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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A HISTÓRIA DAS UNIVERSIDADES


Poucas instituições representam tão bem os tempos modernos como as Universidades, centro de produção científica, capaz de impulsionar economias e criar colossos corporativos, a partir de descobertas e invenções ocorridas em seu interior. Mas, como elas surgiram?

Assim como as catedrais e os parlamentos, as universidades são produto da Idade Média.

Os gregos e os romanos, não tinham universidades, na acepção moderna do termo. Tinham educação superior, mas não universidades. Se, por um lado, possuíam instrução avançadíssima em retórica, filosofia e direito, tais matérias não eram ensinadas em instituições permanentes de ensino superior.

Sócrates não emitia diplomas ao fim de suas aulas. Apenas nos séculos XII e XIII surgem algumas características que poderíamos identificar nas universidades atuais, como faculdades, colégios, cursos, exames, formaturas e graus acadêmicos.

Contudo, a universidade medieval ainda não contava com bibliotecas, laboratórios ou museus. Nas palavras de Pasquier, a universidade medieval era “bâtie en hommes” – feita de homens. Era fundamentalmente uma associação de estudantes.

Apesar dessas diferenças, a universidade atual é descendente direta das universidades medievais, especificamente Bolonha e Paris.

A criação dessas universidades foi resultado de um renascimento cultural, contudo não foi aquele famosos renascimentos dos séculos XIV e XV. Trata-se de um fenômeno do séculos XII.

Até então o ensino girava em torno das sete artes liberais da Alta Idade Média: gramática, retórica e lógica, além de noções básicas de matemática, astronomia, geometria e música. O currículo acadêmico era composto dessas matérias. Portanto não havia demanda para a criação de universidades.

Gramática, retórica e lógica compunham o chamado Trivium. As demais compunham o Quadrivium.

Entre 1.100 e 1.200 houve um afluxo de novos conhecimentos para a Europa Ocidental, vindos especialmente da Itália e Sicília, transmitidos por eruditos árabes da Espanha. Esse novo conhecimento era, na verdade, a redescoberta das obras de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu e dos médicos gregos. Traziam ainda a aritmética e o direito romano, esquecidos durante  a Idade Média.

Após a redescoberta do direito e da medicina antigos transbordou as paredes das escolas catedrais e dos monastérios e deram origem às faculdades superiores de teologia, direito e medicina. Atraíam alunos de toda parte.

Ao se unirem, criaram corporações acadêmicas, embrionárias da universidade, ou seja, sociedades de mestres e estudantes.

Uma exceção na história da universidade é a universidade de medicina de Salerno. Foi regulada por ato de Frederico II, em 1231.

Bolonha era uma instituição multiforme, reconhecida como centro de reflorescimento do direito romano. Este direito quase desapareceu da Europa após as invasões germânicas, quando as normas germânicas se sobrepuseram às anteriores.

No entanto, o direito romano continuou sendo a norma consuetudinária da população. Este direito foi tornado popular por meio dos grandes livros jurídicos de Justiniano. A grande obra jurídica “Digesto”, parte de um compêndio ainda maior chamado “Corpus juris civilis”, sobreviveu apenas em dois manuscritos.
Os estudos jurídicos sobreviveram integral mente à Idade Média apenas no que se referia à elaboração de documentos, aplicação escrita da retórica.

A renovação e a modernização do direito se tornou premente no século XI, com a renovação do comércio e da vida nas cidades.

Alguns professores atingiram um patamar superior no ensino. O professor Pepo era reconhecido como “a luz brilhante e resplandecente de Bolonha”. Inércio ainda é reconhecido como o maior professor de direito da Idade Média. Deu nascimento ao estudo profissional do direito ao começar a glosar os textos dos manuais como todo o Corpus Juris. Terminava assim a simples retórica jurídica.

Um monge chamado Graciano, por volta de 1140, redigiu o Decretum – texto que deu origem ao direito canônico, o separando da teologia.

A quantidade significativa de estudantes que acorriam à universidade de Bolonha justificou um decreto do imperador Frederico Barba Ruiva outorgando direitos e privilégios à classe nascente, em 1158.

A universidade nascia da organização desses estudantes, em busca de segurança e diretos. Seguiram o padrão de organização das guildas de comerciantes, muito comuns à época. Quando passou a contar com associações para estudantes e mestres, distintas , porém com uma finalidade comum, passou a ser chamada de “universitas societas magistrorum discipulorunque”, origem da instituição Universidade. 

Os estudantes rapidamente perceberam o poder que teriam, caso se unissem. Podiam impor condições à cidade de Bolonha, sob a ameaça de partirem juntos, levando consigo os recuros que movimentavam a economia local. Assim, mantinham sob certo controle os preços de aluguéis de residências e de livros.

A associação de estudantes também agia contra os professores, se fosse de seu interesse fazê-lo. Criaram um minucioso conjunto de regulamentos, de modo a fazer valer seus gastos com a educação. O primeiro estatuto data de 1317. Impunha que nenhum professor poderia se ausentar de Bolonha sem a autorização dos alunos – caso autorizado, deveria efetuar um depósito, como garantia de que não abandonaria as aulas pela metade. Se suas aulas tivessem menos de cinco alunos inscrito, seria multado como ausente – sinal de que suas aulas eram muito ruins. As aulas deveriam se iniciar ao toque de um sino e terminar um minuto após o toque seguinte. Não era permitido pular capítulos.

Para exibir tal força, a associação de estudantes era dividida em nações e a instituição era administrada por um reitor.

Os professores, por sua vez, também de organizaram em guildas, a que chamavam colégios. Sua primeira preocupação era garantir a qualidade dos profissionais professores. Para serem admitidos, havia testes de competências específicas, por meio de exames. Tais exames partiam do pressuposto de que quem domina certo assunto é capaz de ensiná-lo. Portanto o estudante preocupado com sua reputação buscava um certificado, a “licentia docendi”, que poderia ser conquistado por estudantes de qualquer carreira, caso administrasse uma boa aula. Foi o primeiro grau acadêmico das universidades. É a origem dos títulos de mestre e doutor.

Um Mestre em Artes era qualificado em artes liberais. Um Doutor em Direito era professor de direito certificado.

Bolonha era principalmente uma escola de direito civil. Balizou o desenvolvimento das universidades da Itália, Espanha e sul da França.

As Universidades de Montpellier e de Orleans passaram a competir com Bolonha. Frederico II fundou a Universidade de Nápoles em 1224. A Universidade de Pádua data de 1222, a partir de uma cisão de Bolonha.

As universidades do norte da Europa surgem a partir de Paris, mais especificamente: escola catedral de Notre Dame. Tanto na França como nos Países Baixos o conhecimento começou a se libertar quando os livros saíram dos monastérios e foram para as escolas catedrais, como Liège, Reims, Laon, Paris, Orleans e Chartre.

Esta última foi superada por Paris. Um dos motivos foi a qualidade dos professores, como Abelardo, radial e questionador, atraindo muitos alunos.

Ao contrário de Bolonha, a Universidade de Paris nasceu como uma associação de mestres. Em 1231 já era uma corporação com quatro faculdades: artes, direito canônico, medicina e teologia. Cada uma supervisionada por um decano. Os mestres em artes eram organizados em nações, que escolhiam um reitor.
Entre as simples guildas e as universidades estabelecidas, existiram os colégios (no estilo college). A própria Sorbonne nasceu como o Collège de La Sorbonne, fundado como um local para receber teólogos. Em 1180, havia um colégio em Paris. Em 1500, eram 68.

Paris era modelo de estrutura e funcionamento para todas as demais.

Até que a Idade Média terminasse, foram fundadas mais de 80 universidades na Europa.

A glória da universidade medieval foi a consagração do conhecimento. Foi a escola do espírito moderno.

Os materiais de ensino era poucos e simples. Destacavam-se as gramáticas latinas de Donato e Prisciano, os manuais de lógica de Boécio, seus textos sobre aritmética e música, um manual de retórica, proposições básicas de geometria e a astronomia básica do Venerável Beda. Eram o necessário para o currículo de artes. A esse esboço foram acrescentados livros de astronomia de Ptolomeu, as obras de Euclides e a lógica de Aristóteles. Estimulou-se a leitura de clássicos latinos na disciplina de gramática.

No caso da Universidade de Paris, seu estatuto de 1215 exigia um esforço extra em lógica: deveriam ser ensinados todos os escritos de Aristóteles sobre lógica. Já em 1254 observa-se o ensino de obras como Ética, Metafísica e tratados sobre ciência natural, anteriormente proibidos aos estudantes.

O ensino de gramática era bem restrito, o que não ocorreu com a retórica. A arte de elaborar documentos bem escritos era valorizada, ensinada em escolas e chancelarias, praticada pelos escribas, representavam o poder na era medieval. Os instrutores em retórica eram chamados de Dictatores e se deslocavam incessantemente, ensinando técnicas apropriadas ao clero, monges, e leigos que se interessassem, como notários e secretários.

O curso de artes era basicamente um curso de lógica e filosofia, além da ciência natural escolástica de Aristóteles sobre a natureza.

O curso de artes durava seis anos, até o grau de mestre. O bacharelado era conquistado um pouco antes. A graduação em artes era exigida para o estudo profissional – advogados ou médicos.

O curso de teologia sempre gozou de respeitabilidade acima das demais. Porém a gradualção nessa matéria somente passou a ser exigida de sacerdotes após a Contra-Reforma. Os requisitos de admissão eram elevados e os livros – Bíblia completa e comentada e sentenças de Pedro Lombardo - eram bastante caros.

A medicina se baseava nos livros-textos de Galeano e Hipócrates, além de Avicena, após o século XIII.

O curso de direito se baseava no Corpus juris civilis, de Justiniano. O principal livro, Digesto, de onde surgiram os civilistas medievais.  

O direito civil e o direito canônico eram distintos, mas ligados. Graduar-se em ambas rendia o título de Doctor utriusque júris. O direito canônico era, inicialmente, menos valorizado que a teologia. O cenário mudou quando a organização da Igreja passou a exigir profissionais como advogados. Os canonistas passaram a contar com grandes chances de crescimento profissional.

O direito canônico contava como livro texto o Decretum, de Graciano. Acrescentavam-se as sentenças e decretos papais. Gregório IX distribuiu uma grande coleção às universidades, em 1234.

Como os livros eram muito caros, desenvolveu-se um mecanismo de aluguéis de livros, em geral a preço fixo. Aliás, a venda era muito restrita, pois temia-se a saída de livros das cidades.

Supervisores e revisores eram contratados, pois as cópias eram manuais. Eles examinavam todos os livros postos à venda, nas cidades.

Supriu-se o mercado de materiais didáticos, em Bolonha, ao se exigir que cada professor entregasse uma cópia do seu material usado no curso.

Com o aumento do material escolar e o nascimento do mercado editorial nas universidades, além de diversas doações de livros, nasceram as bibliotecas. Em 1338, a principal biblioteca de Paris era a da Sorbonne, com 1722 volumes catalogados.

As universidades eram locais em que se desejava achar, descobrir a verdade, algo que, em geral, é contraposto à fé. Evidentemente a fé era o que guiava o ensino da Idade Média. Temia-se uma confiança ilimitada na razão. Um exemplo foi Étienne de Tournay: após demonstrar brilhantemente a doutrina da Santísssima Trindade, Étienne declarou ser capaz de desconstruí-la com a mesma facilidade com que a criara.

O medo da Igreja medieval com relação à inteligência e à capacidade de usácriar heresias era tamanho que justificou a criação dos Tribunais de Inquisição.

Apesar desses obstáculos, os professores contavam com certa liberdade para ensinar. Nenhum professor foi condenado por pregar o livre comércio, a livre cunhagem de moedas, o socialismo... Também não consta que tenha havido censura de livros no século XVI.

O ensino de filosofia era livre, desde que não adentrasse no campo da teologia. Mas esse cuidado é quase impossível, haja vista a vocação natural da filosofia. O embate entre teologia e filosofia se iniciou quando o professor Abelardo tentou aplicar o método de investigação lógica à teologia. Essa tendência inaugurada por Abelardo foi seguida por outros, dando à luz a Nova Lógica, seguida pela Metafísica. Durante todo esse período, Aristóteles era ensinado e estudado em Paris, e seu método foi utilizado por São Tomás de Aquino para construir o sistema de teologia escolástica.

A escolástica medieval era plural em termos de linhas de pensamento. Os debates entre as diferentes escolas e matizes de opinião eram tão intensos quanto na Grécia clássica. Por exemplo, os debates acerca de conceitos universais, dando nascimentos aos nominalistas e realistas. Esse debate foi essencial para a Reforma, assim como nos embates sobre o papel do Estado: a natureza da instituição é universal ou real? Milhões morreram sem consciência do papel conceito filosófico que os movia.

Os regulamentos das universidades e dos colégios tratavam dos alunos também, estipulando multas e proibições. Assuntos como conversas, cabelos, becas etc. eram disciplinados neles. O regulamento de Leipzig proibia arremessar objetos contra professores.

Interessante observar o que alguns professores pensavam sobre os alunos. “O coração dos estudantes está no lodo, atrelado às prebendas, às coisas temporais e à satisfação dos desejos”, declarou um deles. “São tão litigiosos e briguentos que não há paz com eles por perto...” afirmou outro.

Também podemos trazer a lume o que os professores pensavam que seria o “bom estudante”. A esse respeito, escreveu Hastings Rashdall: “A vida do estudante virtuoso não está registrada nos anais.” Mas os sermões ajudam a descrevê-lo: é, apesar de um pouco inexpressivo, obediente, respeitoso, ávido por aprender, aplicado nas aulas e corajoso no debate, ele pondera as suas lições até mesmo durante o seu passeio noturno ao lado do rio.

Depois disso elas mudaram um pouquinho...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A ascensão das universidades”  

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