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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: DALVA DE OLIVEIRA


Ela foi, provavelmente, a maior cantora do Brasil nas décadas de 1940 e 1950. Além da voz inconfundível, notabilizou-se pela personalidade forte, indomável.

Casada com o também cantor Herivelto Martins, suas brigas eram acompanhadas pelo público, por meio dos jornais que não deixavam escapar uma polêmica.

Diversas das suas interpretações usavam músicas escritas especialmente para ela, músicas essas contavam a sua própria história. Compuseram para Dalva Ary Barroso, Nelson Cavaquinho, Ataulfo Alves.

Nascida Vicentina, em 1917, em Rio Claro, interior de São Paulo, era filha de um clarinetista e boêmio de carteirinha. Seu pai desejava tanto um filho que assim passou a tratar a filha: levava para rodas de bebuns, onde Vicentina aprende a beber cachaça. Aprende a cantar os sucessos de Vicente Celestino – que inspirou seu nome.

A família se muda para São Paulo, onde Vicentina estuda canto lírico. Também se apresenta em shows de calouros.

Decide-se por mudar o nome, já que pretende o estrelato: Dalva de Oliveira.

Inscreve-se no programa de calouros de Ary Barroso. Este, por pouco não extermina qualquer pretensão profissional de Dalva. Após sua apresentação, Ary lhe diz: “Volte imediatamente ao tanque, de onde nunca deveria ter saído! Vá lavar roupa! A senhora jamais deveria abrir a boca para cantar.”

Anos depois, Ary, arrependidíssimo do que dissera, escreve “Folha morta” par Dalva, como um pedido de desculpas.

Em 1936, aos 19 anos, tenta a sorte no Rio de Janeiro, sozinha. Um dia conhece um palhaço que formava dupla com um amigo. Chamava-se Herivelto Martins. Não apenas de apaixonam como formam uma dupla, cuja química era notável. A dupla de palhaços era formada com Nilo Chagas. Os três agora formavam o Trio de Ouro.

Passam a dividir um quarto minúsculo na Praça Tiradentes. Não se casam no papel e ainda dividem a fome e a vida precária, onde faltava tudo.

Em 1937, o trio grava um compacto pela RCA Victor. Nesse ano nasce o primeiro filho do casal, Pery Ribeiro. Futuramente também seria um cantor de sucesso.

Mudam constantemente, sempre em pensões precárias de periferia. Ainda assim recebem seus novos amigos, como Dorival Caymmi.

Dalva era obrigada até a se apresentar amamentando o filho, por não ter com quem deixá-lo.

Porém, em 1938, o Trio de Ouro se apresenta em diversas rádios. Dalva e Herivelto alugam um casebre. Usam lonas de circo para demarcar os cômodos. No ano seguinte, oficializam a união.

Conforme as vacas magras de vão, Herivelto aluga um bom apartamento no Rio Comprido, compra um carro.

Logo após, recebem um convite para se apresentarem no ínclito Cassino da Urca.

Em 1941, assinam contrato fixo com o Cassino e adquirem um apartamento no bairro da Urca.

Tornam-se freqüentadores do imóvel: Grande Otelo, Linda Batista, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Dorival Caymmi. Este múltimo torna-se compositor predileto da dupla.

Nessa época, Herivelto compõe um dos maiores clássicos brasileiros, “Ave Maria do Morro”. Foi gravado pela esposa e tornou-se hit.

Francisco Alves, impressionado com a voz de Dalva, convida-a para um dueto numa série de shows. Tornam-se um dos maiores pares músicas da música brasileira.

Em 1942, o diretor de cinema norte-americano Orson Welles desembarca no Brasil. Intenciona produzir uma série de documentários sobre o Brasil. Necessitando de assistentes, convida Herivelto Martins e Grande Otelo. Welles é hóspede do casal e elogia a macarronada de Dalva.

Com o dinheiro recebido dos patrocinadores americanos, Herivelto compra uma casa na Ilha do Governador. Welles se apaixona pelo lugar, tomando por hábito ficar horas e horas bebendo de frente para o mar.

Welles tenta, por fim, convencer a dupla, além de Grande Otelo, a se mudar para os EUA e fazerem carreira por lá. Mas não consegue. Tinham carreira consolidada no Brasil.

O Trio de Ouro inicia excursão pelo país. Herivelto dirige todos os detalhes do show, do repertório à maquiagem da esposa. Também centraliza as finanças e os contratos. Disso acarreta que Nilo recebia sua parte normalmente, mas a parte de Dalva ficava com o marido. Ela não via o dinheiro.

Para completar o quadro desfavorável à esposa, a relação se torna violenta. Torna-se cada vez mais freqüente a entrada de Dalva em prontos-socorros, por causa ferimentos decorrentes murros e pontapés do marido. No entanto, Dalva revida. Herivelto também dá entrada em hospitais, vez ou outra.

Em 1941, Dalva engravida de novo. No meio da gestação o casal se envolve em outra briga, Herivelto agride a esposa violentamente, empurra-a escada abaixo, levando ao abortamento do filho.

Dalva guarda o feto num vidro com álcool e o deixa exposto no armário do banheiro. Quando as visitas perguntavam o motivo de ela ter feito aquilo, responde: para que Herivelto não esqueça do que fez.

A vida de Dalva se torna um tormento nas mãos do marido. Após terminar suas apresentações no Cassino, volta para casa a pé, é obrigada a cozinhar para um monte de homens, amigos do marido, arrumar a cama para os bebuns que não queriam voltar para casa.

Como se não fosse o suficiente, Dalva percebe os sinais das diversas traições que Herivelto perpetrava. O marido, pai de dois filhos, chega mesmo a conhecer uma aeromoça gaúcha e a apresenta como namorada para seus amigos.

O casamento sobrevive por mais dois ou três anos, apenas porque temem que o Trio de desfaça. Diante da indecisão de Herivelto, Dalva procura a moça e diz não sentir nada pelo cafajeste e dá início ao processo de desquite.

O Trio ainda viaja a convite de Dercy Gonçalves para realizar shows na Venezuela. Diante do fracasso, Dercy foge de volta para o Brasil, mas deixa o Trio para trás. Sem dinheiro e abandonados, cada um parte para fazer seus próprios shows.

Dalva é a mais bem sucedida e consegue o dinheiro para voltarem ao Brasil. No retorno, param em Belém, onde se apresentam e logo são um grande sucesso. Alugam um casarão e passam três meses se apresentando.

Herivelto sente que perdeu definitivamente a esposa e retorna ao Rio sozinho. Dalva permanece em Belém e, quando recebe seu primeiro pagamento diretamente, sem intermédio do marido, chora. Finalmente ela tinha idéia do quanto valia seu trabalho, de verdade.

Aos 32 anos, Dalva volta ao Rio de Janeiro. O marido já não mora na mesma residência. Ela então grava seu primeiro sucesso solo: “Tudo acabado”:

Tudo acabado entre nós, já não há mais nada
Tudo acabado entre nós hoje de madrugada
Você chorou e eu chorei, você partiu e eu fiquei
Se você volta outra vez, eu não sei
(...)

Começa aí a histórica lavação de roupa suja em palco. Herivelto se sente ofendido e procura os jornais. Passa a difamar a ex-esposa, revelando detalhes da convivência enquanto casal.

Dalva fecha um contrato com a Odeon e passa a fazer parte dos artistas fixos da Rádio Nacional. Quando grava “Que será?”, torna-se definitivamente uma diva brasileira.

Ainda não recuperado do golpe que sofrera, Herivelto grava “Caminho certo”, como resposta a Dalva:

Eu deixei o meu caminho certo,
E a culpada foi ela,
Transformava o lar na minha ausência,
Em qualquer coisa abaixo da decência,
Compreendi que estava tudo errado,
E amargurado parti, perdoando o pecado,
Mas deixei o meu caminho certo,
E a culpada foi ela.
(...)

Essa insistência de Herivelto tornou diversos artistas solidários a Dalva. Esses escreveram uma série de letras para Dalva, de maneira a responder o ex-marido à altura. Entre eles, Nelson Cavaquinho e Ataulfo Alves.

Esses ataques deixaram o ex-marido ainda mais inspirado. Porém, pouco tempo depois, ele estava totalmente isolado e abandonado no meio musical, enquanto Dalva vivia um estrelato cada vez mais iluminado.

Indignado, desiludido e sozinho, Herivelto grava “Falso amigo”.

Em 1951, após dois anos desde a separação, Herivelto se reúne com o jornalista David Nasser e escreve uma série de 22 artigos no Diário da Noite. Volta a difamar Dalva, escancara mais detalhes do casamento. Assim, ele enterra definitivamente qualquer chance de um dia voltar a fazer sucesso musical.

Por sua vez, Dalva não para de brilhar.

No auge do conflito, um fato deixou a cidade em polvorosa. Dalva e Herivelto marcam, simultaneamente, shows na Praça Tiradentes. Hericelto canta com o reformulado Trio de Ouro. Dalva se apresenta sozinha. O sucesso da cantora obriga a polícia a fazer sua escolta na entrada e na saída do Teatro.

Com muito dinheiro no bolso, resolve comprar sua própria casa. Agora, só sua e de seus filhos.

Dalva não para de ser assediada. O flerte com o ator Procópio Ferreira é um dos mais conhecidos. Ele compra um piano para a nova casa da estrela. Compra ainda um carro Austin zero quilômetro para a nova namorada.  

Mesmo assim o pai de Bibi Ferreira não consegue o casamento disputado.

A honra cabe a Tito Clemente, o Fred Astaire Argentino. Portenho de modos refinados, encanta Dalva.

Em 1952, a Rainha do Rádio embarca para shows na Europa. Em Londres, canta para a rainha Elizabeth. Nessa viagem, Dalva e Tito se casam em Montmartre, em Paris.

O ritmo de trabalho não arrefece. Shows e gravações se atropelam. Aí se inicia o alcoolismo que a afligiria por toda a vida.

Para aliviar o estresse, passa a beber conhaque em grande quantidade. Tito abandona sua carreira em Buenos Aires e se muda para o Brasil, e para Dalva. Agora é seu empresário. Adotam uma filha, Dalva Lúcia.  

Tito é empresário rigoroso e exige disciplina. Necessariamente, entram em choque. Tito exige que Dalva pare de beber. Não tem sucesso.

Sua filha é uma das pessoas a perceberem a mudança drástica de personalidade quando Dalva começa a beber. Depois de quatorze anos de convivência, em 1965 Tito desiste do casamento e retorna à Argentina. A filhinha do casal escolhe ir com o pai. Dalva não consegue mais restabelecer contato com os dois.

Desde então, sua única companhia é o conhaque.

Em 19 de agosto de 1965, Dalva sofre um acidente com seu Oldsmobile no Túnel Novo, em Copacabana. Mata quatro pessoas. O motorista era seu novo namorado, Nuno. Comentários à época indicariam que o casal tinha uma discussão verborrágica por causa de flertes que Dalva dirigia a outro homem.

Permanece em coma por dias, sofre afundamento no maxilar, além de uma fratura na bacia. Uma cicatriz a acompanhara até a morte.

Desaparece dos palcos e se afunda no álcool.

Atolada em dívidas, Dalva recorre à Odeon e pede um adiantamento, em troca de um novo disco. OS executivos se aproveitam de seu momento de fraqueza. Aceitam adiantar recursos a ela, desde que ceda todos os direitos sobre os matérias já lançados. Dalva não tem como recusar essa oferta, bastante desvantajosa.

Sente-se humilhada. Seu fígado dá avisos de falência. Está sozinha.

Algum tempo depois, no México, acompanhando seu filho Pery, Dalva é convidada para dar uma canja num restaurante. Não consegue sequer emitir ruídos. Está completamente embriagada e chora abraçada ao filho.

Contudo, uma gravação de “Máscara Negra” começa a fazer sucesso, no Brasil.

No início da década de 19710, Dalva parece reviver momentos felizes. É convidada para espetáculos, programas de televisão.

Porém, os problemas com o álcool permanecem. Chega a ser vetada no programa de Lúcio Alves por estar de pileque antes mesmo de entrar no palco. A TV Tupi a proíbe até de entrar na emissora.

É forçada a ir volta e meia ao hospital fazer pulsões para tirar líquido do abdômen. Sofre de cirrose hepática.

Um dia, saindo do hospital e indo direto para as gravações, registra “Bandeira Branca”. Essa música se torna clássico de todos os carnavais.

Seu filho Pery revela que, tendo sido convidada para um show em Salvador, precisou ser rebocada de um boteco. Suas aparições na TV continuavam sendo canceladas por causa dos pileques.

Ainda assim, continua casada com Nuno, 20 anos mais jovem. Aliás, ele permanece ao seu lado até seu último momento de vida.

Em 1972, é internada com cirrose hepática avançada. Seu boletim médico vaza para a imprensa. O hospital amanhece cercado por fãs. Amigos se unem para pagar as despesas médicas de Dalva.

Após agonizar por dias, em 30 de agosto de 1972 desperta pela última vez. Por volta das 17h, aos 55 anos, Dalva se despede definitivamente.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A vida louca da MPB”


2 comentários:

  1. Muitíssimo triste, a história de uma das maiores cantoras do Brasil! Lembro de ouvir no rádio muitas vezes, “Bandeira Branca”… sucesso absoluto!

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  2. Que triste,nossa,sofrida a vida da dica é amada Dalva

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