Ele transitava bem entre estilos bastante diversos. Ia do
rock ao baião, arriscava um tango, ensaiava um bolero, partia para o maxixe,
escrevia um repente... Em Rockixe, ele já tratava dessas fusões inusitadas.
Com Paulo Coelho, seu parceiro musical por alguns anos,
aprendeu sobre o satanismo de Aleister Crowley. Também foi Paulo quem
apresentou o careta Raul às drogas.
E ele pôs isso tudo em suas letras e músicas.
Nascido em 1944, filho de um engenheiro ferroviário, ainda
criança conheceu o sertão baiano.
Tinha um irmão, Plínio, que viria a ser um físico nuclear.
Já em Salvador, funda um clube do rock, com o nome de um de
seus maiores ídolos, Elvis Presley. Aos 12 anos já fumava cigarros
compulsivamente e oferecia cerveja aos colegas de Rock Club... Além de cantar
os maiores sucessos de seus ídolos norte-americanos.
Seus hábitos - andar com garotos de famílias pobres e ouvir
rock - chocava seus pais.
Já mais adolescente, Raul faz amizade com filhos de
funcionários do Consulado americano, vizinho da casa de seus pais. Passa a ser
chamado para as festinhas promovidas por eles e se espanta com o que vê:
cigarros em abundância e espalhados pelas mesas, à disposição de quem quisesse,
independente da idade; álbuns que ele não conseguiria escutar de outra maneira,
pois eram indisponíveis no Brasil, como discos de Chuck Berry e Little Richard.
Ao lado do rock, Raul desenvolve paixão por outro ídolo:
Luiz Gonzaga. Raul usava o mesmo ritmo quando tocava Gonzagão e quando tocava o
Rei do Rock. Dizia: “O country americano e as músicas sertanejas de Luiz
Gonzaga têm o mesmo sabor. O feeling é o mesmo”.
Apresenta-se primeiramente na TV Itapuã, da Bahia. Era um
programa de calouros e Raul tira nota máxima. Coincidentemente, Gilberto Gil
era funcionário da emissora e assistiu à apresentação do rapaz.
Aliás, Gil e Raul representavam bem a divisão musical que
reinava naqueles tempos. Gil pertencia à turma do Teatro Vila Velha, ligado aos
músicos da Bossa Nova. Raul era da turma do Cine Roma, composto por jovens
rockeiros. É interessante ver essa oposição por meio das músicas de Raul.
Aos 15, funda a banda The Panthers. Algum tempo depois, são
renomeados para Raulzito e os Panteras. Quando se tornam a banda mais famosa da
Bahia, atraem a atenção de medalhões da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, que
os convida para acompanhá-lo quando em shows pela Bahia.
Aprovado no vestibular, sai com Jerry Adriani em turnê pelo
interior da Bahia. Tornam-se muito amigos.
Adotando os símbolos da revolução comportamental, Raul faz
seus primeiros fãs. Faz também seus primeiros detratores, pois o modo como
dança e canta no palco leva algumas pessoas a terem medo dele, ou pensarem que
sofria de epilepsia.
Após terminar a faculdade de Filosofia, Raul voa para o Rio
de Janeiro. Pretende inicialmente escrever um livro sobre metafísica. Mas
percebe que a música seria um veículo de maior alcance para suas idéias. Funda
então um estilo musical e o batiza de “iê iê iê realista”.
Chegando ao Rio, procura seu amigo e futuro parceiro
musical, Mauro Motta, na época produtor da CBS. Raul é contratado como produtor
na gravadora.
Porém, a incompatibilidade entre Raul e diretoria da CBS o
levam a desgastes psicológicos e a tomar tranqüilizantes para conseguir ir
trabalhar. Não cogitava pedir demissão, pois o salário era muito bom.
Quanto a sua carreira de músico, estava vetada pela
companhia, que não permitia que produtores também gravassem. Mas Raul era muito
desobediente.
Quando o presidente da companhia, Evandro Ribeiro, sai de
férias, Raul se junta a Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada e grava o
álbum Sessão das Dez. O nome da banda era Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.
Quando retorna, Evandro o obriga a escolher uma das duas atividades.
Nessa época, Raul morava no Leblon, era casado como Edith e
tinha uma filha, Simone.
Então, Raul conhece a irmã do guitarrista Jay Vaquer,
Glória. Raul perde o chão e se separa de Edith. Comovido pelo fim do
relacionamento anterior, compõe “Medo da chuva”. Edith se casa com um
norte-americano, que passa a criar Simone. Também registra a menina em seu
nome.
Em 1972, Raul decide pedir as contas na CBS. Necessita fazer
isso para inscrever-se no Festival Internacional da Canção. Consegue superar a
fase classificatória com duas músicas: “Let me sing, let me sing” e “Eu sou eu,
Nicuri é o diabo”. Não vence, mas chama a atenção.
É contratado pelo Phillips, após uma reunião com Roberto
Menescal.
Foi então que Raul, leitor de revistas esotéricas editadas
pelo mago Paulo Coelho, decide convidá-lo para escrever algumas músicas com uma
temática mais mística, própria dos anos 60 e 70. Foi Raul quem ensinou Paulo a
compor músicas.
Paulo também apresenta as drogas a Raul. Todas! Maconha,
ácido, chá de cogumelo, Mandrix. Paulo diz apenas não se lembrar de incluir
cocaína. Um amplo cardápio para quem conhecia apenas a cerveja.
Quando lê Aleister Crowley, Raul se encanta e se torna
imediatamente seguidor do satanista. Essa doutrina prega que a força
representada por Satã é superior a Deus. A par dos ensinamentos, Raul toma parte
no filme “Contatos imediatos do Quarto Graal”. É nessa fase que funda a
Sociedade Alternativa, ao lado de Paulo Coelho.
Também do período é a música “Gita”. Espiritualizado, ele
ganha um terreno em Minas Gerais e lá pretende fundar a Cidade das Estrelas, em
1974. Pretendia uma sociedade onde não haveria policiais, advogados etc.
Porém os planos foram abortados, pois ele chamava cada vez
mais a atenção do regime militar. Raul não está entre os artistas formalmente
exilados, mas revelou ter sido convidado a se retirar do país. Parte para Nova
York, não sem antes deixar o disco “Gita” gravado.
Na agitada metrópole norte-americana, Raul mora num cubículo
imundo, canta country music com chapéu de cowboy em troca de alguns níqueis,
recolhe comida do lixo e chega a precisar
da ajuda de mendigos. Apesar de seus discos estarem vendendo bem no
Brasil – “Gita” vendeu 600 mil cópias logo após o lançamento -, a Phillips não
consegue realizar as transações internacionais para enviar dinheiro ao cantor.
Uma lenda faz parte desse período. Raul diz ter ficado três
dias hospedado na residência de John Lennon. Lennon tinha fundado a sociedade
New Utopian. Raul pretendia uni-la à sua Sociedade Alternativa. Esse encontro
não foi comprovado.
Comprovada mesmo foi a trip que ele fez ao lado de Paulo
coelho, em 1974, pelos EUA. Foram a Memphis, conhecer a casa de Elvis, e a NY,
onde tentaram conversar com Lennon, mas sem sucesso. Somente conheceram Yoko...
Um dia, um funcionário do Consulado Brasileiro o procura no
seu cubículo fétido e diz que ele já pode voltar pra casa. Quando chega, seus
discos são um sucesso e Gita é entoada por Maria Bethânia em pleno Canecão.
Raul, então, conhece Tânia Mena Barreto. Embora Glória tenha
voltado dos EUA, desejando reatar o relacionamento entre ambos, Raul está na
sua fase rebelde. Bebe e cheira bastante, e Glória volta para a América. O
relacionamento com Tânia dura 2 anos.
Em 1977, Raul compõe “Maluco Beleza”com Cláudio Roberto,
para o disco “O dia em que a Terra parou”. As demais faixas são compostas numa
casa de campo, à base de intermináveis bebedeiras. Cláudio, ao contrário de
Paulo Coelho, conhece música e compõe várias das melodias.
Também foi quando conheceu Kika Seixas, com quem passou a
dividir o teto.
Aos 35 anos. Raul dá entrada no Hospital. Teve de realizar
um cirurgia para remoção de um cisto no pâncreas. Em decorrência dessa
intervenção, perde 2/3 do órgão. Os médicos dizem que ele viverá mais 10 anos,
no máximo.
Diante da notícia alarmante, Raul tenta parar de beber. Mas
não consegue. Além disso, o álcool se torna cada vez prejudicial à sua saúde.
Começa a faltar a apresentações, a sofrer crises no camarim, às vezes o
impossibilitando de subir no palco.
Outro duro golpe no músico foi a censura da música Rock das
Aranhas. A censura se limitou às apresentações em público, sendo a música
liberada para compor as faixas do disco. Foi mais um caso de censura moral,
suscitada pelo fato de a música retratar uma relação lésbica.
O abuso do álcool, somado às crises do cantor, prejudicam
sobremaneira a carreira de Raul. Empresários e gravadoras passam a evitar o
músico.
Pouco depois, é obrigado a passar um temporada nos EUA, por
complicações relacionadas a seus divórcios. Raul se casou com três norte-americanas.
Em 1980, Raul deixa o Rio e se muda para São Paulo. Há um
ano e meio sem gravadora, afundara-se no álcool e nas drogas. Em Sampa ainda
tem uma filha, Vivian.
Assina contrato com a gravadora Eldorado. Feliz, afirma ter
finalmente encontrado seu eldorado...
Deixou seu ponto de vista sobre o cenário musical brasileiro
numa entrevista a Pedro Bial: dizia sentir falta da “pegada comportamentista” da
sua juventude. Raul já parecia achar tudo muito careta naquela época...
Aos 38 anos, Raul já colecionava 16 LPs, mas sua carreira passava
frequentemente por altos e baixos. Para Marília Gabriela, ele explicou que fazia
reciclagem sempre que desaparecia, para voltar em uma nova fase.
A carreira de Raul, então, passa por uma nova ascensão.
Emplaca o sucesso “Plunct Plact Zum”, parte de um especial da Rede Globo. Embora
fosse claramente voltada para o público infantil, Raul via relação entre a
letra e Pierre-Joseph Proudhon e os anarquistas.
O álbum seguinte se chama “Raul Seixas”. Na sequência, lança
um livro “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Tor”. É uma coleção de seus
diários pessoais, entre os sete e os quinze anos.
Aos 40, propõe uma experiência artística inusitada, no metrô
de Sampa. Ao lado do pintor Ivan Granato e de Nelson Motta, o desafio era criar
algo artisticamente relevante dentro dos vagões do metrô. Mas a ideia não chega
a se materializar.
Pouco após, Raul agregara um novo vício a seu repertório:
cheirar éter. Chegou a comprar um garrafão de cinco litros para aplacar a
fissura. Simultaneamente, seu casamento com Kika chega ao fim. Raul, então,
volta para a sua Bahia, onde passa uma temporada.
Retorna a Sampa já casado com Lena Coutinho. Vão morar no
Butantã. Porém sua carreira, e sua vida pessoal, estavam no fundo do poço. Em
show no Parque Lage, no Rio, completamente bêbado no palco, cai e recebe uma chuva
de latinhas arremessadas pelo público.
Sua esposa força sua internação, contra sua vontade. Mas
Raul contata toda sua família, exige que o retirem da clínica e termina o
casamento com Lena. E volta às doideiras...
Noutra ocasião, Raul é vaiado quando se apresentava na
Bahia. Na platéia estava o cantor Marcelo Nova – da banda Camisa de Vênus –
assiste a tudo e sai em defesa de Raul. Marcelo grita a plenos pulmões que
todos os rockeiros ali presentes deveriam agradecer muito ao cantor agora
abatido. Tornam-se amigos e Raul é convidado para dar uma palhinha no disco
solo de Marcelo, de 1988.
A re-estréia de Raul, após um longo interstício de 4 anos,
ocorre no Teatro Castro Alves, em Salvador, ao lado de Marcelo Nova.
Empolgados, decidem fazer outros shows no mesmo formato.
Porém, o Raul daqueles dias eram um homem alcoólatra, sem
empresário, gravadora ou produtor. Está pobre e doente. Chega a pedir ajuda
para comprar comida.
Raul faz um tratamento bucal que o obriga a arrancar todos
os dentes da boca e implantar próteses. Retorna à Bahia e se esforça para
cantar de novo. Ele e Marcelo conseguem realizar, juntos, mais de 50 shows em
nove meses. Mas aquele ritmo era demasiado desgastante para Raul, quanto mais
com sua insistência em não parar de beber.
Em 1989, no Domingão do Faustão, Marcelo e Raul cantam
Carpinteiro do Universo, para o disco que estavam lançando “Panela do Diabo”.
Apesar do esforço, percebia-se claramente um Raul definhando, irreconhecível se
comparado com seu auge.
Após, em show no Canecão, Raul convida Paulo Coelho, então
na platéia, para subir ao palco e cantar Sociedade Alternativa. Foi a primeira
vez que o mago cantou essa música, que compusera com o parceiro. Raul e Paulo
estavam afastados desde 1974.
Raul se apresenta, por fim, em Brasília, em 1989. Quando
retorna a Sampa, de madrugada, acha-se completamente bêbado. O porteiro o enfia
no elevador e aperta o botão do seu andar.
Na manhã seguinte, sua secretária, Dalva, o encontra
falecido, na cama.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A vida louca da
MPB”
Só enxerguei a valor de Raul Seixas após sua morte. Tenho um sentimento de culpa, por isso.
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