Poucas instituições representam
tão bem os tempos modernos como as Universidades, centro de produção
científica, capaz de impulsionar economias e criar colossos corporativos, a
partir de descobertas e invenções ocorridas em seu interior. Mas, como elas
surgiram?
Assim como as catedrais e os
parlamentos, as universidades são produto da Idade Média.
Os gregos e os romanos, não
tinham universidades, na acepção moderna do termo. Tinham educação superior,
mas não universidades. Se, por um lado, possuíam instrução avançadíssima em
retórica, filosofia e direito, tais matérias não eram ensinadas em instituições
permanentes de ensino superior.
Sócrates não emitia diplomas ao
fim de suas aulas. Apenas nos séculos XII e XIII surgem algumas características
que poderíamos identificar nas universidades atuais, como faculdades, colégios,
cursos, exames, formaturas e graus acadêmicos.
Contudo, a universidade medieval
ainda não contava com bibliotecas, laboratórios ou museus. Nas palavras de Pasquier,
a universidade medieval era “bâtie en hommes” – feita de homens. Era
fundamentalmente uma associação de estudantes.
Apesar dessas diferenças, a
universidade atual é descendente direta das universidades medievais,
especificamente Bolonha e Paris.
A criação dessas universidades
foi resultado de um renascimento cultural, contudo não foi aquele famosos
renascimentos dos séculos XIV e XV. Trata-se de um fenômeno do séculos XII.
Até então o ensino girava em
torno das sete artes liberais da Alta Idade Média: gramática, retórica e
lógica, além de noções básicas de matemática, astronomia, geometria e música. O
currículo acadêmico era composto dessas matérias. Portanto não havia demanda
para a criação de universidades.
Gramática, retórica e lógica
compunham o chamado Trivium. As demais compunham o Quadrivium.
Entre 1.100 e 1.200 houve um
afluxo de novos conhecimentos para a Europa Ocidental, vindos especialmente da
Itália e Sicília, transmitidos por eruditos árabes da Espanha. Esse novo
conhecimento era, na verdade, a redescoberta das obras de Aristóteles,
Euclides, Ptolomeu e dos médicos gregos. Traziam ainda a aritmética e o direito
romano, esquecidos durante a Idade
Média.
Após a redescoberta do direito e
da medicina antigos transbordou as paredes das escolas catedrais e dos monastérios
e deram origem às faculdades superiores de teologia, direito e medicina.
Atraíam alunos de toda parte.
Ao se unirem, criaram corporações
acadêmicas, embrionárias da universidade, ou seja, sociedades de mestres e
estudantes.
Uma exceção na história da
universidade é a universidade de medicina de Salerno. Foi regulada por ato de
Frederico II, em 1231.
Bolonha era uma instituição
multiforme, reconhecida como centro de reflorescimento do direito romano. Este
direito quase desapareceu da Europa após as invasões germânicas, quando as
normas germânicas se sobrepuseram às anteriores.
No entanto, o direito romano
continuou sendo a norma consuetudinária da população. Este direito foi tornado
popular por meio dos grandes livros jurídicos de Justiniano. A grande obra
jurídica “Digesto”, parte de um compêndio ainda maior chamado “Corpus juris
civilis”, sobreviveu apenas em dois manuscritos.
Os estudos jurídicos sobreviveram
integral mente à Idade Média apenas no que se referia à elaboração de
documentos, aplicação escrita da retórica.
A renovação e a modernização do
direito se tornou premente no século XI, com a renovação do comércio e da vida
nas cidades.
Alguns professores atingiram um
patamar superior no ensino. O professor Pepo era reconhecido como “a luz
brilhante e resplandecente de Bolonha”. Inércio ainda é reconhecido como o
maior professor de direito da Idade Média. Deu nascimento ao estudo
profissional do direito ao começar a glosar os textos dos manuais como todo o
Corpus Juris. Terminava assim a simples retórica jurídica.
Um monge chamado Graciano, por
volta de 1140, redigiu o Decretum – texto que deu origem ao direito canônico, o
separando da teologia.
A quantidade significativa de
estudantes que acorriam à universidade de Bolonha justificou um decreto do
imperador Frederico Barba Ruiva outorgando direitos e privilégios à classe
nascente, em 1158.
A universidade nascia da
organização desses estudantes, em busca de segurança e diretos. Seguiram o
padrão de organização das guildas de comerciantes, muito comuns à época. Quando
passou a contar com associações para estudantes e mestres, distintas , porém
com uma finalidade comum, passou a ser chamada de “universitas societas
magistrorum discipulorunque”, origem da instituição Universidade.
Os estudantes rapidamente
perceberam o poder que teriam, caso se unissem. Podiam impor condições à cidade
de Bolonha, sob a ameaça de partirem juntos, levando consigo os recuros que
movimentavam a economia local. Assim, mantinham sob certo controle os preços de
aluguéis de residências e de livros.
A associação de estudantes também
agia contra os professores, se fosse de seu interesse fazê-lo. Criaram um
minucioso conjunto de regulamentos, de modo a fazer valer seus gastos com a
educação. O primeiro estatuto data de 1317. Impunha que nenhum professor
poderia se ausentar de Bolonha sem a autorização dos alunos – caso autorizado,
deveria efetuar um depósito, como garantia de que não abandonaria as aulas pela
metade. Se suas aulas tivessem menos de cinco alunos inscrito, seria multado
como ausente – sinal de que suas aulas eram muito ruins. As aulas deveriam se
iniciar ao toque de um sino e terminar um minuto após o toque seguinte. Não era
permitido pular capítulos.
Para exibir tal força, a associação
de estudantes era dividida em nações e a instituição era administrada por um
reitor.
Os professores, por sua vez,
também de organizaram em guildas, a que chamavam colégios. Sua primeira
preocupação era garantir a qualidade dos profissionais professores. Para serem
admitidos, havia testes de competências específicas, por meio de exames. Tais
exames partiam do pressuposto de que quem domina certo assunto é capaz de
ensiná-lo. Portanto o estudante preocupado com sua reputação buscava um
certificado, a “licentia docendi”, que poderia ser conquistado por estudantes
de qualquer carreira, caso administrasse uma boa aula. Foi o primeiro grau
acadêmico das universidades. É a origem dos títulos de mestre e doutor.
Um Mestre em Artes era
qualificado em artes liberais. Um Doutor em Direito era professor de direito
certificado.
Bolonha era principalmente uma
escola de direito civil. Balizou o desenvolvimento das universidades da Itália,
Espanha e sul da França.
As Universidades de Montpellier e
de Orleans passaram a competir com Bolonha. Frederico II fundou a Universidade
de Nápoles em 1224. A Universidade de Pádua data de 1222, a partir de uma cisão
de Bolonha.
As universidades do norte da
Europa surgem a partir de Paris, mais especificamente: escola catedral de Notre
Dame. Tanto na França como nos Países Baixos o conhecimento começou a se
libertar quando os livros saíram dos monastérios e foram para as escolas
catedrais, como Liège, Reims, Laon, Paris, Orleans e Chartre.
Esta última foi superada por Paris.
Um dos motivos foi a qualidade dos professores, como Abelardo, radial e
questionador, atraindo muitos alunos.
Ao contrário de Bolonha, a
Universidade de Paris nasceu como uma associação de mestres. Em 1231 já era uma
corporação com quatro faculdades: artes, direito canônico, medicina e teologia.
Cada uma supervisionada por um decano. Os mestres em artes eram organizados em
nações, que escolhiam um reitor.
Entre as simples guildas e as
universidades estabelecidas, existiram os colégios (no estilo college). A
própria Sorbonne nasceu como o Collège de La Sorbonne, fundado como um local
para receber teólogos. Em 1180, havia um colégio em Paris. Em 1500, eram 68.
Paris era modelo de estrutura e
funcionamento para todas as demais.
Até que a Idade Média terminasse,
foram fundadas mais de 80 universidades na Europa.
A glória da universidade medieval
foi a consagração do conhecimento. Foi a escola do espírito moderno.
Os materiais de ensino era poucos
e simples. Destacavam-se as gramáticas latinas de Donato e Prisciano, os
manuais de lógica de Boécio, seus textos sobre aritmética e música, um manual
de retórica, proposições básicas de geometria e a astronomia básica do
Venerável Beda. Eram o necessário para o currículo de artes. A esse esboço
foram acrescentados livros de astronomia de Ptolomeu, as obras de Euclides e a
lógica de Aristóteles. Estimulou-se a leitura de clássicos latinos na
disciplina de gramática.
No caso da Universidade de Paris,
seu estatuto de 1215 exigia um esforço extra em lógica: deveriam ser ensinados
todos os escritos de Aristóteles sobre lógica. Já em 1254 observa-se o ensino
de obras como Ética, Metafísica e tratados sobre ciência natural, anteriormente
proibidos aos estudantes.
O ensino de gramática era bem
restrito, o que não ocorreu com a retórica. A arte de elaborar documentos bem
escritos era valorizada, ensinada em escolas e chancelarias, praticada pelos
escribas, representavam o poder na era medieval. Os instrutores em retórica
eram chamados de Dictatores e se deslocavam incessantemente, ensinando técnicas
apropriadas ao clero, monges, e leigos que se interessassem, como notários e
secretários.
O curso de artes era basicamente
um curso de lógica e filosofia, além da ciência natural escolástica de
Aristóteles sobre a natureza.
O curso de artes durava seis
anos, até o grau de mestre. O bacharelado era conquistado um pouco antes. A
graduação em artes era exigida para o estudo profissional – advogados ou
médicos.
O curso de teologia sempre gozou
de respeitabilidade acima das demais. Porém a gradualção nessa matéria somente
passou a ser exigida de sacerdotes após a Contra-Reforma. Os requisitos de
admissão eram elevados e os livros – Bíblia completa e comentada e sentenças de
Pedro Lombardo - eram bastante caros.
A medicina se baseava nos
livros-textos de Galeano e Hipócrates, além de Avicena, após o século XIII.
O curso de direito se baseava no
Corpus juris civilis, de Justiniano. O principal livro, Digesto, de onde
surgiram os civilistas medievais.
O direito civil e o direito canônico
eram distintos, mas ligados. Graduar-se em ambas rendia o título de Doctor
utriusque júris. O direito canônico era, inicialmente, menos valorizado que a
teologia. O cenário mudou quando a organização da Igreja passou a exigir
profissionais como advogados. Os canonistas passaram a contar com grandes
chances de crescimento profissional.
O direito canônico contava como
livro texto o Decretum, de Graciano. Acrescentavam-se as sentenças e decretos
papais. Gregório IX distribuiu uma grande coleção às universidades, em 1234.
Como os livros eram muito caros,
desenvolveu-se um mecanismo de aluguéis de livros, em geral a preço fixo.
Aliás, a venda era muito restrita, pois temia-se a saída de livros das cidades.
Supervisores e revisores eram
contratados, pois as cópias eram manuais. Eles examinavam todos os livros
postos à venda, nas cidades.
Supriu-se o mercado de materiais
didáticos, em Bolonha, ao se exigir que cada professor entregasse uma cópia do
seu material usado no curso.
Com o aumento do material escolar
e o nascimento do mercado editorial nas universidades, além de diversas doações
de livros, nasceram as bibliotecas. Em 1338, a principal biblioteca de Paris
era a da Sorbonne, com 1722 volumes catalogados.
As universidades eram locais em
que se desejava achar, descobrir a verdade, algo que, em geral, é contraposto à
fé. Evidentemente a fé era o que guiava o ensino da Idade Média. Temia-se uma
confiança ilimitada na razão. Um exemplo foi Étienne de Tournay: após
demonstrar brilhantemente a doutrina da Santísssima Trindade, Étienne declarou
ser capaz de desconstruí-la com a mesma facilidade com que a criara.
O medo da Igreja medieval com
relação à inteligência e à capacidade de usácriar heresias era tamanho que
justificou a criação dos Tribunais de Inquisição.
Apesar desses obstáculos, os
professores contavam com certa liberdade para ensinar. Nenhum professor foi
condenado por pregar o livre comércio, a livre cunhagem de moedas, o
socialismo... Também não consta que tenha havido censura de livros no século
XVI.
O ensino de filosofia era livre,
desde que não adentrasse no campo da teologia. Mas esse cuidado é quase
impossível, haja vista a vocação natural da filosofia. O embate entre teologia
e filosofia se iniciou quando o professor Abelardo tentou aplicar o método de
investigação lógica à teologia. Essa tendência inaugurada por Abelardo foi
seguida por outros, dando à luz a Nova Lógica, seguida pela Metafísica. Durante
todo esse período, Aristóteles era ensinado e estudado em Paris, e seu método foi
utilizado por São Tomás de Aquino para construir o sistema de teologia
escolástica.
A escolástica medieval era plural
em termos de linhas de pensamento. Os debates entre as diferentes escolas e
matizes de opinião eram tão intensos quanto na Grécia clássica. Por exemplo, os
debates acerca de conceitos universais, dando nascimentos aos nominalistas e
realistas. Esse debate foi essencial para a Reforma, assim como nos embates
sobre o papel do Estado: a natureza da instituição é universal ou real? Milhões
morreram sem consciência do papel conceito filosófico que os movia.
Os regulamentos das universidades
e dos colégios tratavam dos alunos também, estipulando multas e proibições.
Assuntos como conversas, cabelos, becas etc. eram disciplinados neles. O
regulamento de Leipzig proibia arremessar objetos contra professores.
Interessante observar o que
alguns professores pensavam sobre os alunos. “O coração dos estudantes está no
lodo, atrelado às prebendas, às coisas temporais e à satisfação dos desejos”,
declarou um deles. “São tão litigiosos e briguentos que não há paz com eles por
perto...” afirmou outro.
Também podemos trazer a lume o
que os professores pensavam que seria o “bom estudante”. A esse respeito,
escreveu Hastings Rashdall: “A vida do estudante virtuoso não está registrada
nos anais.” Mas os sermões ajudam a descrevê-lo: é, apesar de um pouco
inexpressivo, obediente, respeitoso, ávido por aprender, aplicado nas aulas e
corajoso no debate, ele pondera as suas lições até mesmo durante o seu passeio
noturno ao lado do rio.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A ascensão das
universidades”
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