Apelidado de “Cantor das
Multidões”, Orlando Silva era o típico cantor que levava as fãs à histeria. Era
comum ter suas roupas rasgadas quando deixava o palco, caso não houvesse
seguranças para protegê-lo. No auge, os municípios por onde passava eram
obrigados a declarar feriado municipal – na verdade apenas reconheciam que a
cidade parara em razão da presença do cantor.
Com o sucesso, não se fez de
rogado e aproveitou, deitou-se com quantas mulheres pôde. Mas o sucesso pode
ser fatal para alguns. Orlando terminou a vida alcoólatra e viciado em morfina.
O jovem que perdeu metade de um
dos pés num acidente com bonde, viveu altos e baixos como poucos. Foi o maior
cantor da década de 1940.
Carioca no Engenho de Dentro,
nascido em 1915, foi filho de violonista, que tocava com Pixinguinha no conjunto
Os Oito Batutas. Era fanático pelo tenor italiano Tito Schipa.
Interessante dói o dia em que seu vizinho, funcionário do
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que levou o garoto Orlando para conhecer
seu ídolo italiano. Corajoso, canta “Lágrimas” para o tenor, que o aconselha a
jamais estudar canto. Nas palavras de Tito: “Se você estudar, irá perder toda
essa beleza.”
Começa a trabalhar cedo: sapateiro, operário, entregador de
marmita... e chega a funcionário da Casa Reunier, como entregador de
encomendas. Um dia, indo trabalhar, pega um bonde na Praça da República. Salta,
prende uma perna no trilho, consegue tirá-la a tempo, mas um pé fica no caminho
do carro. O bonde passa por cima. Fica quatro meses internado e perde quatro
dedos.
Para enfrentar as dores, toma morfina diariamente. Usa
muletas por quase dois anos. Como cobrador de ônibus aprende duas coisas: não
consegue calcular trocos; quando canta, as garotas se encantam.
Investe na carreira de cantor de rádio. Sua estréia ocorre
em 1934, na Rádio Cajuti. Tem 18 anos. Canta “Céu Moreno” e é coberto por aplausos.
Chama a atenção de Francisco Alves, que o apadrinha.
Trabalha no coro da RCA Victor, um dos grandes selos da
época.
No ano seguinte grava seu primeiro compacto. A comemoração
ocorre no charmosíssimo Cassino da Urca, onde Orlando é apresentado à nata da
sociedade, inclusive Carmem Miranda, com quem divide um drink.
Em 1935, é apresentado a Noel Rosa e Assis Valente. Passeiam
por bares e tabernas do Rio.
No carnaval de 1935, grava duas canções que se tornam hits: “Orgia”
e “Ponto de interrogação”. A banda que o acompanha é a Diabos do Céu, regida
por Pixinguinha.
Em 1936, mais um disco de carnaval, em que registra “Se a
orgia acabar” e “Viva a liberdade”.
Ainda em 1936, assina contrato com uma rádio, à época chamada
Transmissora Brasileira, dois anos depois rebatizada para Rádio Globo. Recebe
bom pagamento mensal e ainda faz propaganda de seus discos.
Francisco Alves o convida para um dueto em “Foi ela”, música
de Ary Barroso.
O grande maestro Radamés Gnattalli se junta a Orlando,
criando repertórios para os três discos já encomendados pela RCA Victor.
Recebe “Pela primeira vez”, de Noel Rosa. Escolhe ainda “História
joanina”, “Mágoas de caboclo” e “Tristeza”, dentre outras.
Chico Alves convida a Orlando para um jantar em companhia de
Getúlio Vargas, quando Orlando canta “Pálida morena” para o presidente. Getulio
se emociona e diz que lhe toca o modo como Orlando canta “as coisas do Brasil”.
Era véspera da inauguração da Rádio Nacional. Evento muito
esperado, seria aquela a primeira emissora verdadeiramente de alcance nacional.
Na noite de inauguração, Orlando canta “Caprichos do destino”
– com arranjo de Radamés. Tinha apenas 20 anos.
Quando canta “Lábio que beijei”, em 1937, música com
arranjos de Radamés e músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira, cria uma
explosão de ligações para a rádio de lojistas desesperados por discos com essa gravação.
A RCA cria um esquema especial para dar conta da demanda por
músicas de Orlando. A matriz quebra todos os recordes de vendagem. Lábios que
Beijei é a música mais executada no país.
A Rádio Nacional é obrigada a renegociar seu salário. Agora
ele apresenta um programa no horário nobre da maior emissora do país.
Orlando ainda
homenageia Noel Rosa, quando de sua morte com apenas 26 anos, regravando dois
clássicos de Pixinguinha: “Rosa” e “Carinhoso”. O cantor faz Pixinguinha chorar
no estúdio e faz lojistas se desesperarem por não darem conta da demanda pelo
álbum.
Em 1938, sai em turnê: Orlando pelo Brasil. Estréia por
Santos, causando os transtornos de sempre na cidade. De lá, recebe convite para
São Paulo, onde é recebido pelo povo nas ruas, congestionadas.
Na rádio, em função da quantidade de gente na porta do
prédio, pede que os equipamentos desçam até a calçada. A temporada se estende
por um mês e ele bate recorde de faturamento. Nunca um cantor vira tanto
dinheiro.
Transferindo as exibições para uma casa maior, Polytheama,
ainda assim se faz necessário levar o som para a multidão que não conseguia
ingressos. Só entra e sai com
seguranças.
Tinha meros 22 anos.
Quando conhece Mário Lago, grava “Enquanto houver saudade” e
“Nada além”. Esta última inaugura o canto moderno no Brasil, sem a voz
empostada.
No carnaval de 1939, Orlando apresenta o clássico “A
jardineira”.
Em um show em Campinas, recebe o valor de 15 mil dólares por
uma única apresentação.
Em 1940, numa apresentação em uma rádio em São Paulo, reuniu
150 mil pessoas no centro da cidade, que contava com 900 mil habitantes.
Nessa noite, ocorreu um episódio que acompanharia Orlando
por toda sua vida. Sofrendo de insônia, não conseguindo dormir, liga para o
serviço de quarto. Um enfermeiro aplica injeções de morfina. Além de
rapidamente viciante, ele já tinha experimentado essa substância em altas
doses, quando se acidentou no pé.
Segundo muitos, Orlando se viciou em morfina a partir desse
dia.
O ritmo intenso de viagens é desgastante. Apesar dos discos
lançados um após o outro, Orlando se mostra infeliz.
Alcoolizado, rescinde todos os contratos com a RCA Victor e
outros. Mantém apenas o vínculo com a Rádio Nacional.
No dia de sua última gravação pela RCA, Orlando se aplica
uma dose cavalar de morfina, canta “Terra boa”, “Faixa de cetim”, vira-se para
os músicos e avisa que a próxima canção seria sua última gravação pelo selo.
Passa um tempo livre, ao lado de sua namorada, a atriz Zezé
Fonseca.
Nessa época ele é atacado por uma gengivite ulcerativa
conhecida como “Guna”. Após um procedimento dentário atrapalhado, passa a
sofrer de dores dentárias muito fortes. Resultado: mais morfina para agüentar a
dor... Apesar de ser um droga controlada, no mercado negro era adquirida
facilmente.
Orlando conhece dois traficantes na Lapa e passa a ser o
cliente mais assíduo deles. Conforme o consumo aumentava, o preço subia.
Zezé Fonseca chega a se internar com Orlando, tentando fazê-lo
largar o vício. Somando-se a esse quadro dramático, Orlando perdeu todos os
dentes superiores e passou a usar dentadura.
Tentando largar a morfina, Orlando se afundou completamente
no álcool. Zezé desiste e abandona o “cantor das multidões”.
Orlando agora está constantemente, bêbado, maltrapilho e não
conseguia mais cantar – nem se apresentar para fazê-lo.
No carnaval de 1943, pela gravadora Odeon, ainda grava duas
faixas, mas sua voz não soa mais tão bem e seu imenso público se dispersa.
Chegando aos 30 anos, não era mais o jovem que emocionava ao
cantar. Era agora amargurado, drogado, bêbado e sua voz caiu no lugar-comum.
Em 1946, a rádio Nacional o dispensa. Em 1948, é a vez da
Odeon, que põe um fim na sua carreira.
Sua nova esposa consegue interná-lo para tratar o
alcoolismo. Quanto à morfina, provavelmente foi substituída pelo Demerol, uma
espécie de morfina sintética.
Em 1952, após acidente de trânsito, morre Francisco Alves.
Este foi outro baque terrível na vida de Orlando. No entanto, recebe convite da
Rádio Nacional para cantar em uma homenagem a seu padrinho.
Orlando aproveita bem a chance e faz uma apresentação
memorável. Assina com o selo Copacabana. Três anos depois, retorna à Odeon. Em
1959, assina de novo com na RCA. Segue carreira nas décadas seguintes, embora
sem nem mesmo sombra do que fora no passado.
Morreu em 1978, de isquemia cerebral.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A vida louca da
MPB”
Me lembro bem quando ele morreu,o programa da globo dizia Adeus Orlando Silva.
ResponderExcluirNão tenho lembranças dele vivo. Só de algumas músicas que ouvia em casa. Mas respeito muito essas pessoas: alcançar o sucesso de que desfrutaram é algo reservado somente aos gênios. Não tinha a indústria musical que passou a ser capaz de fabricar sucessos - só havia o talento, nada mais.
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