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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: CAZUZA


Na sexta-feira Santa de abril de 1958, veio ao mundo o mais famoso exagerado do rock nacional. Batizado Agenor de Miranda Araújo Neto, ainda no útero recebeu o apelido pelo qual seria conhecido por toda a sua vida, Cazuza.

O parto foi doloroso e sua mãe, dona Lucinha, não mais poderia ter filhos novamente.

Filho do Poderoso Chefão da Som Livre, João Araújo, empresário do meio musical reconhecido por ter descoberto alguns dos maiores nomes da música brasileira, como Caetano Veloso, Gal Costa, Elis Regina, Jorge Bem, Rita Lee, Novos Baianos, dentre outros, Cazuza transitava desde cedo entre cantores e atores. A Som Livre foi uma gravadora subsidiária da Rede Globo pensada para explorar o grande “filão” das trilhas sonoras das novelas da emissora.

Aos cinco anos, é aprovado para estudar no colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Apesar disso, suas notas são muito baixas. Ainda nessa escola, Cazuza torna-se amigo de Pedro Bial.

Numa das aventura da duplinha, Cazuza e Bial vão à casa de Vinicius de Moraes, realizar uma entrevista com o poetinha, como atividade extra num trabalho do colégio. Quem marcou o encontro foi João Araújo. Após uma tarde inteira sorvendo uísques cowboy com Vinicius, os dois voltam para casa completamente bêbados.

Na infância, o talento que desponta com mais intensidade em Cazuza seus desenhos.

Aprende a dirigir antes dos 12 anos. Ainda na escola, vai dirigindo, com permissão dos pais.

Em 1970, seus pais se mudam para o Leblon. Nesse bairro, após se tornar freqüentador da Pizzaria Guanabara, descobre a boemia, os baseados. Aos 14 anos já não tinha hora para voltar para casa.

Suas notas na escola sofrem um descenso que culmina com sua expulsão do Santo Inácio. A partir daí, troca de escolas, uma após a outra.

Aos 15, sua mãe flagra maconha nas suas coisas. Joga tudo na privada, apenas para ouvir Cazuza a acusando de jogar dinheiro fora.

Aos 18, é aprovado para cursas Comunicação, mas não se matricula. Ainda é totalmente atraído pela praia, noitadas, bebida, cigarro, sexo... Sem restrição de gênero. Garotos ou garotas, ou os dois ao mesmo tempo.

Aos 20, é aprovado em outro vestibular. E repete a atitude, não cursando a faculdade. Nesses anos, Cazuza já estava aficionado por cocaína, LSD e Mandrix. Essa última droga era um comprimido para dormir. Mas a juventude descobrira que, combinada com álcool, tinha efeito sedativo e alucinógeno.  A mais famosa usuária foi Christiane F., aquela do filme.

Na companhia do pai, vez ou outra também curtia um pilequinho de uísque.

Em 1976, Cazuza parte para Londres. Vai aos museus, assiste a shows, e bebe todos os dias.

Volta ao Brasil e tenta vestibular para jornalismo. É aprovado e ganha o presente prometido pelo pai: um automóvel. Recebida a recompensa, volta à faculdade e tranca o curso.

Aos 20 anos, seu pai o emprega na assessoria de imprensa de Sandra de Sá. Como seu pai era receoso quanto ao comportamento profissional do filho, não o põe na folha de pagamento da Som Livre, pagando o salário seu próprio bolso.

Após embolsar o primeiro salário, Cazuza se muda de “mala e cuia” para o apartamento de um casal de amigos, viciados em heroína, na Lagoa.

No ano seguinte, Cazuza parte para San Francisco, California. Pretende estudar fotografia. Lá chegando, troca os planos por muita bebida, drogas, sexo. Retorna com material fotográfico que comprado e sem ter feito o curso.

Aos 21 anos, Cazuza conhece Ney Matogrosso. Por três meses, vivem um tórrido romance. Ney é um dos cantores de maior sucesso no Brasil e passa a freqüentar a noitada carioca ao lado do garoto, de quem futuramente gravará alguns sucessos.

A Som Livre adquire a RGE e Cazuza é contratado como fotógrafo freelancer. Aluga um apartamento em Ipanema, que logo vira um concorrido “point”. Durante todo o dia, artistas, surfistas, modelos, traficantes entravam e saíam do “cafofo” do Cazuza. O consumo de bebidas e drogas corria solto.

Um dia, o zelador do edifício telefonou para João Araujo, pai de Cazuza e fiador do apartamento, ameaçando denunciar o rapaz para a polícia. João, zeloso quanto a seu nome e à sua posição, rescinde o contrato e Cazuza volta para a casa dos pais.

Aos 23, Cazuza conhece o ator Sérgio Dias. Ao lado de Serginho, Cazuza conhece o teatro, matricula-se no curso de Perfeito Fortuna, depois com o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone”, é um dos fundadores do Circo Voador – na época localizado no Arpoador.

Ao lado de Bebel Gilberto, entra para o grupo Nossa Senhora dos Navegantes. Com Bebel e Serginho, atua na peça “Parabéns pra Você”, cantando Odara, de Caetano Veloso, e a trilha de “A noviça rebelde”, Edelweiss.

Em 1981, Léo Jaime avisa a Cazuza sobre um grupo de rock formado por garotos que moram no Rio Comprido. O nome da Banda era Barão Vermelho e precisavam de um vocalista. Cazuza se apresenta, solta a voz, ensaia uns trejeitos de band leader e é admitido no grupo.

A reboque do novo cantor, a passa passou a contar com um ótimo letrista. Embora vocalista de uma banda de rock, as influências musicais de Cazuza se estendem além do rock. Ele admira Dolores Duran, poesias beatnik, Billie Hollyday. Frejat e Cazuza passavam horas fumando baseados e compondo músicas.

A estréia da banda ocorre num playground de um condomínio na Barra da Tijuca. Cazuza se apresenta bêbado, cantando com a braguilha aberta. São vaiados incessantemente. Então ele abaixa a calça e põe o microfone no lugar do pênis. É sua mãe, na platéia, quem tenta conter o público.

Seu segundo show é assistido por seu pai, ao lado de Moraes Moreira. Ao fim do show, seu pai sugere que o filho estude canto...

Insistentes, gravam uma fita demo em um pequeno estúdio. A fita cai nas mãos de Leonardo Neto, que trabalha com os produtores Ezequiel Neves e Nelson Motta. Ezequiel – funcionário da Som Livre - gosta do que ouve e liga para Lucinha, querendo conhecer o autor das canções.      

Quando Lucinha diz que foi  Cazuza quem as escreveu, Ezequiel vê a chance de lançar um futuro sucesso. Apresenta as músicas a Guto Graça Mello, um dos grandes nomes da Som Livre e "mago" das trilhas sonoras das novelas da Globo. Guto também adora o que ouve.

Juntos, Zeca e Guto partem para o último e derradeiro desafio: convencer o presidente João Araújo a arriscar-se no lançamento da banda do filho, com todos os riscos que isso poderia implicar.

João aceita, mas sob a condição de usarem o selo Opus, da própria Som Livre.

A estréia em disco ocorre com o LP “Barão Vermelho”, de 1982. Cazuza grava o disco completamente bêbado de uísque. A recepção dói bastante favorável.

O primeiro show do disco ocorre num Circo Voador lotado. Na platéia, estão Angela Rô Rô, futura grande amiga, e Caetano Veloso, quem cantará “Todo o amor que houver nessa vida”, no show de “Uns”, no Canecão. O público somente descobre que a espetacular letra não é de Caetano, quando este diz o nome dos autores: Frejat e Cazuza. Caetano confessa serem eles os melhores poetas daquela nova geração.
Participam também da Discoteca do Chacrinha. Mas as vendas não superam as 8 mil cópias. As rádios também não tomam conhecimento.

Em 1983, lançam o segundo disco. Este álbum foi produzido, também, por Zeca e pelo norte-americano Andy Mills, ex-Alice Cooper. Ney Matogrosso escuta “Pro dia nascer feliz” antes do lançamento. Empolgado com a música, pede a Cazuza para gravá-la no seu próximo disco. Cazuza se recusa, pois será a música de trabalho do novo disco. Ney é desobediente: grava mesmo assim.

A faixa estoura no Brasil, na voz do Pavão Misterioso. Logo depois, as rádios passam a veicular a versão original da música, e o Barão Vermelho se prepara para o sucesso.

A véspera do lançamento do segundo disco, no Teatro Ipanema, é um sucesso, mas a véspera é marcada por uma febre inesperada, que acometeu Cazuza.

Meses depois, em show em São Paulo, a banda é surpreendida por uma batida policial em busca de drogas. Os policiais acham maconha em posse de Guta Graça. Este é levado à delegacia, mas Cazuza decide ir junto. Tudo isso é divulgado no Jornal Nacional.

No show seguinte, casa surpreendentemente lotada e, ao longo do show, centenas de baseados são lançados sobre o palco. Tornam-se ídolos revolucionários juvenis.

Noutra feita, em Sampa, Frejat se irrita com o fato de Cazuza estar há muito tempo no banheiro, com um rapaz, provavelmente consumindo cocaína. Frejat decide arrombar a porta, mas ela atinge a testa de Cazuza. Diante do sangue que escorria, foi levado ao hospital, levou pontos e voltou para o show. Durante a apresentação ainda tirou os pontos e cantou com o rosto coberto de sangue.

Apesar dos estardalhaços, “Barão Vermelho 2” só vende 15 mil cópias.

Em 1984, o Barão lança o álbum “Maior abandonado”. Cazuza justifica as letras que lembravam sambas-canções, ao afirmar que o álbum promovia o encontro entre rock`n roll e Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves. A boêmia e a fossa estavam no rock brasileiro.

O disco é um dos mais importantes do rock nacional, vende 100 mil cópias e garante o primeiro Disco de Ouro do grupo.

Mas os desentendimentos dentro do grupo avultam. Cazuza e Frejat saem aos tapas em Curitiba. Em Fortaleza, Cazuza deixa o palco nomeio da apresentação.

Às vésperas de assinar contrato para um quarto disco, Cazuza avisa aos membros que sairá da banda.

A Som Livre, então, opta por manter a banda Barão Vermelho sem Cazuza e, ao lado, contrata Cazuza como cantor solo.

As febres que eventualmente o acometiam se tornam a cada dia mais freqüentes. Uma semana após sair do grupo, Cazuza é acometido por convulsões. É internado e realiza exames para HIV. O resultado é negativo.
Durante o tempo de internação, um beija-flor entra no quarto do cantor. Inspirado, compõe “Codinome beija-flor”, ao lado de Zeca.

Em casa, começa a trabalhar no seu primeiro disco solo. Escreve “Exagerado” – composta ao lado de Zeca e Leoni. É um dos seus maiores sucessos. Também faz parte das faixas a música “Só as mães são felizes”, clara referência ao escritor beat Jack Kerouac.

O álbum foi um sucesso, assim como os shows. No entanto a Som Livre passou por uma reformulação geral e dispensa todo o seu panteão. Cazuza vai para a PolyGram. Lá, grava “Só se for a dois”.

Às vésperas do lançamento, Cazuza novamente sofre de febres que o obrigam a permanecer dias acamado. Realiza novos exames e, dessa vez, é diagnosticado como portador do vírus HIV. Cazuza recebe a notícia de seu médico, ao lado do escudeiro Ezequiel Neves.

Sua reação é de completo desespero. Em busca de reconforto, retorna à casa dos pais.

A doença é então plenamente desconhecida. Havia só uma certeza: a morte.

Após a turnê de “Só se for a dois”, Cazuza embarca para o maior centro de referência nos estudos e no tratamento, ainda incipiente, da AIDS, em Boston. Lá, é avisado de que se trata de uma doença que destrói o sistema imunológico e o paciente pode morrer de qualquer doença oportunista que o acometa. Deve levar uma vida saudável e regrada.

Quando do retorno ao Brasil, muda-se para um apartamento na Gávea, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Quanto a sua rotina saudável, manda às favas e mergulha na vida tresloucada de sempre. As bebedeiras e as festas tornam-se diárias.

No fim de 1987, baixa novamente no hospital, com as conhecidas fortes febres. Durante a internação, compõe, ao lado de Frejat, “Blues da Piedade”.

Diante da febre que não arrefecia, Cazuza voa novamente para Boston. Nessa temporada, os efeitos colaterais dos remédios que ingeria eram desgastantes.  

Cazuza aceita tornar-se cobaia de uma nova mediação: o AZT. Assina um termo de responsabilidade, haja vista o tratamento estar em experimentação.   

Retorna ao Brasil em fins de 1987. Dessa vez, Cazuza reúne os amigos e conta tudo, tanto sobre a doença quanto sobre o tratamento a que estava se submetendo. Para aliviar o estresse, dá uma festança de final de Reveillon.

No ano seguinte, começa a sofrer os conhecidos efeitos colaterais decorrentes do AZT. Os cabelos ficam ralos, o que o faz usar bandana nas apresentações.

Cazuza compõe sem parar. Escreve letras para Lobão, Ângela Rô Rô Rô e Fagner. Escreve “Quando eu estiver cantando”, para Maria Bethânia. Renato Russo a grava também.

Lança “Ideologia” no ano se seu aniversário de 30 anos. Esse disco vende 500 mil cópias. Cazuza está faturando alto.

Na trilha do sucesso de público e crítica, convida Ney Matogrosso para dirigir seu show, no Canecão. Todas as apresentações estavam lotadas e o rapaz arrancava gritos do público.

Mas Cazuza sofreria as conseqüências do consumo de álcool associado ao AZT. Uma ambulância passa a ficar constantemente na porta das casas onde se apresentava. Chega a desmaiar em meio a uma apresentação, em Belém. Vai direto para o CTI.

Cazuza também parece estar sendo afetado psicologicamente. Em São Paulo, no hotel, arruma uma confusão o leva a quebrar uma vidraça. O segurança, irritado, saca a arma. Cazuza, transtornado, abre os braços e o desafia a tirar.

A doença e os problemas que enfrenta, além do envelhecimento natural, despertam uma personalidade mais politizada, levando-o a fazer diversas críticas sociais e políticas.

Mas as polêmicas não pararam. Durante um show no Canecão, Cazuza cospe na bandeira do Brasil, jogada no palco por sua prima. Sua mãe tenta disfarçar o gesto, dizendo que Cazuza apenas quis cuspir uma pétala de rosa que havia engolido, quando elas eram lançadas sobre si, no fechamento dos shows. Mas o filho desmente e diz que o gesto foi real e pensado. Apenas extravasou os seus sentimentos mais sinceros.

No ano de 1988, as complicações de saúde atingiam um patamar ainda mais trágico. Nesse ano, viaja para Boston oito vezes. Apesar disso, sua rotina de bebedeiras e drogas não arrefece. É nessa época que experimenta ecstasy pela primeira vez.

Num momento de desespero, seu pai invade o apartamento do filho e quebra tudo lá dentro. Seus pais não conseguiam se conter diante da lenta morte do filho, às vezes com a sensação de que era aquilo que ele buscava.

Mas sua produção musical não para de crescer. Lança “O tempo não para – Ao vivo”. Trata-se de um registro dos shows dirigidos por Ney Matogrosso.

Em 24 de janeiro, realiza seu último show, em Recife. Completamente abatido, física e psicologicamente, chega a ser vaiado quando começou a fazer discursos no palco. Recitou uma poesia em inglês, teve de voltar ao camarim para respirar num tubo de oxigênio.

No carnaval de 1989, retorna a Boston. Ele passa a sofrer de alucinações. Os médicos reduzem a quantidade de AZT, para atenuar esses efeitos sobre o cérebro do cantor.

Antes de retornar ao Brasil, passa uns dias em NY, onde é entrevistado por Zeca Camargo, para a Folha de SP. Ali, ele assume ter a doença publicamente.

Após a publicação da entrevista, o Consulado Americano se recusa a renovar o visto do cantor para entrar nos EUA. Diante disso, seu tratamento estava suspenso. Um mês depois, é acometido por hepatite.

Deixa o apartamento na Gávea e adquire um no Leblon, vizinho de Fagner, seu amigo. Passa a morar com Bené, seu motorista, e duas enfermeiras.

Quanto às festas, nada mudou: álcool, pó e maconha à vontade. Seus pais, no entanto, o avisam de que estava provavelmente sendo roubado pelas pessoas que freqüentavam sua casa. O filho não demonstra qualquer reação.

Cazuza também achou tempo para mais uma experiência. Conhece a doutrina do Santo Daime, ao lado de Ney Matogrosso.

Lança um novo disco: Burguesia. Já estava se movimentando em cadeira de rodas e quase sem voz.
Foi quando levou um duro golpe da revista Veja. Esta publicou uma matéria que desancava Cazuza, pondo toda a sua obra no lixo. O título, por si só, já era bastante grosseiro, no estilo cultivado pela revista: “Cazuza, uma vítima da AIDS agoniza em praça pública”.

Após ler a matéria, a pressão de Cazuza cai abruptamente.

Apesar da “reporcagem”, profissionalmente, Cazuza recebe sete indicações ao Prêmio Sharp de Música: Ideologia, tanto o disco como a faixa são saudadas; Brasil, na versão de Gal Costa, é outra vitoriosa. No fim, a atriz Fernanda Montenegro lê uma nota de repúdio à revista Veja, assinada por mais de 500 artistas.
Quando o cantor surge, empurrado numa cadeira de rodas, magro e vestindo um turbante, declara: “O trabalho é a coisa que mantém a pessoa viva. Eu to vivo por causa do meu trabalho.”

Em agosto, mesmo com sua saúde ainda degringolando mais a cada dia, lança o álbum duplo “Burguesia”. Vende 250 mil cópias. As críticas negativas, em geral, partiam de quem se sentia pessoalmente ofendido com a letra.

Com as notícias sobre a piora de seu estado de saúde, funcionários da Som Livre viajaram a São Paulo para doar-lhe plaquetas. Ele estava internado no Hospital Nove de Julho.

Finalmente, após pressões diversas, o Consulado Americano aceita renovar o visto de Cazuza. Roberto Marinho empresta seu jato particular à família do músico. Montam uma UTI dentro da aeronave e Cazuza retorna a Boston.

Fica lá internado por 5 meses. Apesar da vigilância, consegue fumar no quarto.

Retorna ao Rio em março de 1990. Instala-se uma UTI no seu quarto, na casa dos pais. No seu aniversário, recebe Ney Matogrosso, Sandra de Sá e Ezequiel Neves.

Passa ainda 15 dias em Petrópolis, depois seguem para Angra dos Reis.

Prevendo poucos dias ainda de vida, compra um automóvel Veraneio preto, com dez lugares. Passeia, ao lado dos amigos, pela cidade que tanto amava. Ainda comparece à estréia do show Estrangeiro, de Cazuza, no Canecão.

Em 7 de julho de 1990, Cazuza agonizou pela última vez.

Sua mãe fundou a Sociedade Viva Cazuza, destinada a auxiliar crianças portadoras de HIV. Sua música se transformou em musical; ganhou uma biografia, escrita pela mãe, “Só as mães são felizes”. Filmou-se também sua vida, com produção de Sandra Werneck e Walter Carvalho.

Ao contrário do que dizia a “reporcagem” da Veja, sua obra tem permanecido no cenário musical, cada vez mais influente e respeitada, produto de um dos melhores artistas de sua geração.   


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”

SEXO, DROGAS E MPB: RAUL SEIXAS


Ele transitava bem entre estilos bastante diversos. Ia do rock ao baião, arriscava um tango, ensaiava um bolero, partia para o maxixe, escrevia um repente... Em Rockixe, ele já tratava dessas fusões inusitadas.
Com Paulo Coelho, seu parceiro musical por alguns anos, aprendeu sobre o satanismo de Aleister Crowley. Também foi Paulo quem apresentou o careta Raul às drogas.

E ele pôs isso tudo em suas letras e músicas.

Nascido em 1944, filho de um engenheiro ferroviário, ainda criança conheceu o sertão baiano.
Tinha um irmão, Plínio, que viria a ser um físico nuclear.

Já em Salvador, funda um clube do rock, com o nome de um de seus maiores ídolos, Elvis Presley. Aos 12 anos já fumava cigarros compulsivamente e oferecia cerveja aos colegas de Rock Club... Além de cantar os maiores sucessos de seus ídolos norte-americanos.

Seus hábitos - andar com garotos de famílias pobres e ouvir rock - chocava seus pais.

Já mais adolescente, Raul faz amizade com filhos de funcionários do Consulado americano, vizinho da casa de seus pais. Passa a ser chamado para as festinhas promovidas por eles e se espanta com o que vê: cigarros em abundância e espalhados pelas mesas, à disposição de quem quisesse, independente da idade; álbuns que ele não conseguiria escutar de outra maneira, pois eram indisponíveis no Brasil, como discos de Chuck Berry e Little Richard.

Ao lado do rock, Raul desenvolve paixão por outro ídolo: Luiz Gonzaga. Raul usava o mesmo ritmo quando tocava Gonzagão e quando tocava o Rei do Rock. Dizia: “O country americano e as músicas sertanejas de Luiz Gonzaga têm o mesmo sabor. O feeling é o mesmo”.

Apresenta-se primeiramente na TV Itapuã, da Bahia. Era um programa de calouros e Raul tira nota máxima. Coincidentemente, Gilberto Gil era funcionário da emissora e assistiu à apresentação do rapaz.

Aliás, Gil e Raul representavam bem a divisão musical que reinava naqueles tempos. Gil pertencia à turma do Teatro Vila Velha, ligado aos músicos da Bossa Nova. Raul era da turma do Cine Roma, composto por jovens rockeiros. É interessante ver essa oposição por meio das músicas de Raul.

Aos 15, funda a banda The Panthers. Algum tempo depois, são renomeados para Raulzito e os Panteras. Quando se tornam a banda mais famosa da Bahia, atraem a atenção de medalhões da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, que os convida para acompanhá-lo quando em shows pela Bahia.  

Aprovado no vestibular, sai com Jerry Adriani em turnê pelo interior da Bahia. Tornam-se muito amigos.
Adotando os símbolos da revolução comportamental, Raul faz seus primeiros fãs. Faz também seus primeiros detratores, pois o modo como dança e canta no palco leva algumas pessoas a terem medo dele, ou pensarem que sofria de epilepsia.

Após terminar a faculdade de Filosofia, Raul voa para o Rio de Janeiro. Pretende inicialmente escrever um livro sobre metafísica. Mas percebe que a música seria um veículo de maior alcance para suas idéias. Funda então um estilo musical e o batiza de “iê iê iê realista”.

Chegando ao Rio, procura seu amigo e futuro parceiro musical, Mauro Motta, na época produtor da CBS. Raul é contratado como produtor na gravadora.

Porém, a incompatibilidade entre Raul e diretoria da CBS o levam a desgastes psicológicos e a tomar tranqüilizantes para conseguir ir trabalhar. Não cogitava pedir demissão, pois o salário era muito bom.
Quanto a sua carreira de músico, estava vetada pela companhia, que não permitia que produtores também gravassem. Mas Raul era muito desobediente.

Quando o presidente da companhia, Evandro Ribeiro, sai de férias, Raul se junta a Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada e grava o álbum Sessão das Dez. O nome da banda era Sociedade da Grã-Ordem Kavernista. Quando retorna, Evandro o obriga a escolher uma das duas atividades.

Nessa época, Raul morava no Leblon, era casado como Edith e tinha uma filha, Simone.

Então, Raul conhece a irmã do guitarrista Jay Vaquer, Glória. Raul perde o chão e se separa de Edith. Comovido pelo fim do relacionamento anterior, compõe “Medo da chuva”. Edith se casa com um norte-americano, que passa a criar Simone. Também registra a menina em seu nome.

Em 1972, Raul decide pedir as contas na CBS. Necessita fazer isso para inscrever-se no Festival Internacional da Canção. Consegue superar a fase classificatória com duas músicas: “Let me sing, let me sing” e “Eu sou eu, Nicuri é o diabo”. Não vence, mas chama a atenção.

É contratado pelo Phillips, após uma reunião com Roberto Menescal.

Foi então que Raul, leitor de revistas esotéricas editadas pelo mago Paulo Coelho, decide convidá-lo para escrever algumas músicas com uma temática mais mística, própria dos anos 60 e 70. Foi Raul quem ensinou Paulo a compor músicas.

Paulo também apresenta as drogas a Raul. Todas! Maconha, ácido, chá de cogumelo, Mandrix. Paulo diz apenas não se lembrar de incluir cocaína. Um amplo cardápio para quem conhecia apenas a cerveja.

Quando lê Aleister Crowley, Raul se encanta e se torna imediatamente seguidor do satanista. Essa doutrina prega que a força representada por Satã é superior a Deus. A par dos ensinamentos, Raul toma parte no filme “Contatos imediatos do Quarto Graal”. É nessa fase que funda a Sociedade Alternativa, ao lado de Paulo Coelho.

Também do período é a música “Gita”. Espiritualizado, ele ganha um terreno em Minas Gerais e lá pretende fundar a Cidade das Estrelas, em 1974. Pretendia uma sociedade onde não haveria policiais, advogados etc.
Porém os planos foram abortados, pois ele chamava cada vez mais a atenção do regime militar. Raul não está entre os artistas formalmente exilados, mas revelou ter sido convidado a se retirar do país. Parte para Nova York, não sem antes deixar o disco “Gita” gravado.

Na agitada metrópole norte-americana, Raul mora num cubículo imundo, canta country music com chapéu de cowboy em troca de alguns níqueis, recolhe comida do lixo e chega a precisar  da ajuda de mendigos. Apesar de seus discos estarem vendendo bem no Brasil – “Gita” vendeu 600 mil cópias logo após o lançamento -, a Phillips não consegue realizar as transações internacionais para enviar dinheiro ao cantor.
Uma lenda faz parte desse período. Raul diz ter ficado três dias hospedado na residência de John Lennon. Lennon tinha fundado a sociedade New Utopian. Raul pretendia uni-la à sua Sociedade Alternativa. Esse encontro não foi comprovado.

Comprovada mesmo foi a trip que ele fez ao lado de Paulo coelho, em 1974, pelos EUA. Foram a Memphis, conhecer a casa de Elvis, e a NY, onde tentaram conversar com Lennon, mas sem sucesso. Somente conheceram Yoko...

Um dia, um funcionário do Consulado Brasileiro o procura no seu cubículo fétido e diz que ele já pode voltar pra casa. Quando chega, seus discos são um sucesso e Gita é entoada por Maria Bethânia em pleno Canecão.  

Raul, então, conhece Tânia Mena Barreto. Embora Glória tenha voltado dos EUA, desejando reatar o relacionamento entre ambos, Raul está na sua fase rebelde. Bebe e cheira bastante, e Glória volta para a América. O relacionamento com Tânia dura 2 anos.

Em 1977, Raul compõe “Maluco Beleza”com Cláudio Roberto, para o disco “O dia em que a Terra parou”. As demais faixas são compostas numa casa de campo, à base de intermináveis bebedeiras. Cláudio, ao contrário de Paulo Coelho, conhece música e compõe várias das melodias.  

Também foi quando conheceu Kika Seixas, com quem passou a dividir o teto.

Aos 35 anos. Raul dá entrada no Hospital. Teve de realizar um cirurgia para remoção de um cisto no pâncreas. Em decorrência dessa intervenção, perde 2/3 do órgão. Os médicos dizem que ele viverá mais 10 anos, no máximo.

Diante da notícia alarmante, Raul tenta parar de beber. Mas não consegue. Além disso, o álcool se torna cada vez prejudicial à sua saúde. Começa a faltar a apresentações, a sofrer crises no camarim, às vezes o impossibilitando de subir no palco.

Outro duro golpe no músico foi a censura da música Rock das Aranhas. A censura se limitou às apresentações em público, sendo a música liberada para compor as faixas do disco. Foi mais um caso de censura moral, suscitada pelo fato de a música retratar uma relação lésbica.

O abuso do álcool, somado às crises do cantor, prejudicam sobremaneira a carreira de Raul. Empresários e gravadoras passam a evitar o músico.

Pouco depois, é obrigado a passar um temporada nos EUA, por complicações relacionadas a seus divórcios. Raul se casou com três norte-americanas.

Em 1980, Raul deixa o Rio e se muda para São Paulo. Há um ano e meio sem gravadora, afundara-se no álcool e nas drogas. Em Sampa ainda tem uma filha, Vivian.

Assina contrato com a gravadora Eldorado. Feliz, afirma ter finalmente encontrado seu eldorado...

Deixou seu ponto de vista sobre o cenário musical brasileiro numa entrevista a Pedro Bial: dizia sentir falta da “pegada comportamentista” da sua juventude. Raul já parecia achar tudo muito careta naquela época...
Aos 38 anos, Raul já colecionava 16 LPs, mas sua carreira passava frequentemente por altos e baixos. Para Marília Gabriela, ele explicou que fazia reciclagem sempre que desaparecia, para voltar em uma nova fase.
A carreira de Raul, então, passa por uma nova ascensão. Emplaca o sucesso “Plunct Plact Zum”, parte de um especial da Rede Globo. Embora fosse claramente voltada para o público infantil, Raul via relação entre a letra e Pierre-Joseph Proudhon e os anarquistas.

O álbum seguinte se chama “Raul Seixas”. Na sequência, lança um livro “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Tor”. É uma coleção de seus diários pessoais, entre os sete e os quinze anos.

Aos 40, propõe uma experiência artística inusitada, no metrô de Sampa. Ao lado do pintor Ivan Granato e de Nelson Motta, o desafio era criar algo artisticamente relevante dentro dos vagões do metrô. Mas a ideia não chega a se materializar.

Pouco após, Raul agregara um novo vício a seu repertório: cheirar éter. Chegou a comprar um garrafão de cinco litros para aplacar a fissura. Simultaneamente, seu casamento com Kika chega ao fim. Raul, então, volta para a sua Bahia, onde passa uma temporada.

Retorna a Sampa já casado com Lena Coutinho. Vão morar no Butantã. Porém sua carreira, e sua vida pessoal, estavam no fundo do poço. Em show no Parque Lage, no Rio, completamente bêbado no palco, cai e recebe uma chuva de latinhas arremessadas pelo público.

Sua esposa força sua internação, contra sua vontade. Mas Raul contata toda sua família, exige que o retirem da clínica e termina o casamento com Lena. E volta às doideiras...

Noutra ocasião, Raul é vaiado quando se apresentava na Bahia. Na platéia estava o cantor Marcelo Nova – da banda Camisa de Vênus – assiste a tudo e sai em defesa de Raul. Marcelo grita a plenos pulmões que todos os rockeiros ali presentes deveriam agradecer muito ao cantor agora abatido. Tornam-se amigos e Raul é convidado para dar uma palhinha no disco solo de Marcelo, de 1988.

A re-estréia de Raul, após um longo interstício de 4 anos, ocorre no Teatro Castro Alves, em Salvador, ao lado de Marcelo Nova. Empolgados, decidem fazer outros shows no mesmo formato.

Porém, o Raul daqueles dias eram um homem alcoólatra, sem empresário, gravadora ou produtor. Está pobre e doente. Chega a pedir ajuda para comprar comida.

Raul faz um tratamento bucal que o obriga a arrancar todos os dentes da boca e implantar próteses. Retorna à Bahia e se esforça para cantar de novo. Ele e Marcelo conseguem realizar, juntos, mais de 50 shows em nove meses. Mas aquele ritmo era demasiado desgastante para Raul, quanto mais com sua insistência em não parar de beber.  

Em 1989, no Domingão do Faustão, Marcelo e Raul cantam Carpinteiro do Universo, para o disco que estavam lançando “Panela do Diabo”. Apesar do esforço, percebia-se claramente um Raul definhando, irreconhecível se comparado com seu auge.

Após, em show no Canecão, Raul convida Paulo Coelho, então na platéia, para subir ao palco e cantar Sociedade Alternativa. Foi a primeira vez que o mago cantou essa música, que compusera com o parceiro. Raul e Paulo estavam afastados desde 1974.

Raul se apresenta, por fim, em Brasília, em 1989. Quando retorna a Sampa, de madrugada, acha-se completamente bêbado. O porteiro o enfia no elevador e aperta o botão do seu andar.

Na manhã seguinte, sua secretária, Dalva, o encontra falecido, na cama.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A vida louca da MPB”


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: TIM MAIA


Segundo ele mesmo, ele foi um notório praticante de Triatlon: pó, uísque e maconha.

Sebastião Rodrigues Maia foi o mais novo de seis filhos. Nasceu em 1942, na Tijuca. Seu pai era dono de uma pensão, para viajantes sem teto no Rio.

Ainda cedo, Tião precisou trabalhar, sendo sua atividade mais conhecida no bairro entregador de marmitas. Ganhou aí seu primeiro apelido: Tião Marmiteiro.

Nessa época, conheceu Erasmo Carlos. Vizinho de Tião, Erasmo flagrou o Tião Marmiteiro traçando uma marmita de um cliente. Tião correu atrás do tremendão com uma barra de ferro.

Seu pai, percebendo o gosto do filho pela música, dá-lhe um violão e o matricula em aula de canto. Começa a se apresentar em feirinhas e quermesses. Ensina os acordes básicos a Erasmo, à época contando 17 anos. Erasmo apresenta Tião a um amigo, Jorge Bem.

Também nessa época, desembarca no Rio um capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos. Este deseja um teste na banda dos garotos iniciantes, The Sputnik. É aceito.

Contudo, um episódio traumático ocorreria logo em seguida. The Sputniks chama a atenção do apresentador Carlos Imperial. Este, apresentava o programa Clube do Rock, na TV Tupi.

O primeiro show na TV acaba em briga entre Tião e Roberto Carlos, na porta da emissora. É o fim do breve banda.

Na semana seguinte, pela TV, Tião assiste ao desafeto apresentando um número no mesmo programa. Foi apresentado pelo  Imperial como o “Elvis Presley brasileiro”.

Tião, revoltado, procura Imperial novamente e o convence a ouvi-lo cantando uma versão de “Long Tall Sally”. Imperial gosta mas se opõe ao nome artístico que o jovem exibia. Daí em diante, Tião Marmiteiro seria Tim.

Em 1958, chega ao fim o programa de Imperial, e com ele o espaço que Tim tinha para se apresentar. Sem emprego, prestes a completar 17 anos, parte para os EUA. Almeja estudar televisão. Lá, após ser adotado por uma família, passa a ser conhecido como Jimmy, the Brazilian. Arruma trabalho num supermercado, fuma o primeiro baseado e emplaca um conjunto musiacal, The Ideals.

Em 1963, com três amigos e a bordo de uma carro roubado, Tim cruza nove estados americanos. Cometem uma série de furtos, Tim é preso cinco vezes, por: agitação, bebedeira, roubo de combustível e posse de substâncias ilegais.

Ainda preso, envolve-se em problemas com outro preso e é deportado para o Brasil.

Aqui desembarcando, Tim descobre que seu país agora é uma ditadura militar. Ao ligar a televisão, descobre que seu antigos companheiros, Erasmo e Roberto Carlos formam uma famosa dupla de cantores que não saem da TV.

Logo após, Tim é preso pela polícia por furto; passa 10 meses na penitenciária. Nesse período era ainda mais torturado ouvindo os sucessos dos antigos parceiros musicais.

Ao ser libertado, Tim parte para São Paulo, desejando fazer contato com os antigos parceiros. Mas não consegue falar nem com Erasmo nem com Roberto.

Contudo Tim faz três novos amigos, igualmente malucos: Rita Lee, Arnal e Sérgio. O trio seria conhecido como Os Mutantes. Os novos amigos tomam ácido e vagam pelas ruas gastando a onda...

Também consegue ser aprovado para figurar no programa Quadrado e Redondo, que seria exibido pela TV Bandeirantes. Mas a atração não emplaca.

Em 1967, ainda sem conseguir achar alguma coisa para fazer, soube que Roberto Carlos estava na cidade. Novamente Roberto não o recebe, mas Tim consegue entregar ao astro uma fita cassete com duas composições próprias. Roberto gostou das músicas do velho Tião e passou a recomendá-lo a gravadoras.

Logo a CBS contrato Tim, que grava um compacto... que se torna um fracasso. A CBS dispensa logo o garoto.

Roberto Carlos procurou novamente o velho parceiro. Eram tempos de explosão da música soul e Roberto encomenda algo nesse estilo a Tim. Nasceu assim o primeiro sucesso do velho Tião: “Não vou ficar”. O sucesso parecia aguardar o garoto.

Rita Lee e Eramo Carlos convencem o todo-poderoso presidente da Phillips, André Midani, a contratar Tim.

Diante da iminência de um disco, Tim escreve “Azul da cor do mar” e “These are the songs”. Diz-se que Nelson Motta estava trabalhando no novo disco de Elis Regina, quando convida Tim para dar uma passada no estúdio. Tim chegou com um violão e cantou “These are the Songs”. Elis ouviu a música emocionada e começou a cantar com Tim. Logo a banda passou a acompanhar a cantoria. Nelson percebeu a magia do momento e apertou o “Rec”.

Essa gravação apresentou um novo ídolo ao Brasil.

O primeiro LP foi suado. Tim teve de fazer um grande malabarismo para driblar as limitações dos equipamentos de que dispunha. Os quatro canais tiveram de dar conta do vozeirão de Tim. O disco saiu em 1970 e foi um sucesso.

Realiza os shows num Teatro da Praia com gente saindo pela janela. Também corre solta a amada maconha. Diante de denúncias sobre o cheiro que saía do camarim, a polícia deu uma batida, mas nada encontrou. Só o cheirinho da erva descartada a tempo.

Aos 28 anos, Tim namora Janete e se muda para o Leblon.

E fatura. A Associação Brasileira de Cacau encomenda uma música ao novo ídolo. Nasce aí o sucesso “Chocolate”. Inicialmente um jingle, torna-se um clássico.

Em 1972, com o bolso cheio, Tim resolve passar um tempo e ondres. Pretende fazer contato com os grandes artistas brasileiros lá exilados na cidade: Caetano Veloso, Hélio Oitica, Gilberto Gil e Jorge Mautner. Tim mergulha com gosto na boemia londrina: LSD, haxixe e cocaína são companheiras de toda hora.

Quando do retorno, seus discos ainda vendiam sem parar. Com o ego nas alturas, Tim chega a distribuir ácido para os executivos da gravadora. Outra feita, destruiu o escritório do chefão da Phillips, André Midani.

São tempos de teatro lotado e público delirando.

Algum tempo depois, separa-se de Janete. Tim agora mora numa casa, na Estrada da Barra, ao lado da banda.

Um dia, Tim convida a ex para ficar com ele na nova casa. De madrugada, Janete dá entrada no pronto-socorro com o corpo todo machucado. Denunciou Tim por agressão.

Quando o delegado o intimou, Tim chegou acompanhado de Janete, abraçados. Disse que se tratou só de uma queda da escada. Janete confirmou tudo... E deixaram a delegacia.

Algum tempo depois, Tim passou a exibir uma barriga cada vez mais saliente. Brincava com o peso: “O problema do gordo é que quando ele beija, não penetra. E quando penetra, não beija”. Tenta se internar numa clínica de emagrecimento, mas foge logo depois: “Fiz uma dieta rigorosa, cortei álcool, gorduras e açúcar. Em duas semanas, perdi 14 dias.”

No final de 1974, Tim se transfere para a RCA Victor. Também termina com Janete e se junta com Geísa, então com 17 anos. Mas o relacionamento logo terminaria.

Passa por uma fase na qual apenas compunha músicas românticas. Larga o ácido, mas descobre a mescalina – uma espécie de alucinógeno.

Ainda gravando um álbum duplo, Tim recebe a visita de Geísa, desejando reatar com o cantor. Embora esteja grávida de um jogador de futebol, Tim acolhe aos dois – ele seria agora o padrasto de Léo. Logo depois Geísa fica grávida de Tim.

O álbum estava com as músicas prontas, faltando apenas as letras. Foi quando a vida de Tim deu outra reviravolta completa.

Tim tomou uma dose cavalar de mescalina e foi visitar um amigo. Lá chegando, seu amigo estava no banho. Enquanto aguardava e curtia a onda da mescalina, Tim deparou-se com um livro, Universo em Desencanto.

Pouco após, Tim estava em Belford Roxo, na casa de Manoel Jacintho Coelho, quem psicografou o livro. Manoel era mestre de uma nova doutrina, que fundara: Racional. Essa doutrina pregava que deveríamos atingir a Energia Racional, que somente seria alcançada se abolíssemos todos os alteradores de consciência. O resgate final ocorreria com a chegada de discos voadores.

Bom, Tim tornou-se fiel seguidor de Manoel Jacintho. Este ajuda Tim na composição de músicas que expliquem sua doutrina. Tim doa todo o mobiliário de seu apartamento, ficando com apenas um colchão.

Buscando alcançar a Energia Racional, Tim proíbe todos os músicos da banda de utilizar álcool, maconha, ácido e cigarro. Carne vermelha também está proibida. Sexo, só para procriação. Sua banda agora se chamava Seroma Racional. Tim chega a examinar a pupila e o hálito dos músicos, para saber se estavam seguindo as regras.

Tim perde peso pela primeira vez na vida. Sua voz também melhora. Aos 32 anos, sua voz estava no ápice.
Infelizmente a gravadora recusa-se a lançar o álbum duplo.

Tim, então, funda a Seroma Discos, gravadora própria. Prensa 500 cópias e passa a vendê-las nos dias de shows.

Tim agora só anda de branco e carrega livros da doutrina a tiracolo. Suas visitas também são solicitadas a usar vestes imaculadamente brancas logo que chegam. Tim e banda eram vistis pelas ruas do centro e de Copacabana cantando hinos Racionais.

Para completar, a banda somente poderia fazer shows gratuitos, como na penitenciária de Niterói.

Então outra reviravolta acomete o cantor. Três dias antes de completar 33 anos, Tim acorda com três desejos irrefreáveis: comer carne vermelha sangrenta, beber alguma coisa alcoólica e fumar um baseado. Larga imediatamente a doutrina-seita-religião Racional. Entra no seu apartamento arrancando as vestes brancas e xingando o antigo mestre.

A banda agradece aos céus o retorno do velho Tim.

Tim também pede que se destruam as cópias restantes de Racional.

Observação: o disco é excelente e hoje é um clássico, ainda mais valorizado pela dificuldade de encontrá-lo.
Quando acaba a fase Racional, Tim está sem dinheiro e a banda não é nem sombra do que fora no passado. Mas Tim quer recomeçar, e ele sabe como fazê-lo.

Passa a se apresentar em clubes e quadras, no subúrbio, concentrando-se nos seus maiores hits. O público adora o velho Tim. Os músicos também. A velha banda retorna e agora se chama Vitória Régia – nome da rua onde Tim reside agora.

O ano de 1977 vê a explosão da disco music. Nessa época, a nova droga apreciada no pedaço é a vodka em pó. Tim adota a disco music e a nova droga.

Financeiramente, sua vida entra em parafuso: processos, indenizações, penhoras etc. Suas dívidas se amontoam.

Guta Graça Mello, da Som Livre, adianta um valor a Tim, por um novo álbum. O álbum se torna um fracasso.

Agora, as gravadoras estavam cansadas das doideiras de Tim. Os shows cancelados afastam também os músicos.

Mas Tim era imprevisível. E isso quer dizer algo. O velho André Midani er agora o comandante da Warner. Traz Tim para a empresa. Sentindo-se bastante à vontade, Tim chama os amigos: Pepeu Gomes, Hyldon, Lincoln Olivetti, seleciona um repertório arrasador e lança o álbum “Disco club”, de 1978. Nesse clássico estão registrados “Acenda o farol” e “Sossego”.

A coroa volta ao Rei do pedaço.

Mas o Rei não muda. Troca incessantemente de gravadora e só para quando volta para a sua própria, a Seroma.

E é por meio dela que lança seu próximo trabalho. Lança um compacto, cujo lado B trazia “Do leme ao pontal”.

Com o dinheiro arrecadado, lanço o próximo álbum, “Nuvens”. O disco é fantástico, mas o trabalho de distribuição às lojas é péssimo. Quase não vende, porque as pessoas não o achavam.  

No ano seguinte, Tim lança “O descobridor dos sete mares” pelo selo Lança, da Phillips/Polygram. Neste, estão presentes a faixa-título e “Me dê motivo”. É um sucesso.

No ano seguinte, lança o álbum “Sufocante”, que não decola. Volta para a RCA, pega um adiantamento de 40 mil dólares... E compra um carro sem Nota Fiscal.

Pela RCA, desentende-se com o produtor Michael Sullivan, pega o material já gravado, mete debaixo do braço, entrega ao amigo Lincoln Olivetti e lança o trabalho. Mais um sucesso.    

Diante do sucesso, Tim não conseguia conter sua verborragia: falou mal da RCA, abriu processo contra a Polygram e ainda achou tempo para se lançar para Presidente da República:
“Sarney nunca tomou 300 LSDs nem comeu churrasquinho de gato com Ki-Suco como eu; não tem experiência para ser presidente. Eu seria melhor do que ele.”

Algum tempo depois, o carro de Tim é parado num blitz. Acham boa quantidade de drogas com ele. A coisa fica séria e é levado para a 13ª DP, em Copacabana. Tim inicia um coro ainda na porta da delegacia, junta-se uma platéia em volta dele... E é liberado.

Tim tinha tudo para decolar em direção ao estrelato, mas sua falta de compromisso com os shows o derrubava. Às vezes não ia para sacanear o contratante, com quem, volta e meia, tinha desentendimentos. Outras vezes ele simplesmente desligava o telefone e ficava incomunicável. Vez ou outra não comparecia por medo de avião.  

Tim passa a ter crises de paranóia, achando que havia alguém querendo matá-lo – a tal da Crise de Monarca. Acha que uns querem roubá-lo, outros querem tirar sua mulher dele. Quando compra cocaína, obriga o traficante a cheirar antes, por medo de estar envenenado. Passa a contar com a companhia de prostitutas noite adentro. Em geral, ficavam conversando.

Pouco depois, Tim perdeu uma causa trabalhista movida por antigos músicos. Perdeu uma quantia bastante relevante. O ECAD também venceu uma ação contra ele, segundo a qual o órgão reteve todos os direitos autorais de Tim, até o pagamento integral da divida. Somente tinha um FIAT Uno, que foi penhorado.

Outro evento desconcertante se abate sobre si. Seu caseiro, que sabia onde Tim guardava sua maconha, passa a vendê-la na vizinhança. A polícia descobre o movimento e prende o caseiro, que transportava uma sacola de maconha. O cara diz que era tudo de Tim Maia, e isso sai nos jornais.

Completando o quadro trágico. Sua mulher vai embora e sua mãe morre.

Mas seu bom humor era teimoso e desobediente. Não arrefecia. Após ser escalado para cantar na ECO 92, Tim é perguntado sobre o que ele tinha a ver com ecologia. Sua resposta: “Tudo”. Acende um baseado em frente às câmeras e diz: “Eu adoro o verde. Sou militante do PVB – Partido Verde do Bão.”

Em 1993, após um longo inverno, Tim apara arestas com a Rede Globo. Uma música sua passa à trilha da novela das oito. O álbum Romântico é escalado para ser lançado no Faustão. A banda toda chega na hora e sobe no palco. E esperam Tim... e esperam... Faustão chega a chamá-lo ao vivo: “Oh, Tim, acorda que ainda dá!”. Reconhecendo o cano, Fausto diz: “Quem é vivo sempre aparece, menos Tim Mais!”.

E Tim e Globo voltam à comumente incompatibilidade. Tim está vetado na emissora.

O disco seguinte, “Voltou clarear” é um fracasso. Em razão das dívidas, também não consegue o empréstimo que viabilizaria um lançamento mais explosivo.

No ano de 1995, Tim se aproxima de Almir Chediak, com quem trabalha o lançamento de um songbook interpretado por cantores diversos. Também fecha um contrato milionário com a Brahma, para uma série de shows. O primeiro, no Riocentro, é um tremendo sucesso de público.

Pois é. Mas era o Tim. No meio do show, ele fala: “Eu to aqui fazendo esse show pra Brahma, mas eu gosto mesmo é de guaraná Antarctica.” Seu contrato é rescindido e Roberto Carlos é escalado para seu lugar.

Tim está com 142 quilos, seu escroto está inchado e infeccionado. Seu diagnóstico diz que ele pode vir a perder testículos e pênis. É operado, mas sua recuperação segue sua receita própria: foge do hospital e vai pra casa fumar maconha e comer doces.

Com os doces, a reboque, vem a diabetes. Também retira uma catarata dos olhos.

Em meados do ano, havia emagrecido 20 quilos. Passa a usar óculos.

Talvez prevendo o fim iminente, grava quatro discos, os quais banca sozinho.

Em 8 de março de 1998, Tim sobe ao palco do Teatro Municipal de Niterói. Panejava gravar o acústico para o Multishow. O cara se atrasa, como sempre; a platéia espera, como sempre. A Vitória Régia sobe e toca a primeira, sem Tim, só com back vocals. Na segunda música surge um imenso Tim, reclamando de algumas notas fora de lugar. Está com 55 anos.

Tim deixa o palco. Todos pensam ser piada. Nos bastidores, passa mal. O show é cancelado. Quando o sistema de som chama um médico, descobre-se que Dráuzio Varella estava na platéia. A ambulância chaga, os fotógrafos não descansam seus flashes. Aparece Tim, respirando num tubo de oxigênio, andando lentamente.

Dá entrada no Hospital Antônio Pedro.

O músico não suporta à hemorragia digestiva, infecções pulmonares e renais. Seu coração para. Em 15 de março, Tim nos deixou definitivamente.             

         
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A vida louca da MPB”

SEXO, DROGAS E MPB: WILSON SIMONAL


Na opinião de alguns, foi o Roberto Carlos negro. Segundo muitos, foi o maior cantor da história do Brasil.
Teve sua trajetória profissional, de ascensão meteórica, abortada após seu envolvimento com o regime militar, então vigente.

Gravou um hino ao país, composto por Jorge Bem Jor, mas foi recebido como um ufanista, num momento em que era de melhor tom odiar o solo materno.

Ostentou orgulhosamente o produto de seu sucesso: cobertura em Ipanema, três Mercedes na garagem, coleções de mulheres e apresentações históricas.

Morreu pobre, deprimido, alcoólatra e completamente esquecido. Quase que sem deixar rastros de sua existência pretérita.

Nascido no Rio Comprido em 1938, filho de uma cozinheira que expulsou o marido cafajeste de casa, teve uma existência sofrida. Morou boa parte da infância na Favela do Pinto, no Leblon.

Trabalha durante a adolescência como mensageiro da Western Union e como auxiliar de trânsito, concomitantemente.

Na estréia da maioridade, inscreve-se no Exército. Torna-se diretor da banda e já tendo seu talento reconhecido pelos companheiros de farda, costuma fazer apresentações particulares na casa de seus superiores.

Depois, forma uma banda com amigos, os Dry Boys. Chega a se apresentar em programas de televisão. O repertório é quase todo em inglês, de modo que Simonal decorava a pronúncia das palavras, mesmo sem saber ler o idioma.

Quando ganha confiança em seu talento, abandona a carreira militar.

Aos 23 anos, torna-se crooner, mas mantém a participação nos Dry Boys, já se apresentando à altura nos programas de TV comandados por Carlos Imperial.

Mesmo extinto o grupo, Simonal continua cantando, agora se apresentando na casa Drink, como elenco fixo da casa. Nessa época ele grava duas faixas para o LP “Isto é Drink”, de 1962: “Tem que Balançar” e “Olhou para mim”.

Apesar desses progressos, sob o ponto de vista financeiro, Simonal continua pobre, bem pobre, aliás.
Contudo, a sorte grande lhe sorri! Cauby Peixoto, na época um dos maiores cantores do país, cancelou uma apresentação na Rádio Nacional. Wilson foi chamado às pressas para substituí-lo. O jovem aproveitou bem a chance. Cantou “Stella by Starlight” e “Georgia on my Mind”.
Simonal foi contratado na hora!

Aos 24 anos, Simonal namora a loira Tereza Pugliesi, ex de Carlos Imperial.

São tempos de racismo às claras e bastante violento. Tereza era menor de idade na época, portanto não poderia entrar nas casas em que o namorado se apresentava. Numa noite, Simonal conversava com Tereza na porta da boate Drink – ela não podia entrar, o que o forçou a descer do camarim para falar com ela. Naquele momento, passou uma viatura de polícia; deram uma dura em Simona, pediram-lhe o documento. Ele não os tinha na hora mas se prontificou a buscá-los no camarim... Não adiantou. Foi parar na delegacia.

Pouco tempo depois, Carlos Imperial conseguiu um teste na Odeon. Simonal encantou a todos e ganhou um contrato de 5 anos. Saiu da Drink e passou a se apresentar no Top Club.

Até então abstêmio, aprende a apreciar um bom “Cowboy” – uísque sem gelo. Aquecia-lhe as cordas vocais... Essa bebida o acompanhará por toda a vida, de maneira cada vez mais degradante.

Lança cinco compactos até o seu primeiro LP, de 1963, “Tem algo mais”. Seu primeiro hit foi “Balanço zona sul”. Sua primeira providência após os primeiros pagamentos e retirar sua mãe do emprego de cozinheira em casa de família.

Uma breve história: mais à frente, em companhia de Miele e no auge do sucesso, Simonal dirige seu Oldsmobile vermelho conversível até uma sauna, no Leblon. Após a recepção gloriosa e tirar várias fotos com o proprietário, Simona conta a Miele que sua mãe havia sido cozinheira naquele imóvel, anos antes, quando era casa de uma família muito rica.

Naquela época, o “point” que reunia os melhores músicos e cantores era o inconfundível Beco das Garrafas, em Copacabana.

Sua primeira apresentação no Beco foi a convite de Miele e de Ronaldo Bôscoli. Como costumava fazer, hipnotiza o público.

Pelas mãos de Lennie Dale, bailarino norte-americano e fundador do grupo Dzi Croquettes, aprende tudo sobre palco, dança e... Conhaques.

Apresentando-se no Beco, ele desenvolveu o repertório para o segundo LP, “A nova dimensão do samba”.
Nesse período nasceu Simoninha, primeiro filho do casamento com Tereza. Vivem num quitinete em Botafogo.

Em janeiro de 1965, Simonal estreou um programa de TV na Tupi: Spotlight. Seu tremendo sucesso alcança São Paulo. Muda-se com a família para um apartamento amplo na Avenida Paulista.

Lança mais dois álbuns: “Wilson Simonal” e “Simbora”.  

Atende a um convite da Record e se apresenta ao lado de Elis Regina e de Jair Rodrigues no programa “O fino da Bossa”.

Faz mais uma série de participações em programas da Record, até receber um para chamar de seu: “Show em Si... monal”.

Ainda em 1966, Simonal gravou um de seus maiores sucessos: “Meu limão, meu limoeiro”, composta em 1937. Esta música ganharia versão em inglês: Lemon Tree, de Will Hot.

Diante do sucesso, Simonal forma um grupo para acompanhá-lo: o Som Três. Entre seus integrantes, estava o talentoso pianista César Camargo Mariano, casado com Elis Regina.

No ano seguinte, outro hit arrasa-quarteirão: “Nem vem que não tem”, letra de Carlos Imperial e arranjos de César Camargo.

Nesse momento, ele está no auge: milionário. Também recebe o apelido o acompanharia para sempre: O rei da pilantragem.

Para seu show marcante “Mugnífico”, Simonal mostra uma outra vertente de sua personalidade. Ele compôs “Tributo a Martin Luther King”, extravasando uma sensibilidade política que o alinharia com representantes do movimento negro dos EUA. Essa música foi vetada pela Censura inicialmente, mas depois Simona conseguiu sua liberação.

No Festival da TV Record de 1967, Simona se apresenta com simplesmente três músicas: “Balada do Vietnã”, “Belinha” e “O milagre”. Foi a primeira vez que algo assim ocorreu.

Nesse ano, lançou “Alegria, alegria!!!”. Totalmente no estilo que o marcou, a pilantragem.

Em seguida, Simonal lançou o show “Horário Nobre”. Nele, fez apresentações antológicas: cantou Geoge Gershwin e Cole Porter sem acompanhamentos;  cantou Tributo a Martin Luther King logo após a morte do líder dos diretios civis norte-americano; chega a ensaiar um protesto contra a ditadura, após a agressão perpetrada contra atores do musical Roda Viva.

Lançou mais um sucesso, “Sá Marina”.

No final de 1967, voou para a França. Fez shows na televisão francesa e no espetacular Olympia de Paris.
Em dezembro, nasce a filha do casal, Patrícia Pugliesi de Castro.

Conforme o regime militar se tornava mais restritivo e violento, mais artistas eram perseguidos e, conseqüência lógica, mais artistas assumiam posição crítica ao regime.

Simonal, por sua vez, excetuando-se Tributo a M.L.K., não ostentava produção politicamente engajada. Para completar o quadro desfavorável, Simona estréia o show “De Cabral a Simonal” – sem músicas de protesto, todo dedicado à pilantragem. A crítica é torce o nariz.

Em 1969, Simonal fecha contrato com a multinacional Shell: 1 milhão de dólares para uma turnê com Sérgio Mendes. Sérgio está nos EUA, com sua banda, fazendo um enorme sucesso. Volta ao Brasil em comemoração. O show do Maracanãzinho é ao lado de Mutantes, Jorge Bem, Gal Costa, Marcos Valle e outros.

Simonal é escalado logo antes da entrada da atração principal. Simonal não economiza no repertório: escala seus maiores sucessos. O cara arrasou, fez o espetáculo, a ponto de Sérgio Mendes e sua banda serem recebidos debaixo de vaias.

Simonal era agora o garoto-propaganda da Shell. Seu contrato é o mais polpudo dentre todos os artistas do país.

Vem a Copa de 1970, a Shell quer um grande nome para sua campanha de marketing envolvendo a Seleção brasileira. A companhia contrata Pelé e Simonal e leva o cantor para a concentração da Seleção no México.

Nesse país, além de realizar uma série de shows, institui a Batucada da Sorte, antes de cada partida do esquete canarinho. Voltam tricampeões e reconhecendo a importância de Simonal para a moral do grupo.
O retorno era tudo o que os artistas engajados mais odiariam: enquanto cantores eram censurados e perseguidos, Simonal e Pelé mostravam um “paraíso tropical”, bem sucedido e feliz. Quase um ufanismo em homenagem ao regime cerceador cruel vigente em casa.

Com as “burras” cheias, Simonal abre sua empresa: Simonal Produções Artísticas, com um sócio e um consultor artístico. Simonal mora agora numa cobertura de luxo em Ipanema, de frente para o mar.

Simonal é convidado para mais um show empolgante: o Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho. A platéia delira, a Rede Globo transmite o show para o Brasil todo, uma emissora alemã retransmite para a Europa toda. Estima-se em 100 milhões o número de espectadores.

Simonal é agora o maior vendedor de discos do Brasil. Desde o início dos anos 1970, sua foto está nos posto da Shell e em discos, nos quais “Brasil Tropical”, composta por Ben Jor, é a música mais executada das rádios.

É a personalidade mais famosa do Brasil de então.

Atingido este ápice, inicia-se a derrocada – aliás, como a ascensão, igualmente meteórica. Num especo de um ano, a celebridade cercada de asseclas e seguranças, fica sem banda – o Som Três, de César Camargo, dispersou-se – e sem dinheiro: descobriu que a Simonal Produções Artísticas estava falida. Não emplacava mais um sucesso e as dívidas levavam-no a ser visitado por Oficiais de Justiça com cada vez mais freqüência.

O contador contratado às pressas, Rafael Viviani, levanta os número para realizaro Balanço da empresa. Surpreende-se com a completa desorganização das contas: gastos pessoais exagerados e descontrolados, montanhas de empréstimos a amigos. Nem a cobertura havia sido paga. Simonal se desespera, afasta os dois sócios e resolve administrar a empresa sozinho.

Lança ainda “Que cada um cumpra com o seu dever” e “Brasil, eu fico”, esta última de Bem Jor. Ambas bastante ufanistas e que ajudaram a arrasar sua imagem ainda mais. É ignorado pelo público e a imprensa começa a explorar seus dramas pessoais.

Simonal perdeu o apartamento luxuoso e demitiu Viviani. Este, inconformado, abriu uma ação trabalhista contra o antigo empregador. Simonal ficou igualmente indignado com a atitude de Viviani. Porém, sem apelar para as medidas legais, procurou amigos, militares e policiais, para fazer “justiça”. Vão à casa do contador e o levam, dizendo-se a serviço de Simonal. Espancam Viviani, primeiro na sede da Simonal Produções, depois na sede do DOPS, em São Paulo.

Simonal havia acusado o contador de estar ligado aos movimentos de esquerda, terroristas etc. Inicialmente ele é torturado na esperança de achar alguma ligação dele com os “comunistas”. Depois, passam a procurar alguma ligação dele com os desvios na empresa. Por fim, não sendo os policiais bem sucedidos, arrancaram um termo de culpa assinado por Viviani, após ameaçarem seqüestrar sua família.

Apesar de ter assinado o tal Termo, Viviani é salvo: sua esposa já havia contatado um delegado, preocupada com seu sumiço há dias. Quando chega em casa, o delegado o vê e percebe o verdadeiro ocorrido. Todos o encorajam a prestar denúncia contra Simonal.

As manchetes agora associam Simonal a um caso de tortura. A direção do DOPS também quer saber quem usou as suas instalações para praticar tortura a pedido de um artista.

Ao ser chamado para depor, na chegada e para a imprensa, nega qualquer envolvimento. Mas no depoimento, tendo sido informado de que estava sob sigilo, confirma ser colaborador do regime e amigo dos policias do DOPS. Porém, ao contrário do prometido, o depoimento vaza para a imprensa.

O jornal de esquerda “O Pasquim”, o mais lido do país naqueles anos, inicia uma campanha monumental de desconstrução do ídolo. Uma das charges dizia que, aplausos agora, só quando Simonal desse um tiro na cabeça.

O passado, quando vendia 600 mil discos, estava enterrado, definitivamente. Para completar o cenário da tragédia, Tereza é internada com escoriações, após uma discussão com Simonal. Tudo isso sai na imprensa.
Em 1974, saiu sua condenação: 5 anos e meio em Água Santa, no Rio de Janeiro. Porém , em razão de um Habeas Corpus, cumpre o restante em liberdade.

Mas, psicologicamente, sua pena seria perpétua.

Sua esposa sofria com suas crises psicológicas, as agressões eram freqüentes, o consumo de álcool era contínuo, alem de “involuir” para casos extraconjugais que tornavam o ambiente familiar ainda mais insustentável. Seu quadro chega à depressão com muita rapidez.

Em 1985, fez um show no Leblon. Surpreendentemente, o público compareceu. Simona aproveitou para fazer uso do microfone para se defender: negou envolvimento com o regime; exigiu provas de sua ligação com a ditadura e com o DOPS. Nessa noite cantou ainda “Faz parte do meu show”, recentemente composta por Cazuza.  

Nesse período bebia descontroladamente. Chegou a entornar uma garrafa de uísque numa noite. Com a piora de seu alcoolismo, os médicos recomendam que pare de beber imediatamente, mas não consegue. O fracasso o impede de permanecer sóbrio.

Com os excessos das bebedeiras, veio a perda da voz que o distinguira. O Simonal dos anos 1990 está ainda mais deprimido e desesperançado.

Sua bebedeira agora começa assim que acorda. Som dinheiro para o uísque, cai na cachaça e bebe nas ruas, botequins, na companhia de qualquer popular.

Sua última apresentação ocorre no clube Memphis, em Moema. Tenta tocar trompete, perde o fôlego e cai no palco.

Em 4 de abril, é internado com pressão alta. Após outra complicação, o diagnóstico agora inclui cirrose hepática. Pressentindo o fim em breve, faz uma última declaração a Tereza. Chega a receber um jornalista, repete as histórias do julgamento que considerava injusto, mas sem acrescentar nada de relevante.

Sua última visita foi Geraldo Vandré, símbolo do combate à ditadura e perseguido político, compôs o inesquecível clássico “Pra não dizer que não falei das flores”. Simonal encarou a ilustre visita como um perdão de última hora.

Suas últimas palavras: a verdade vai aparecer. Depois disso passa três dias em coma.
Morre aos 62 anos, de falência hepática.   
    

Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

SEXO, DROGAS E MPB: MAYSA


Aparentemente destinada a viver como socialite ao lado de um dos herdeiros mais ricos do Brasil, Maysa se tornou a primeira grande compositora brasileira desde Chiquinha Gonzaga. Mais que isso, também entrou para o panteão das grandes vozes femininas da música brasileira.

Foi símbolo maior do estilo samba-canção. Após este ter ficado para trás em popularidade, desbancado pela Bossa Nova, a partir de 1958, Maysa brilha no novo movimento ao lado de novo namorado, Ronaldo Bôscoli, então também noivo de Nara Leão. Após o casamento de Bôscoli com Elis Regina, Maysa torna-se arqui-rival da nova estrela do pedaço.

Teve carreira internacional. Argentina, Espanha, EUA, França e Japão a testemunharam nos palcos. Sua versão de “Ne me quitte pas” foi usada no cinema, por Pedro Almodóvar em “Alei do desejo”.
Nascida Maysa Figueira Monjardim, em 1936, no Rio de Janeiro, era filha de Inah Gigueira, socialite, e de Alcebíades Monjardim, Deputado Estadual pelo Espírito Santo. Aos oito, mudou-se com a família para São Paulo.

Adolescente, compõe “Adeus” e “Marcada”, fala fluentemente inglês e francês, e fuma escondida no banheiro do internato em que está matriculada.

Seus pais, festeiros e promotores de saraus em que se reuniam os amigos, Maysa se diverte bebendo uísque, cantando e tocando violão. A nata da boemia e da elite da cidade eram sempre vistos na bela cobertura dos seus pais.

Ouve e admira Frank Sinatra, Linda Batista, Isaura Garcia e Dorival Caymmi. Aos 15, toca músicas como “Nick Bar”, de Dick Farney, “De cigarro em cigarro”, de Luiz Bonfá e “Folha morta”, de Ary Barroso.  
Uma das freqüentadoras da cobertura dos pais de Maysa era Odete Nugés Matarazzo. Encantada, logo apresenta seu filho, André Matarazzo, então com 33 anos, para conhecer a garota e, quem sabe, conquistar um casamento.

André, 18 anos mais velho, é uma das pessoas mais ricas do Brasil. Pede a mão da menina em casamento. A cerimônia ocorre em janeiro de 1954. A boda é filmada em película, é um dos eventos mais comentados no país. A televisão transmite a união, celebrada pelo Arcebispo de São Paulo.

Em 1956, grávida de Jayme, ainda se apresenta apenas para os amigos da família. Apesar dos convites que recebia, preferia seguir uma vida discreta e longe da má-fama que carregavam as cantoras naquela época.
Mas o anonimato terminaria no dia em que seu pai trouxe dois novos convidados: Roberto Côrte-Real e Zezinho, então músico de Carmem Miranda e residente nos EUA. Roberto pergunta a Maysa de quem são aquelas músicas que está a cantar. Ela respondeu que eram todas suas. Roberto então pergunta se ela gostaria de gravar um disco.

André, ouvindo o diálogo, grita desesperando: Não!

O obstáculo representado pelo marido não é o único. A família aristocrática resiste a aceitar uma artista como membro de tão seleto clã.  

Roberto Côrte-Real não desiste e leva a oferta adiante. Maysa enfrenta a família e vence. É lançada pelo selo de Roberto, RGE. A condição imposta era que apenas esperasse o nascimento do filho do casal.
O dia em que Maysa se apresentou no escritório da RGE é marcado pela comitiva de funcionários que acompanhavam a sra. Matarazzo. Decide-se que a publicidade em torno do disco deverá ser mínima e a renda será revertida para o Hospital do Câncer.

Devido a essas restrições, o sucesso dos disco em São Paulo é muito limitado. No entanto a RGE aposta no mercado carioca. E então é um sucesso. Tem 21 anos e seu nome estoura.

Com o sucesso, vêm as polêmicas, alimentadas ainda mais pela vida privada conturbada em que vive. Termina o casamento, perde nobre sobrenome. Seu filho passa a ser criado pelos avôs maternos.

Maysa bebe cada vez mais. Engorda igualmente, levando-a adotar vestidos pretos e a proibir a filmagem de corpo todo. Vira noitadas adentro, começa a se apresentar bêbada ao vivo, na TV, escorando-se nos móveis cenográficos. Seu alcoolismo é noticiado pela imprensa quase diariamente.

Em 1958 foi lançado o disco “Convite para ouvir Maysa No 2”, o qual trazia sua canção memorável “Meu mundo caiu”:

(...)

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim    

(...)

Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar

(...)


Recebeu um programa semanal na TV Record e não para de fazer shows.

Seus abusos também não param: fuma demais, bebe igualmente, come em demasia. No fim do ano, um acidente rende mais uma manchete polêmica da cantora. Bate cm seu Fusca na traseira de um caminhão, em Copacabana. “Maysa, bêbada e ferida, foi atendida em pronto-socorro”, lia-se nos jornais. Ganha um cicatriz no rosto que a acompanha até o fim da vida.

Também realiza históricas parcerias, como com Dolores Duran, que se torna grande amiga.

Contudo, em 1959, outra tragédia a atinge em cheio. Em outubro de 1959, Dolores Duran, após uma noitada de muita farra, volta para casa, brinca com a filha, recolhe-se e, antes, pede à empregada que não a acorde. Naquela noite, sofre um infarto fulminante e morre. Maysa remói a dor de uma grande perda, com apena 23 anos.

Ainda nesse ano, Maysa se torna a primeira artista brasileira a se apresentar na televisão japonesa. Enfrenta um vôo de mais de 60 horas. Antes da apresentação, avisa que suas músicas nada têm a ver com carnaval – muitas pessoas não sabem que o samba tem diversas acepções, como samba-canção, samba de partido alto, samba-enredo etc.

Canta “Meu mundo caiu” e “Manhã de carnaval”. No fim, ainda reclama dos arranjos, bastante diferentes do samba-canção, cujo estilo ela representava.

O grande problema do alcoolismo é que a necessidade de álcool sempre aumenta. Maysa, inicialmente, precisava de apenas duas doses de álcool para subir no palco. Agora ela estava apelando a doses cavalares, tanto de vodka como de uísque. Esse estado etílico leva-a agir cada vez mais agressivamente contra o público, quando o barulho da platéia a irritava, Chegava a atirar sapato contra quem não se calasse.

Em 1959, termina uma turnê em Portugal, no Cassino Estoril. Vai a Paris, desejando escrever um livro de poesias, mas que é superado pelas bebedeiras. Quando está sem dinheiro, procura a casa noturna La Lousianne. Lá, canta sua versão de “Ne me quitte pas”.

Quando retorna ao Brasil, pesa mais de 90 quilos, tem olheiras profundas e seus dentes estão apodrecidos.

Na década de 1960, Maysa se submete a uma cirurgia plástica no rosto e na barriga. Devido às técnicas da época, seu pós-operatório é lento e doloroso. Ainda correndo risco de vida devido a complicações, termina os 25 poemas pretendidos há anos. O livro se chama “Os comigo de mim”, mas nunca foi publicado.

O Reveillon de 1961 começa a desandar quando Maysa, bêbada e irritada começa a lançar objetos como cinzeiros e copos contra seus convidados. Está casada com o ator argentino Duilio Marzio, que acorda com o apartamento em chamas. Maysa dormira com o cigarro aceso e queimou o colchão.     

Em crise com a RGE, por achar que estava recebendo muito pouco em relação ao que vendia, fecha com a Sony Music. Compra um apartamento em Copacabana e se muda para o Rio. Na cidade, conhece Ronaldo Bôscoli: jornalista, compositor, descendente da linhagem de Chiquinha Gonzaga e namorado de Nara Leão. O romance se instala e Ronaldo resolve mostrar todas as músicas que havia composto para Nara a Maysa.  
Então, Bôscoli e Menescal se surpreendem com a decisão de Maysa de dedicar seu primeiro disco na Columbia à Bossa Nova. O disco é preenchido por canções de Bôscoli e Menescal e a turnê inclui shows em Buenos Aires.

Fazem peripécias, algumas inclusive rendem a expulsão do elegante hotel onde se hospedaram inicialmente. Numa noite, Maysa telefona para Bôscoli e se faz passar por uma amiga de Nara. Bôscoli responde que pretende se casar com Nara assim que tterminarem os shows como “la gorda” – referindo-se a Maysa.
Saem aos tapas, ela perde uma prótese dentária. Na volta ao Brasil, tenta mais um investida em Bôscoli, mas é mal sucedida. E some dos holofotes.

Em 1962, interna-se numa clínica de reabilitação. Rehab à base de sonoterapia. No seu último dia, cai na gandai mais uma vez. Mas consegue reaparecer magra, rica, bonita e ... bêbada.

Terminado o contrato com a Sony, retorna à RGE e grava “Canção de amor mais triste”, “Round about midnight”. Sai em turnê por Nova York, Lisboa e Paris. Conhece Miguel Azanza, casam-se na Espanha, e lá residem, com o filho Jayme. Ainda em 1964 morre André Matarazzo.

Retorna ao Brasil em 1965.Estréia um programa na TV Record.

Em 1966, com 30 anos, disputa o II Festival de Música da TV Record. Para sua tristeza, foi desclassificada ainda nas fases iniciais e a vencedora foi Nara Leão, cantando “A banda”, de Chico Buarque.

Contudo, I Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, fica em terceiro lugar. Na festa de comemoração, já tendo entornado todas e mais algumas, vira-se para Elis Regina, acompanhada de Bôscoli, e grita: “Gauchinha de merda, você não canta nada!”. Elis, que não levava desaforo para casa: “Não me provoca, sua pinguça!”. Maysa lança uma garrafa de uísque contra Elis, mas esta é salva por Menescal.
Maysa passa os dois anos seguintes na Espanha, com Azanza.

Em 1969, de volta ao Brasil, é convidada para uma participação no programa de Flávio Cavalcanti, comojurada. Também recebe um programa semana na Record. Simultaneamente, realiza apresentações por dois meses no Canecão – mil pessoas por noite.

Maysa tenta trabalhar uma imagem mais familiar e caseira: seu disco traz sua foto ao lado de seu filho e inicia as apresentações com a voz de Manuel Bandeira recitando um poema que escrevera para ela.

Em 1970, outra tragédia à espreita. Após aceitar convite para ser repórter no programa Dia D – no qual conseguiu um furo, ao entrevistar Charles Manson -, engata romance com Laerte, câmera do programa. Tragicamente, este, após uma bebedeira, toma comprimidos para emagrecer da namorada. A mistura virou um coquetel alucinógeno que terminou com a morte de Laerte.

Pela Phillips, lança “Ando só na multidão de amores”. Após convidada para o programa Som Livre, impõe a condição de somente se apresentar se convidada para uma novela da Globo. A emissora aceita, ofere uma personagem na nove O Cafona, e faz previamente uma plástica com o mago Ivo Pitanguy.

Sua personagem Simone tem uma história de vida inspirada na própria Maysa. Depois, faz mais duas novelas e uma peça de teatro.

Em 1974, após conhecer Gal Costa – com quem tinha tido um arranca-rabo poucos anos antes – num trem, voltando de São Paulo, planejam um trabalho juntos. Meses após, no Fantástico, Gal canta “Resposta”, de Maysa, que canta “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. Viram amigas eternas.

Ainda em 1974, lança seu último disco, “Maysa”, com duas canções de Dolores Duran.

Em 1975, em romance com o maestro Julio Medaglia, Maysa faz temporada no teatro Igrejinha, no Bixiga. É um musical, com roteiro de Roberto Freire.

Diante do sucesso, a temporada se estende até 1976.

Nesse período, Maysa fazia uso de moderadores de apetite. Mas já não os tomava para emagrecer. Engolia quantidades colossais com o fim de sentir efeitos alucinógenos. Diz-se, inclusive, que chegava ao teatro, por vezes, espumando pela boca. O proprietário da casa, preocupado, ligou para os pais de Maysa informando o comportamento da filha. O pai apenas ouviu até o fim e desligou o telefone. O que ele poderia fazer?

Passa os últimos meses de vida cuidando da pintura de sua casa em Maricá, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Lá se sente livre: pinta, fuma, bebe... E liga para Gal, quando quer conversar com uma amiga.

Em janeiro de 1977, liga para o pai e avisa que passará na casa dele, antes de partir para Maricá. Embora tendo seus pais insistido para que só pegasse estrada no dia seguinte, belisca algo, fuma um monte de cigarros e se despede. Nesse período ela usava Minifage para emagrecer – remédio já fora de circulação.

Já na Ponte Rio-Niterói, ouvindo Frank Sinatra a 90 quilômetros por hora, perde o controle da Brasília, bate na mureta, o impacto do volante quebra diversas costelas. Também sofre lesões na cabeça, pernas e braços. Morre antes da chegada do resgate.

Foi enterrada no Cemitério São João Batista, aos 40 anos.  


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A vida louca da MPB”