Para Teerã, a Síria faz parte do “Eixo de Resistência”, que se refere a uma aliança liderada pelo Irã, contra ataques perpetrados por Israel ou pelo Ocidente.

A Síria também se interessa por proteger-se de Israel em razão de fatos não tão distantes no tempo: Israel ocupou e anexou parte das Colinas de Golan, em 1967.

Por seu turno, Israel vê a Síria como conduíte de recursos iranianos ao Hezbolah, principalmente libanês. Israel crê que o colapso da Síria dificultará a vida do Hezbollah. Irã e Hezbollah oferecem apoio a Assad.
Ao tempo da Primavera Árabe, a Turquia buscava uma política externa chamada “zero problemas com os vizinhos”. Desejavam boas relações com os vizinhos e adotaram o papel de mediador em conflitos regionais. Tinham, então, boas relações, essas duas nações.

Já a Rússia possui interesses diversos na Síria: militar, econômico e estratégico. Esses interesses passam por manter Assad no poder. A Rússia mantém uma base naval permanente em Tartus, única base russa no Mediterrâneo. Sua manutenção é vital para os interesses russos.

Entre 2007 e 2011, 78% das armas sírias vieram da Rússia; em 2011, foram mais de 1 bilhão de dólares em vendas. Naquele ano, mais de 100 mil russos viviam na Síria. Companhias russas declararam investimentos de 20 bilhões de dólares na Síria, a partir de 2009.

O famoso 11/09 – o ataque às torres gêmeas – foi realizado no aniversário de 36 anos de idade de Bashar. Este pretendia usar o ódio americano em benefício próprio, cooperando com a inteligência americana no sentido de caçar a Al-Qaeda. Também havia o fator de que Bashar temia uma insurgência islâmica na Síria, como aquela enfrentada por seu pai e violentamente reprimida, 20 anos antes.

A relação Síria-Washington viveu momentos de paz, mas logo mudou para as rusgas, após os EUA atacarem países vizinhos do Oriente Médio, como o Iraque, em 2003. A economia síria sofreu. Desde 1997, quando a relação entre Síria e Iraque se normalizou, os sírios recebiam petróleo barato em troca de bens vindos da Síria.

O apoio de Assad a Hussein se manteve até a captura deste. Isso irritou Bush e vários parlamentares americanos.

Apesar de tudo, Bashar se manteve no poder. Mais que isso: foi reeleito para mais sete anos de mandato. Essas eleições foram fraudulentas? Certamente. Mas...

Após anos de conflitos no Oriente Médio, longe de casa e vendo compatriotas retornando à casa mortos, os americanos puseram o Capitólio em mãos democráticas em 2006. Bush não mais contava com apoio para invadir quem quer que fosse.

De qualquer maneira, Bush retirou seu embaixador de Damasco. As acusações passavam por: apoio de Assad ao Hamas; apoia de Assad ao Hezbollah; desestabilização da situação no Líbano.
O episódio seguinte ficou conhecido como Guerra do Líbano. Milícias do sul do Líbano lançaram foguetes e Israel e conduziram invasões através da fronteira. Israel revidou invadindo o sul do Líbano e a guerra se estendeu por 2 meses.

Em seguida, Obama assume a Casa Branca com a necessidade de mudar o cenário confuso do Oriente Médio. O plano da nova administração passava por normalizar a relação com adversários locais e torná-los parceiros. Um novo embaixador foi nomeado para a Síria. Foi quando a nova Secretária de Estado Hillary Clinton declarou: “Há um líder diferente na Síria agora. Muitos dos membros do Congresso de ambos os partidos que estiveram na Síria em meses recentes disseram crer que se trata de um reformador.”

Continua!


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “The Syrian Civil War: The History of the 21th Century Deadliest Conflict”

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