Bertrand Russell nasceu em 1872,
filho de pais aristocratas, na Inglaterra. Eram anos vitorianos, portanto
impregnados de hipocrisia e repressão social.
Seu pai perdeu a cadeira no
Parlamento por defender o controle de natalidade. Aos cinco, era órfão e tinha
perdido a irmã. Após uma disputa judicial, decidiu-se que seria criado por Lord
e Lady Russell. Um ano depois, Lord Russell também morreu, deixando uma
impressão de que a morte lhe perseguia insistentemente.
Russell viveu numa época em que
estudar em escolas era visto de maneira negativa pela aristocracia. Foi
instruído em casa. Aos 11 anos, começou a ter aula de geometria com seu irmão,
Frank. O livro-texto era Elementos, de Euclides. Apaixonou-se. Chegou à quinta
proposição de Euclides sem qualquer dificuldade. Segundo o próprio Russell, o
aprendizado de geometria deu-lhe a certeza de que possuía inteligência.
Frank ensinou ao irmão mais novo
que Euclides estabelecera a totalidade da geometria por prova. Daí a certeza de
que seus teoremas eram absolutamente corretos.
No entanto, Russell percebeu que
Euclides também havia estabelecido como base de seus teoremas uma série de
axiomas básicos. E mais: não havia provas de tais axiomas em qualquer lugar.
Ele nunca esqueceria essa “falha” de Euclides, e retornaria a esse assunto mais
tarde.
Sua vontade de encontrar
respostas claras e diretas permeava quase tudo o que fazia. Isso o levou a
rejeitar a ideia clássica de Deus. Seu ateísmo era contraposto à crença de que
a matemática, e sua abstração, seria capaz de dar-lhe certezas.
Em 1890, aos 18 anos, ganhou uma
bolsa de estudos para o Trinity College, Cambridge. Estudou matemática por três
anos, ao que terminou decepcionado. Achava que a matemática britânica do
período era medíocre, uma sequência de decorebas e truques com fórmulas. Amante
da abstração, voltou-se à filosofia no quarto ano.
Filiou-se ao professor McTaggart, seguidor de Hegel. Esse
ensinava que tempo e matéria são irreais. Apenas o espírito absoluto era capaz
de apresentar a realidade, ao conectar todas as partes inter-relacionadas do
todo. A realidade suprema é essa totalidade. As partes do todo são tão
inter-relacionadas, que Russell via a totalidade como uma gelatina: ao se tocar
uma parte, o todo se move.
Embora a realidade fosse somente apresentada pelo espírito
absoluto, capaz de realizar as conexões das partes que compõem a totalidade, e
estivesse acima e além daquilo que consideramos real, era possível deduzir sua
natureza. Para tanto, parte-se de verdades evidentes por si mesmas e mais duas
premissas empíricas: alguma coisa existe; e tem partes. Russell finalmente
achou uma filosofia que tocava-lhe o espírito.
Graduou-se em ciência moral (filosofia) e tornou-se fellow
do Trinity. Publicou sua primeira obra, escrita por ocasião de uma temporada na
Alemanha: Socialdemocracia alemã. Deonstrou ali seu interesse por política.
De volta a Cambridge, Russel passou a questionar sua crença
na matemática, por acreditar que ela tinha uma certa mística que ele não
conseguia entender. Também começava a crer que a matemática estava dissociada
da realidade, do mundo material.
A conciliação, a seu ver, estava a cargo da filosofia. Iniciou
estudos sobre os princípios da matemática. Aos 26 anos, voltava para o problema
que percebera aos 11. Qual era a base dos axiomas utilizados por Euclides? Para
Russell, deveria ser a lógica. Portanto a matemática como um todo derivava da
lógica.
Sua pesquisa avançou com o encontro com o lógico italiano
Giuseppe Peano, pesquisador dos fundamentos dos números. Peano criou símbolos
lógicos fundamentais que permitiam a análise de proposições.
Por exemplo: Peano criou um símbolo para representar uma
classe que tem um membro, e outro símbolo para o membro dessa mesma classe.
Essa distinção foi criada para diferenciar três situações distintas: “É membro
de”; “está contido em” e “é igual a”.
Após entrar em contato com esse trabalho, Russel deixou a
metáfora da gelatina de lado e passou a ver a realidade como um balde cheio de
pedrinhas de chumbo: a realidade era formada por uma porção de partes
discretas. Cada parte tem contato apenas com as partes que a cercam.
A análise dessa realidade levaria a uma base lógica
indivisível, ou atômica, segundo o raciocínio de Demócrito que levou à ideia de
átomo – algo indivisível.
Seu primeiro progresso descambou nos conceitos básicos de “número”,
“ordem” e “todo versus parte”. O obstáculo a ser superado era que o conceito de
número pode ser obtido além da simples intuição. Certos postulados fundamentais
podem levar à noção de número. A sequência seria: “0” é um número; o sucessor
de qualquer número é um número; dois números não podem ser sucedidos pelo mesmo
número; “0” não é sucessor de qualquer número.
Russell viu nesse método a resposta que procurava,
necessitando apenas de alguns ajustes.
Decidiu substituir o conceito de “todo e partes” por “classe”.
A noção de classe deriva da noção fundamental de identidade. Portanto, há
classe de maças, classe de problemas de geometria etc. Ou seja, algo pertence a
uma classe ou não pertence. Russell cria que a noção de classe precedia a noção
de número. A explicação é que para sabermos se algo pertence a uma classe, não
precisamos saber a quantidade, basta ser capaz de apontar suas características
mais intrínsecas.
Portanto o método que Russell usou para definir a natureza
dos números partia de classe. O raciocínio é o que se segue: a classe de todos
os objetos que não são idênticos a si mesmos tem “0” membro; mas todas as
classes vazias têm os mesmos membros, portanto são idênticas entre si; portanto
há apenas uma classe vazia – daí chegamos a 1 a partir de zero; a classe das
classes vazias tem, portanto, 1 membro. A classe das classes vazias e de seus
membros gera o 2, e assim por diante. Toda a matemática parte dessa lógica.
Em 1903, Russell publicou Os princípios da matemática. Tornou-se
um dos maiores pensadores da Europa. Provou que as verdades matemáticas derivam
das verdades lógicas, algo que ocupava os filósofos europeus há anos.
Sua obra foi escrita em inglês corrente, mas constatou que o
idioma era insuficiente. Escreveu um segundo volume recheado de símbolos
lógicos, explicando assim mais profundamente suas ideias.
Ainda assim Russell achava que faltava algo, e esse algo era
uma deficiência na lógica simbólica criada por Peano. Para superar essa
dificuldade, Russell juntou-se a Alfred N. Whitehead. Juntos, iniciaram uma
obra monumental que viria a se chamar Principia Mathematica: consumiria mais de
10 anos de trabalho da dupla. Russell se propôs provar que “a lógica é a
juventude da matemática e a matemática é a maturidade da lógica.”
Começaram com um mínimo irredutível de conceitos lógicos,
representados de forma simbólica. Todo o resto derivaria desses conceitos
básicos. Desde Aristóteles, esse se provaria ser o maior avanço em milênios
nessa área.
Contudo, no terceiro ano, Russell percebeu uma falha
justamente no cerne de toda a sua afirmação. Era o “paradoxo de Russell”. Sua
explicação é a seguinte: Imagine uma biblioteca que possui livros e dois
catálogos; o primeiro catálogo lista todos os livros que se referem a si mesmos
– isto é, é composto por referências contidas no próprio livro; o segundo
catálogo lista todos os livros que não se referem a si mesmos. Em que catálogo
seria listado o segundo catálogo? Se o catálogo for listado no segundo catálogo,
torna-se um livro que se refere a si mesmo, portanto deveria estar no primeiro
catálogo. Se listado no primeiro catálogo, está errado, pois não é um livro que
se refere a si mesmo.
Atormentado por esse paradoxo, Russell escreveu ao
matemático francês Henri Poincaré, que viu ali uma versão do antigo paradoxo
grego proposto por Epimênides, o Cretense. Este afirmou: “Todos os cretenses
são mentirosos.”
Russell escreveu num pedaço de papel: “Todos os cretenses
são mentirosos, disse o cretense.” Ficou olhando esse papel por dias a fio...
Em 1906, finalmente, elaborou uma resposta na forma da
teoria dos tipos. Esta teoriza sobre a criação de hierarquia de classes, ou
tipos de classes. A classe dos gatos é precedida pela classe mais ampla de
animais. O que vale para um, não necessariamente, vale para o outro. Existe uma
classe de classes, perfazendo uma classe membro de si mesma, mas não poderia se
referir a si mesma. Não avia mais sentido em falar em classe que se refere a si
mesma. Seria como falar em classe de gatos que são felinos. Tudo o que envolve
totalidade de uma coleção não pode ser membro da coleção.
Resumindo: nem a classe de todas classes que são membros de
si mesmas, nem a classe de todas as classes que não são membros de si mesmas
poderiam conter a si mesmas. Paradoxo resolvido!
Sem a ajuda de Whitehead, Russell se lançou a terminar seu
livro. Pelos oito meses seguintes trabalharia de 10 a 12 horas por dia. A obra
finalizada compreendia três volumes e mais de quatro mil páginas.
As provas eram elaboradas de forma tão meticulosa que a
proposição “1 + 1 = 2” somente era provada na metade do segundo volume. Mesmo
filósofos e matemáticos tinham dificuldade com os conceitos. Russell mesmo
disse que apenas seis pessoas que ele conhecia tinham vencido os três volumes.
Sua teoria dos tipos deu origem ao pensamento positivista
lógico: Russell mostrou que uma proposição pode ser sintaticamente e
logicamente correta, mas ao mesmo tempo sem sentido.
Descreveram-se três tipos de proposições: as tautológicas,
que envolviam matemática e lógica; as proposições do segundo tipo são aquelas
que podem ser verificadas pela experiência, como o dia da semana ou um fato
provado cientificamente; as do terceiro tipo são metafísicas, inverificáveis,
como “Deus existe.” Estas últimas são sem sentido.
No entanto, como veria mais tarde, Russell não dera cabo
totalmente de seu paradoxo. Percebeu que nem todas as classes que se referiam a
si mesmas eram sem sentido. Várias categorias bem estabelecidas da matemática
eram desse tipo e não poderiam ser abandonadas, como absurdas fossem.
A conclusão lógica era: a matemática pode conter paradoxos
que não seriam resolvidos por lógica. De fato, em 1931, o austríaco Kurt Godel
conseguiu demonstrar que a matemática contém mesmo um paradoxo. Segundo Godel,
qualquer sistema complexo que se baseie em axiomas está fadado a conter certas
proposições aparentemente verdadeiras que não podem ser provadas ou refutadas, a
partir de conceitos do próprio sistema. Precisa-se de acrescentar axiomas
externos para provar ou refutar tal proposição. Esse processo gera outra proposição
que também não pode ser provada ou refutada sem a adição de um novo axioma.
Existia um impasse lógico. Essa mesma situação se perpetua até hoje.
Mas existe sempre uma resposta a quem aponta tais
incongruências na matemática: ela funciona, as pontes não estão caindo, os
foguetes sobem...
Nos anos seguintes, Russell teria famosos e notórios embates
intelectuais contra seu discípulo e maior adversário: Ludwig Wittgenstein.
Conheceram-se em 1911. Wittgenstein era herdeiro de uma família poderosa de
industriais do Império Austro-Húngaro. Recebeu educação particular no palácio
da família, local frequentado por personalidades como Brahms, dando concertos
privados. Em Berlin, estudou engenharia. Em Manchester, aeronáutica.
Ainda jovem e inexperiente, atreveu-se iniciar uma discussão
sobre fundamentos da matemática com Russell e seu amigo Frege – as duas maiores
autoridades mundiais no assunto, então. Foi humilhado, mas chamou a atenção de
Russell. Tornaram-se amigos.
Desistiu da engenharia e tornou-se filósofo, orientado por
Russell.
Entretanto eram pessoas diferentes. Wittgenstein eram tão
aferrado à lógica, em oposição a um Russell já talhado pelas dificuldades do
campo que pesquisava, que logo surgiram discussões ferrenhas. Certa feita
Russell disse a Wittgenstein: “Não há nenhum hipopótamo nesta sala nesse
momento.” Wittgenstein argumentou que o proposição não era aceitável por não ser
logicamente irrefutável. Russel abaixou-se e começou a olhar por baixo das
mesas, procurando um hipopótamo. Mas Wittgenstein continuava resoluto na sua
lógica: achava ser logicamente possível haver um hipopótamo na sala. Russell
respondeu que seria impossível trabalhar sem uma base empírica. Divergiam-se
assim duas escolas de filosofia.
Da lógica à epistemologia, Russell agora queria estudar a
fundamentação de todo o conhecimento. Ele acreditava que “é preciso entregar-se
ao trabalho de duvidar das coisas e reter apenas aquilo de que não se pode
duvidar por causa de sua clareza e distinção.” Estas características decorrem
de “dados sensoriais”.
Pense em maçã. É um objeto. Quais são os dados sensoriais
individuais da maçã? Cor vermelha, redonda, sólida, lisa etc. A partir desses
dados sensoriais é que construímos o objeto maçã: são as construções lógicas.
No mundo da ciência, os instrumentos de medida e observação
fornecem esses dados sensoriais, como se extensão dos nossos sentidos fossem. Essa era a base da epistemologia de Russell.
Terminada mais essa empreitada, Russell passou-se à
construção da matéria. Substância do mundo, a matéria consiste de “todos os
dados sensoriais que todos os observadores possíveis podem observar ao perceber
a mesma coisa.” Um objeto material visto e percebido a partir de todas as
perspectivas possíveis era o objeto material. Os dados sensoriais, eram funções
do objeto. Os dados sensoriais são a ligação entre a mente e o mundo não-mental. Mas
o método era válido para objetos físicos ou ideias abstratas. Portanto, válidos
para os números, que são abstratos. Números e dados sensoriais básicos são,
portanto, análogos.
Assim, Russell estabelecia que números são elementos
irredutíveis – como as cores -, atômicos, constituintes de nosso conhecimento –
como átomos constituem o mundo. A lógica
era o que manipulava tais átomos. Russell chamou essa filosofia de “atomismo
lógico”.
Esse método deveria ser utilizado em cada parte constituinte
de uma proposição. Caso alguma delas se mostre falsa, toda a proposição é
falsa. Caso não possa ser aceita nem refutada, é absurda – sem sentido.
Já seu amigo Wittgenstein permanecia preso a sua lógica
cerrada: Ele afirmava: “O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas... Os
fatos em espaço lógico são o mundo.” Daqui chegou a uma conclusão: “Aquilo de
que não se pode falar, deve-se calar.” O conhecimento, em sua visão, deve falar
logicamente ou não falar nada.
Russell passou a escrever livros de filosofia populares. Nesses,
tratava de tudo: dilemas éticos, história da filosofia ocidental. O primeiro
data de 1912 e se chama “Os problemas da filosofia.”
Envolveu-se também com política. Apoio fortemente o
movimento pelo sufrágio feminino, a ponto de se candidatar ao Parlamento
defendendo essa bandeiro – além do comércio internacional. Perdeu. As mulheres
só ganharam esse direito em 1918 e ele não teve votos suficientes. Continuou a
defender o Partido Liberal. Com o tempo, ficava mais radical.
Durante a I Guerra Mundial, participou de diversos protestos
pacifistas e anticonflito armado. Foi punido com a perda do título de fellow do
Trinity.
Foi preso em 1918, por seis meses. Aproveitou a estadia na
prisão para escrever “Análise da mente.” Concluiu ali que a diferença entre
mente e matéria é meramente ilusória. A mente é composta por dados sensoriais,
elementos irredutíveis. A mente é concebida a partir da matéria e de entidades
externas a ela.
Em 1919, apaixonou-se por Dora Black: 25 anos de idade, independente
e fumava cachimbo. Ambos desacreditavam no casamento. Ela dizia que queria ter
filhos, mas seriam criados exclusivamente pela mãe. Russell respondeu que nunca
teria filhos com ela. Casaram-se.
Eclodida a Revolução Bolchevique, foi à Rússia com Dora –
como membro de uma delegação do Partido Trabalhista inglês. Russell voltou
horrorizado pelo sofrimento dos camponeses. Dora voltou extasiada pelas
conquistas. Russelll escreveu suas críticas em “Teoria e prática do bolchevismo”
e passou a ser mal visto pela esquerda da época.
Interessante a forma como alguns julgavam o que viam na
Rússia. H.G. Wells ficou entusiasmado. George B. Shaw também gostou do que viu.
Suas posições políticas o levaram a se afastar da academia.
Por outro lado, Russell passou a ser requisitado para conferências e palestras
especialmente nos EUA. Sua renda também derivava de suas obras mais populares.
Teve dois filhos com Dora.
Quando seus filhos estavam em idade escolar, lançou uma
escola alternativa, que aplicava seus métodos educacionais. Confessadamente, não
foi tão bem sucedido como se supunha em princípio.
Com a morte de seu irmão, herdou o título de Conde Russell e
um monte de dívidas. Logo após, separou-se pela segunda vez. Casou-se pela
terceira vez com uma assistente de pesquisas, de 25 anos – ele estava com 63. Ah!
Ela também fumava cachimbo.
Durante a II Guerra Mundial, estava abrigado na casa de amigos
nos EUA. Escreveu “História da filosofia ocidental.” Eram mais de 800 páginas
espirituosas que se tornaram um bestseller, salvando suas finanças. Ainda é
considerado o melhor livro sobre o assunto.
Em 1944, devolveram-lhe o título de fellow em Trinity. Agora
era um sábio de 72 anos. Chegou a fazer palestras pelo rádio, em função do
sucesso de seus livros.
Participou de movimentos anti-armas nucleares, chegando a
defender a desobediência civil, caso não se reduzissem o número de armas
nucleares no mundo. Foi preso de novo, por causa desses protestos, nos anos
1960.
No final dessa década, liderou protestos contra a Guerra do
Vietnã. Aproveitou para escrever sua Autobiografia – em 3 volumes.
No fim, reafirmou os três pilares que carregou por toda a
vida: desejo de amor, busca do conhecimento e compaixão pelo sofrimento da
humanidade.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Bertrand Russel em 90 minutos”.
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