Dia 15 de Março de 2007 é, normalmente, considerado o início
do conflito na Síria. Essa data, chamada de Dia de Fúria, viu centenas de
protestantes em Damasco e Aleppo e seis participantes foram detidos. Dia
seguinte, cerca de 34 pessoas também foram presas em outro protesto. Ativistas
dos direitos humanos relataram que quatro pessoas foram mortas em Dara`a.
Dali em diante, protestos tornaram-se diários. Quando Assad
nomeou seu irmão Maher – chefe da Quarta Divisão Armada e da Guarda Republicana
– como responsável por lidar com a situação, e deu-lhe total liberdade para
agir, a situação ganhou um retrato bem mais violento.
O resultado foi uma guerra sectária inédita. Dispersão e
detenção de protestante tornaram-se sítios e bloqueios rotineiros em cidades marcadas
por atividades da oposição. Dara`a foi sitiada em abril de 2011. Sucedendo tais
sítios e bloqueios, cortes de eletricidade, água, linhas telefônicas , além da
destruição de lojas de alimentos, água e farmácias.
Assad não descrevia a situação na Síria como um movimento
doméstico com motivação legítima, mas como ações tomadas por grupos ou gangs
armadas e suportados por conspiradores estrangeiros e inimigos da Siria.
Em 30 de março de 2011, Assad disse: “Nossos inimigos
trabalham todos os dias, de maneira organizada, sistemática e científica,
objetivando demover a estabilidade da Síria. Nós reconhecemos que eles têm sido
bem espertos ao escolher muitas ferramentas sofisticadas, como têm feito, mas
ao mesmo tempo nós notamos que eles também foram estúpidos por escolherem esse
país e esse povo; por isso tais conspirações não funcionam aqui.”
Em entrevista ao Der Spiegel, Assad declarou: “De novo,
quando você fala sobre facções, sejam oposição ou apoiadores, você tem que se
perguntar: A quem representam? A si mesmos ou ao país onde nasceram? Falam
pelos EUA, Reino Unido, França, Arábia Saudita, Qatar? Minha resposta tem que
ser franca e direto ao ponto. Esse conflito foi trazido para nosso país do
exterior. Essas pessoas estão localizadas fora do país, vivem em hotéis cinco
estrelas e obedecem a ordens de seus países. Não têm raízes na Síria.”
O Irã seguiu o raciocínio. Em abril de 2011, O Ministro do
Exterior do Irã disse: “o que está ocorrendo na Síria são ações
desestabilizadoras do Ocidente, particularmente Americanos e Sionistas.”
Em meados de abril, essa narrativa envolveria ainda a descrição de Assad como estando no fronte
de guerra de uma batalha contra Islamistas radicais: Nesse mês, o Ministro do
Interior da Síria estatuiu que a Síria estava encarando uma “insurreição
armada”, incluindo alguns grupos usando “o motivo da Jihad para estabelecer um
estado Salafista.”
Após as repressões violentas e o cerco a cidades sírias,
Assad frequentemente prometia – e cumpriu – implementar reformas, mesmo acompanhadas
de retórica para deslegitimar a oposição. Em março de 2011, Assad prometeu
iniciar a implementação de reformas imediatamente, destacando que a prioridades
do governo são estabilidade e melhoria das condições econômicas.
Logo após, assinou decreto concedendo cidadania a mais de
220 mil curdos. Também aumentou a atenção dada às demandas de islamistas
sunitas, eterna oposição.
Em junho de 2011, um novo discurso foi feito. Reformas
eleitorais e combate à corrupção foram, agora, o alvo. Eram todas demandas dos
protestos.
Ainda assim a situação degringolou em conflito armado. Foram
quatro os fatores: continuidade do uso de violência em repressão aos protestos;
a percepção dentre a oposição de perda de legitimidade pelo presidente; inabilidade
da comunidade internacional no trato da questão; a sensação de que apenas os
protestos não trariam alterações relevantes para as pessoas.
Aliás, o papel risível da comunidade internacional merece
comentários à parte. Em abril, Rússia, China e Líbano se opuseram a uma
resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas apresentada pela União
Europeia condenando o modo como o governo Síria lidava com os protestos. A
Rússia declarou entender que os percalços internos não afetavam a segurança da
comunidade internacional, o que não justificava interferência externa. Eles
temiam que tal interferência, sim, poderia trazer desestabilizar a região.
A falta de ação coordenada entre países levou à ação
individual deliberada, que se mostrou tão inútil quanto em termos de mudança de
comportamento do regime. Dentre as medidas, sanções econômicas decretadas pelos
EUA. Algumas se estenderam também ao Irã, pela suposta ajuda ao regime de Assad. O Decreto 13582 bloqueava a
propriedade de investimentos na Síria, exportações ou venda de serviços à Síria
por pessoas americanas, a importação de
petróleo sírio e de produtos do país, além de qualquer envolvimento em
transações com a Síria.
Seguindo esses passos, a União Europeia também decretou
sanções à Síria e ao Irã.
As consequências para o regime foram quase insignificantes. Mesmo
a retirada de embaixadores da Síria não causou qualquer alteração no regime e
na forma como lidava com protestos.
Um dos primeiros incidentes armados ocorreu em Maio de 2011,
quando os sitiados em Talbiseh e Rastan desengatilharam uma resposta armada
pelos residentes, usando rifles automáticos e granadas propelidas por foguetes.
Em julho de 2011, formou-se o Exército Livre Sírio (FSA)
liderado pelo coronel Riad Al-Assad e composto por rebelados do exército sírio,
que visava à deposição do regime de Assad. Foi a primeira oposição armada e
demonstraram que mesmo ex-membros das forças de segurança sírias viam a
oposição armada como a resposta apropriada ao regime.
Embora a oposição fosse bem variada, Assad desenhava
incessantemente seus inimigos como terroristas ligados à Al-Qaeda.
Continua.
Rubem L. de
F. Auto
Fonte:
livro “The Syrian Civil War: The History of the 21th Century Deadliest
Conflict”
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