Pesquisar as postagens

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: ORLANDO SILVA


Apelidado de “Cantor das Multidões”, Orlando Silva era o típico cantor que levava as fãs à histeria. Era comum ter suas roupas rasgadas quando deixava o palco, caso não houvesse seguranças para protegê-lo. No auge, os municípios por onde passava eram obrigados a declarar feriado municipal – na verdade apenas reconheciam que a cidade parara em razão da presença do cantor.

Com o sucesso, não se fez de rogado e aproveitou, deitou-se com quantas mulheres pôde. Mas o sucesso pode ser fatal para alguns. Orlando terminou a vida alcoólatra e viciado em morfina.

O jovem que perdeu metade de um dos pés num acidente com bonde, viveu altos e baixos como poucos. Foi o maior cantor da década de 1940.

Carioca no Engenho de Dentro, nascido em 1915, foi filho de violonista, que tocava com Pixinguinha no conjunto Os Oito Batutas. Era fanático pelo tenor italiano Tito Schipa.

Interessante dói o dia em que seu vizinho, funcionário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que levou o garoto Orlando para conhecer seu ídolo italiano. Corajoso, canta “Lágrimas” para o tenor, que o aconselha a jamais estudar canto. Nas palavras de Tito: “Se você estudar, irá perder toda essa beleza.”

Começa a trabalhar cedo: sapateiro, operário, entregador de marmita... e chega a funcionário da Casa Reunier, como entregador de encomendas. Um dia, indo trabalhar, pega um bonde na Praça da República. Salta, prende uma perna no trilho, consegue tirá-la a tempo, mas um pé fica no caminho do carro. O bonde passa por cima. Fica quatro meses internado e perde quatro dedos.

Para enfrentar as dores, toma morfina diariamente. Usa muletas por quase dois anos. Como cobrador de ônibus aprende duas coisas: não consegue calcular trocos; quando canta, as garotas se encantam.

Investe na carreira de cantor de rádio. Sua estréia ocorre em 1934, na Rádio Cajuti. Tem 18 anos. Canta “Céu Moreno” e é coberto por aplausos. Chama a atenção de Francisco Alves, que o apadrinha.
Trabalha no coro da RCA Victor, um dos grandes selos da época.

No ano seguinte grava seu primeiro compacto. A comemoração ocorre no charmosíssimo Cassino da Urca, onde Orlando é apresentado à nata da sociedade, inclusive Carmem Miranda, com quem divide um drink.

Em 1935, é apresentado a Noel Rosa e Assis Valente. Passeiam por bares e tabernas do Rio.

No carnaval de 1935, grava duas canções que se tornam hits: “Orgia” e “Ponto de interrogação”. A banda que o acompanha é a Diabos do Céu, regida por Pixinguinha.

Em 1936, mais um disco de carnaval, em que registra “Se a orgia acabar” e “Viva a liberdade”.

Ainda em 1936, assina contrato com uma rádio, à época chamada Transmissora Brasileira, dois anos depois rebatizada para Rádio Globo. Recebe bom pagamento mensal e ainda faz propaganda de seus discos.
Francisco Alves o convida para um dueto em “Foi ela”, música de Ary Barroso.
O grande maestro Radamés Gnattalli se junta a Orlando, criando repertórios para os três discos já encomendados pela RCA Victor.

Recebe “Pela primeira vez”, de Noel Rosa. Escolhe ainda “História joanina”, “Mágoas de caboclo” e “Tristeza”, dentre outras.

Chico Alves convida a Orlando para um jantar em companhia de Getúlio Vargas, quando Orlando canta “Pálida morena” para o presidente. Getulio se emociona e diz que lhe toca o modo como Orlando canta “as coisas do Brasil”.

Era véspera da inauguração da Rádio Nacional. Evento muito esperado, seria aquela a primeira emissora verdadeiramente de alcance nacional.

Na noite de inauguração, Orlando canta “Caprichos do destino” – com arranjo de Radamés. Tinha apenas 20 anos.

Quando canta “Lábio que beijei”, em 1937, música com arranjos de Radamés e músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira, cria uma explosão de ligações para a rádio de lojistas desesperados por discos com essa gravação.

A RCA cria um esquema especial para dar conta da demanda por músicas de Orlando. A matriz quebra todos os recordes de vendagem. Lábios que Beijei é a música mais executada no país.

A Rádio Nacional é obrigada a renegociar seu salário. Agora ele apresenta um programa no horário nobre da maior emissora do país.

Orlando ainda homenageia Noel Rosa, quando de sua morte com apenas 26 anos, regravando dois clássicos de Pixinguinha: “Rosa” e “Carinhoso”. O cantor faz Pixinguinha chorar no estúdio e faz lojistas se desesperarem por não darem conta da demanda pelo álbum.

Em 1938, sai em turnê: Orlando pelo Brasil. Estréia por Santos, causando os transtornos de sempre na cidade. De lá, recebe convite para São Paulo, onde é recebido pelo povo nas ruas, congestionadas.

Na rádio, em função da quantidade de gente na porta do prédio, pede que os equipamentos desçam até a calçada. A temporada se estende por um mês e ele bate recorde de faturamento. Nunca um cantor vira tanto dinheiro.

Transferindo as exibições para uma casa maior, Polytheama, ainda assim se faz necessário levar o som para a multidão que não conseguia ingressos.  Só entra e sai com seguranças.

Tinha meros 22 anos.

Quando conhece Mário Lago, grava “Enquanto houver saudade” e “Nada além”. Esta última inaugura o canto moderno no Brasil, sem a voz empostada.

No carnaval de 1939, Orlando apresenta o clássico “A jardineira”.

Em um show em Campinas, recebe o valor de 15 mil dólares por uma única apresentação.

Em 1940, numa apresentação em uma rádio em São Paulo, reuniu 150 mil pessoas no centro da cidade, que contava com 900 mil habitantes.

Nessa noite, ocorreu um episódio que acompanharia Orlando por toda sua vida. Sofrendo de insônia, não conseguindo dormir, liga para o serviço de quarto. Um enfermeiro aplica injeções de morfina. Além de rapidamente viciante, ele já tinha experimentado essa substância em altas doses, quando se acidentou no pé.
Segundo muitos, Orlando se viciou em morfina a partir desse dia.

O ritmo intenso de viagens é desgastante. Apesar dos discos lançados um após o outro, Orlando se mostra infeliz.

Alcoolizado, rescinde todos os contratos com a RCA Victor e outros. Mantém apenas o vínculo com a Rádio Nacional.  

No dia de sua última gravação pela RCA, Orlando se aplica uma dose cavalar de morfina, canta “Terra boa”, “Faixa de cetim”, vira-se para os músicos e avisa que a próxima canção seria sua última gravação pelo selo.

Passa um tempo livre, ao lado de sua namorada, a atriz Zezé Fonseca.

Nessa época ele é atacado por uma gengivite ulcerativa conhecida como “Guna”. Após um procedimento dentário atrapalhado, passa a sofrer de dores dentárias muito fortes. Resultado: mais morfina para agüentar a dor... Apesar de ser um droga controlada, no mercado negro era adquirida facilmente.

Orlando conhece dois traficantes na Lapa e passa a ser o cliente mais assíduo deles. Conforme o consumo aumentava, o preço subia.

Zezé Fonseca chega a se internar com Orlando, tentando fazê-lo largar o vício. Somando-se a esse quadro dramático, Orlando perdeu todos os dentes superiores e passou a usar dentadura.

Tentando largar a morfina, Orlando se afundou completamente no álcool. Zezé desiste e abandona o “cantor das multidões”.

Orlando agora está constantemente, bêbado, maltrapilho e não conseguia mais cantar – nem se apresentar para fazê-lo.

No carnaval de 1943, pela gravadora Odeon, ainda grava duas faixas, mas sua voz não soa mais tão bem e seu imenso público se dispersa.

Chegando aos 30 anos, não era mais o jovem que emocionava ao cantar. Era agora amargurado, drogado, bêbado e sua voz caiu no lugar-comum.

Em 1946, a rádio Nacional o dispensa. Em 1948, é a vez da Odeon, que põe um fim na sua carreira.
Sua nova esposa consegue interná-lo para tratar o alcoolismo. Quanto à morfina, provavelmente foi substituída pelo Demerol, uma espécie de morfina sintética.

Em 1952, após acidente de trânsito, morre Francisco Alves. Este foi outro baque terrível na vida de Orlando. No entanto, recebe convite da Rádio Nacional para cantar em uma homenagem a seu padrinho.

Orlando aproveita bem a chance e faz uma apresentação memorável. Assina com o selo Copacabana. Três anos depois, retorna à Odeon. Em 1959, assina de novo com na RCA. Segue carreira nas décadas seguintes, embora sem nem mesmo sombra do que fora no passado.

Morreu em 1978, de isquemia cerebral.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”

2 comentários:

  1. Me lembro bem quando ele morreu,o programa da globo dizia Adeus Orlando Silva.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não tenho lembranças dele vivo. Só de algumas músicas que ouvia em casa. Mas respeito muito essas pessoas: alcançar o sucesso de que desfrutaram é algo reservado somente aos gênios. Não tinha a indústria musical que passou a ser capaz de fabricar sucessos - só havia o talento, nada mais.

      Excluir