Ela foi, provavelmente, a maior
cantora do Brasil nas décadas de 1940 e 1950. Além da voz inconfundível,
notabilizou-se pela personalidade forte, indomável.
Casada com o também cantor
Herivelto Martins, suas brigas eram acompanhadas pelo público, por meio dos
jornais que não deixavam escapar uma polêmica.
Diversas das suas interpretações usavam
músicas escritas especialmente para ela, músicas essas contavam a sua própria
história. Compuseram para Dalva Ary Barroso, Nelson Cavaquinho, Ataulfo Alves.
Nascida Vicentina, em 1917, em Rio Claro, interior de São
Paulo, era filha de um clarinetista e boêmio de carteirinha. Seu pai desejava
tanto um filho que assim passou a tratar a filha: levava para rodas de bebuns, onde
Vicentina aprende a beber cachaça. Aprende a cantar os sucessos de Vicente
Celestino – que inspirou seu nome.
A família se muda para São Paulo, onde Vicentina estuda
canto lírico. Também se apresenta em shows de calouros.
Decide-se por mudar o nome, já que pretende o estrelato:
Dalva de Oliveira.
Inscreve-se no programa de calouros de Ary Barroso. Este,
por pouco não extermina qualquer pretensão profissional de Dalva. Após sua
apresentação, Ary lhe diz: “Volte imediatamente ao tanque, de onde nunca
deveria ter saído! Vá lavar roupa! A senhora jamais deveria abrir a boca para
cantar.”
Anos depois, Ary, arrependidíssimo do que dissera, escreve “Folha
morta” par Dalva, como um pedido de desculpas.
Em 1936, aos 19 anos, tenta a sorte no Rio de Janeiro,
sozinha. Um dia conhece um palhaço que formava dupla com um amigo. Chamava-se
Herivelto Martins. Não apenas de apaixonam como formam uma dupla, cuja química
era notável. A dupla de palhaços era formada com Nilo Chagas. Os três agora
formavam o Trio de Ouro.
Passam a dividir um quarto minúsculo na Praça Tiradentes.
Não se casam no papel e ainda dividem a fome e a vida precária, onde faltava
tudo.
Em 1937, o trio grava um compacto pela RCA Victor. Nesse ano
nasce o primeiro filho do casal, Pery Ribeiro. Futuramente também seria um
cantor de sucesso.
Mudam constantemente, sempre em pensões precárias de
periferia. Ainda assim recebem seus novos amigos, como Dorival Caymmi.
Dalva era obrigada até a se apresentar amamentando o filho,
por não ter com quem deixá-lo.
Porém, em 1938, o Trio de Ouro se apresenta em diversas rádios.
Dalva e Herivelto alugam um casebre. Usam lonas de circo para demarcar os
cômodos. No ano seguinte, oficializam a união.
Conforme as vacas magras de vão, Herivelto aluga um bom
apartamento no Rio Comprido, compra um carro.
Logo após, recebem um convite para se apresentarem no ínclito
Cassino da Urca.
Em 1941, assinam contrato fixo com o Cassino e adquirem um apartamento
no bairro da Urca.
Tornam-se freqüentadores do imóvel: Grande Otelo, Linda
Batista, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Dorival Caymmi. Este múltimo torna-se
compositor predileto da dupla.
Nessa época, Herivelto compõe um dos maiores clássicos
brasileiros, “Ave Maria do Morro”. Foi gravado pela esposa e tornou-se hit.
Francisco Alves, impressionado com a voz de Dalva, convida-a
para um dueto numa série de shows. Tornam-se um dos maiores pares músicas da
música brasileira.
Em 1942, o diretor de cinema norte-americano Orson Welles
desembarca no Brasil. Intenciona produzir uma série de documentários sobre o
Brasil. Necessitando de assistentes, convida Herivelto Martins e Grande Otelo. Welles
é hóspede do casal e elogia a macarronada de Dalva.
Com o dinheiro recebido dos patrocinadores americanos,
Herivelto compra uma casa na Ilha do Governador. Welles se apaixona pelo lugar,
tomando por hábito ficar horas e horas bebendo de frente para o mar.
Welles tenta, por fim, convencer a dupla, além de Grande
Otelo, a se mudar para os EUA e fazerem carreira por lá. Mas não consegue.
Tinham carreira consolidada no Brasil.
O Trio de Ouro inicia excursão pelo país. Herivelto dirige
todos os detalhes do show, do repertório à maquiagem da esposa. Também
centraliza as finanças e os contratos. Disso acarreta que Nilo recebia sua
parte normalmente, mas a parte de Dalva ficava com o marido. Ela não via o
dinheiro.
Para completar o quadro desfavorável à esposa, a relação se
torna violenta. Torna-se cada vez mais freqüente a entrada de Dalva em
prontos-socorros, por causa ferimentos decorrentes murros e pontapés do marido.
No entanto, Dalva revida. Herivelto também dá entrada em hospitais, vez ou
outra.
Em 1941, Dalva engravida de novo. No meio da gestação o
casal se envolve em outra briga, Herivelto agride a esposa violentamente,
empurra-a escada abaixo, levando ao abortamento do filho.
Dalva guarda o feto num vidro com álcool e o deixa exposto
no armário do banheiro. Quando as visitas perguntavam o motivo de ela ter feito
aquilo, responde: para que Herivelto não esqueça do que fez.
A vida de Dalva se torna um tormento nas mãos do marido.
Após terminar suas apresentações no Cassino, volta para casa a pé, é obrigada a
cozinhar para um monte de homens, amigos do marido, arrumar a cama para os
bebuns que não queriam voltar para casa.
Como se não fosse o suficiente, Dalva percebe os sinais das
diversas traições que Herivelto perpetrava. O marido, pai de dois filhos, chega
mesmo a conhecer uma aeromoça gaúcha e a apresenta como namorada para seus amigos.
O casamento sobrevive por mais dois ou três anos, apenas
porque temem que o Trio de desfaça. Diante da indecisão de Herivelto, Dalva
procura a moça e diz não sentir nada pelo cafajeste e dá início ao processo de desquite.
O Trio ainda viaja a convite de Dercy Gonçalves para
realizar shows na Venezuela. Diante do fracasso, Dercy foge de volta para o
Brasil, mas deixa o Trio para trás. Sem dinheiro e abandonados, cada um parte
para fazer seus próprios shows.
Dalva é a mais bem sucedida e consegue o dinheiro para
voltarem ao Brasil. No retorno, param em Belém, onde se apresentam e logo são
um grande sucesso. Alugam um casarão e passam três meses se apresentando.
Herivelto sente que perdeu definitivamente a esposa e
retorna ao Rio sozinho. Dalva permanece em Belém e, quando recebe seu primeiro
pagamento diretamente, sem intermédio do marido, chora. Finalmente ela tinha idéia
do quanto valia seu trabalho, de verdade.
Aos 32 anos, Dalva volta ao Rio de Janeiro. O marido já não
mora na mesma residência. Ela então grava seu primeiro sucesso solo: “Tudo
acabado”:
Tudo acabado entre nós, já não há mais nada
Tudo acabado entre nós hoje de madrugada
Você chorou e eu chorei, você partiu e eu fiquei
Se você volta outra vez, eu não sei
(...)
Começa aí a histórica lavação de roupa suja em palco.
Herivelto se sente ofendido e procura os jornais. Passa a difamar a ex-esposa,
revelando detalhes da convivência enquanto casal.
Dalva fecha um contrato com a Odeon e passa a fazer parte
dos artistas fixos da Rádio Nacional. Quando grava “Que será?”, torna-se
definitivamente uma diva brasileira.
Ainda não recuperado do golpe que sofrera, Herivelto grava “Caminho
certo”, como resposta a Dalva:
Eu deixei o meu caminho certo,
E a culpada foi ela,
Transformava o lar na minha ausência,
Em qualquer coisa abaixo da decência,
Compreendi que estava tudo errado,
E amargurado parti, perdoando o pecado,
Mas deixei o meu caminho certo,
E a culpada foi ela.
(...)
Essa insistência de Herivelto tornou diversos artistas
solidários a Dalva. Esses escreveram uma série de letras para Dalva, de maneira
a responder o ex-marido à altura. Entre eles, Nelson Cavaquinho e Ataulfo
Alves.
Esses ataques deixaram o ex-marido ainda mais inspirado.
Porém, pouco tempo depois, ele estava totalmente isolado e abandonado no meio
musical, enquanto Dalva vivia um estrelato cada vez mais iluminado.
Indignado, desiludido e sozinho, Herivelto grava “Falso
amigo”.
Em 1951, após dois anos desde a separação, Herivelto se
reúne com o jornalista David Nasser e escreve uma série de 22 artigos no Diário
da Noite. Volta a difamar Dalva, escancara mais detalhes do casamento. Assim,
ele enterra definitivamente qualquer chance de um dia voltar a fazer sucesso
musical.
Por sua vez, Dalva não para de brilhar.
No auge do conflito, um fato deixou a cidade em polvorosa.
Dalva e Herivelto marcam, simultaneamente, shows na Praça Tiradentes. Hericelto
canta com o reformulado Trio de Ouro. Dalva se apresenta sozinha. O sucesso da
cantora obriga a polícia a fazer sua escolta na entrada e na saída do Teatro.
Com muito dinheiro no bolso, resolve comprar sua própria
casa. Agora, só sua e de seus filhos.
Dalva não para de ser assediada. O flerte com o ator
Procópio Ferreira é um dos mais conhecidos. Ele compra um piano para a nova
casa da estrela. Compra ainda um carro Austin zero quilômetro para a nova namorada.
Mesmo assim o pai de Bibi Ferreira não consegue o casamento
disputado.
A honra cabe a Tito Clemente, o Fred Astaire Argentino. Portenho
de modos refinados, encanta Dalva.
Em 1952, a Rainha do Rádio embarca para shows na Europa. Em
Londres, canta para a rainha Elizabeth. Nessa viagem, Dalva e Tito se casam em
Montmartre, em Paris.
O ritmo de trabalho não arrefece. Shows e gravações se
atropelam. Aí se inicia o alcoolismo que a afligiria por toda a vida.
Para aliviar o estresse, passa a beber conhaque em grande
quantidade. Tito abandona sua carreira em Buenos Aires e se muda para o Brasil,
e para Dalva. Agora é seu empresário. Adotam uma filha, Dalva Lúcia.
Tito é empresário rigoroso e exige disciplina. Necessariamente,
entram em choque. Tito exige que Dalva pare de beber. Não tem sucesso.
Sua filha é uma das pessoas a perceberem a mudança drástica
de personalidade quando Dalva começa a beber. Depois de quatorze anos de
convivência, em 1965 Tito desiste do casamento e retorna à Argentina. A
filhinha do casal escolhe ir com o pai. Dalva não consegue mais restabelecer
contato com os dois.
Desde então, sua única companhia é o conhaque.
Em 19 de agosto de 1965, Dalva sofre um acidente com seu
Oldsmobile no Túnel Novo, em Copacabana. Mata quatro pessoas. O motorista era
seu novo namorado, Nuno. Comentários à época indicariam que o casal tinha uma
discussão verborrágica por causa de flertes que Dalva dirigia a outro homem.
Permanece em coma por dias, sofre afundamento no maxilar,
além de uma fratura na bacia. Uma cicatriz a acompanhara até a morte.
Desaparece dos palcos e se afunda no álcool.
Atolada em dívidas, Dalva recorre à Odeon e pede um
adiantamento, em troca de um novo disco. OS executivos se aproveitam de seu
momento de fraqueza. Aceitam adiantar recursos a ela, desde que ceda todos os
direitos sobre os matérias já lançados. Dalva não tem como recusar essa oferta,
bastante desvantajosa.
Sente-se humilhada. Seu fígado dá avisos de falência. Está
sozinha.
Algum tempo depois, no México, acompanhando seu filho Pery,
Dalva é convidada para dar uma canja num restaurante. Não consegue sequer
emitir ruídos. Está completamente embriagada e chora abraçada ao filho.
Contudo, uma gravação de “Máscara Negra” começa a fazer
sucesso, no Brasil.
No início da década de 19710, Dalva parece reviver momentos
felizes. É convidada para espetáculos, programas de televisão.
Porém, os problemas com o álcool permanecem. Chega a ser
vetada no programa de Lúcio Alves por estar de pileque antes mesmo de entrar no
palco. A TV Tupi a proíbe até de entrar na emissora.
É forçada a ir volta e meia ao hospital fazer pulsões para
tirar líquido do abdômen. Sofre de cirrose hepática.
Um dia, saindo do hospital e indo direto para as gravações,
registra “Bandeira Branca”. Essa música se torna clássico de todos os
carnavais.
Seu filho Pery revela que, tendo sido convidada para um show
em Salvador, precisou ser rebocada de um boteco. Suas aparições na TV
continuavam sendo canceladas por causa dos pileques.
Ainda assim, continua casada com Nuno, 20 anos mais jovem.
Aliás, ele permanece ao seu lado até seu último momento de vida.
Em 1972, é internada com cirrose hepática avançada. Seu
boletim médico vaza para a imprensa. O hospital amanhece cercado por fãs.
Amigos se unem para pagar as despesas médicas de Dalva.
Após agonizar por dias, em 30 de agosto de 1972 desperta
pela última vez. Por volta das 17h, aos 55 anos, Dalva se despede
definitivamente.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A vida louca da
MPB”
Muitíssimo triste, a história de uma das maiores cantoras do Brasil! Lembro de ouvir no rádio muitas vezes, “Bandeira Branca”… sucesso absoluto!
ResponderExcluirQue triste,nossa,sofrida a vida da dica é amada Dalva
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