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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

NEM CATÓLICOS, NEM PROTESTANTES – COMO O JAPÃO DE TORNOU UMA POTÊNCIA ECONÔMICA E CRIOU UM BNDES NO SÉCULO XIX


Em 1922, O Império do Japão se tornou uma grande potência. Já havia vencido guerras contra a China, o país mais populoso do mundo, em 1895 e contra a Rússia, o país mais extenso do mundo, em 1905. Também esteve do lado vitorioso na I Guerra Mundial.

Por tudo isso, foi-lhe reservado um assento na Conferência de Paz de Paris, em Versailles, ao lado de Grã Bretanha, França, Itália e EUA. O Japão foi a primeira nação não-européia a firmar aliança com a GB, tornar-se uma potência colonial e a primeira asiática a se industrializar.

A entrada do Japão no clube das potências imperiais deu-se com a assinatura do Tratado Naval de Washington, em 1922. Este Tratado buscava classificar as potências de acordo com o limite de tonelagem permitido a cada signatário. A taxa estabelecida foi 5:5:3:1,75:1,75 entre Grã Bretanha, EUA, Japão, França e Itália, respectivamente.Portanto o Japão foi classificado como a terceira potência naval mundial e poderia fabricar navios com o dobro da tonelagem dos franceses e italianos.

Ainda em 1853, o Japão ainda era uma sociedade agrária governada por senhores feudais militares, a quem o Ocidente impôs tratados desiguais. Em apenas 70 anos, a nação pode reverter esses tratados desiguais, sofreu uma transformação política, militar e econômica  completa. Estudiosos contemporâneos normalmente atribuem essa ascensão a uma combinação de ocidentalização, modernização, industrialização e militarização.

Contudo, esse sucesso também pode ser atribuído à criação dos zaibatsu: grupos de grandes conglomerados familiares. Eles contribuíram com a industrialização japonesa por causa de certos princípios microeconômicos e estratégias de expansão. Trata-se de fenômeno distinto na história japonesa.

O propósito da ocidentalização era preencher que o separava dos imperialistas ocidentais.

Os oligarcas Meiji buscavam a igualdade diplomática necessária para anular os tratados desiguais, que permitiriam erguer barreiras tarifárias protecionistas, essenciais para o desenvolvimento industrial.

Em 1868, o Shogunato – espécie de regime militar que governou o país por quase 600 anos – foi derrubado e substituído pelo Imperador do Japão. A este episódio denomina-se Restauração Meiji. Este governo foi responsável por industrializar o Japão.

A estratégia foi oferecer apoio estatal a negócios privados que mostrassem capacidade de alcançar sucesso econômico. Os japoneses recusaram seguir a estratégia sugerida pelas demais potências, de esperar que investimentos externos criassem um bom ambiente de negócios. Este foi o caminho seguido pela China, que se viu sendo fatiada em poucos anos. Também rejeitaram a estratégia de crescimento baseado em companhias estatais, à maneira socialista.

No tempo dos Shoguns, o Estado estava no controle de várias indústrias espalhados por todo o país. Algumas eram grandes, mas a grande maioria eram pequenos negócios. Portanto os Meiji herdaram diversos negócios ao chegarem ao poder. Esse fato levou à tentação de adotar um modelo de industrialização estatal, à moda soviética e com planos qüinqüenais, provavelmente.

Contudo essa trilha foi rejeitada por um motivo menos ideológico do que prático: a nova burocracia japonesa não tinha qualquer experiência em administração industrial. E essa conclusão foi expressa pelos resultados medíocres obtidos em menos de cinco anos de controle estatal.

O modelo de industrialização japonês foi desenhado após a denominada Missão Iwakura, de 1871. Essa jornada ao Hemisfério ocidental convenceu-os da importância da industrialização liderada pela iniciativa privada.

Entretanto a iniciativa privada japonesa estava muito aquém do requerido para confrontar as firmas ocidentais dominantes. A maneira encontrada para superar essa desvantagem – tecnológica e financeira, especialmente – foi uma política de incentivo à acumulação primitiva, que resultou na criação dos zaibatsu. Essa estratégia eliminou a necessidade do período de gestação, necessário para acumular o capital a ser investido no período de expansão futura.

De novo, impunha-se um obstáculo: ausência de pessoas com capacidade empresarial para tanto. Havia, contudo, um grupo de pessoas que traficavam influência política, ainda no período dos Shoguns. Eles obtinham favores comerciais e financeiros por meio de relacionamentos com políticos. Nos anos de 1870, percebeu-se que essas pessoas poderiam liderar a industrialização, pois tinham alguma experiência à frente de negócios de grande vulto.

O apoio governamental consistia em oferecer posições monopolísticas ou de massivos subsídios. Deste momento até 1922, o Japão pavimentou o caminho para o sucesso industrial saindo-se vitorioso em três guerras.

Podem-se dividir os zaibatsu em dois grupos: os Big Four da Mitsui, Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda; e no grupo composto por Okura, Fujita, Asano e Furukawa. Existem outros, como a Nissan, zaibatsu mais recente. A expansão desses conglomerados utilizou-se de subsidiárias, muitas com posição oligárquica em seus setores. Não são raros aqueles que controlam bancos.

Algumas características são comuns aos zaibatsu. Uma delas são os benefícios advindos das economias de escala e de escopo. Na economia de escala, há redução de custos de produção conforme os níveis de produção aumentam, no que se refere a um único produto. Na economia de escopo, as reduções de custos são alcançadas lançando-se mão de produtos relacionados. Com sinergias e operações comuns a mais de um produto, a firma consegue tornar seus custos mais atraentes.

Todos os zaibatsu se iniciaram como negócios pequenos que alcançaram o status de grandes conglomerados, com operações bastante diversificadas, por meio dessas duas estratégias.

Um exemplo muito citado é o da Furukawa. O Sr. Furukawa, a partir dos lucros da exploração de duas pequenas minas, adquiriu a Ashio Copper Mine, em 1877. Por meio de empréstimos bastante favorecidos do governo, adquiriu o maquinário necessário para tornar suas coesações crescentemente lucrativas. Torna-se evidente que o fato de que firmas estrangeiras ainda não terem ocupado o mercado, abriu espaço para que novos entrantes japoneses ocupassem o mercado com se se tratasse de um “Green market” – afinal, fora do Japão, grandes firmas já faziam tudo o que as novas firmas japonesas estavam fazendo, embora as japonesas amealhassem lucros típicos de “first movers”.

Este processo descrito acima levou à imagem que os zaibatsu amealharam ao longo dos anos, como ambientes propícios para o desenvolvimento de novas tecnologias. De fato, o papel delas foi o de utilizar-se de seus massivos recursos para trazer processos de produção modernos, como Sistema Bessemer de derretimento de metais. A Furukawa levou a produção de fios de cobre ao Japão.

O caso da Mitsubishi e do mercado de navegação no Japão é emblemático. Nos anos do Shogunato, as frotas de navios japoneses estavam limitadas a 75 pés – ou 150 toneladas. Quando o Sr. Iwasaki adquiriu alguns navios a vapor, em 1871, e iniciou uma companhia de nome Mitsubishi, essa proibição tinha acabado de ser revogada. Utilizou-se de sua iniciativa inédita no seu país para começar um novo zaibatsu. Após seu apoio ao exército japonês, quando da invasão das ilhas Formosa, o próprio governo ajudou a pavimentar seu caminho em direção ao monopólio de diversas linhas costeiras e internacionais de transporte.

De fato, todos os problemas causados pelo monopólio foram notados no Japão. A qualidade dos serviços e os preços cobrados pela Mitsubishi foram alvo de protestos, mesmo nos jornais. Isso levou o governo a criar a Companhia Cooperativa de Transporte (somente o Estado tinha recursos suficientes para encarar os altíssimos custos de oportunidade), que faliu antes que pudesse abrir o mercado da Mitsubishi. Nesse momento, a estratégia de diversificação havia garantido diversas fontes de receita à Mitsubishi, permitindo que ela sobrevivesse ao período de forte concorrência em seu negócio principal.

As estratégias de diversificação dos zaibatsu ocorrem de três maneiras: concêntrica, horizontal ou lateral (ou por conglomeração). Quando a Mitsubishi expandiu suas operações de seguro, de seguro contra incêndio e marítimo para o seguro de vida e mutual, adotou-se a expansão concêntrica. Quando a companhia evoluiu de minas de carvão para minas de cobre, tratou-se de diversificação horizontal. Já a expansão da Mitsubishi indo de transporte marítimo para negócios bancários, exemplifica a diversificação por conglomeração. Todos os zaibatsu adotaram estratégias de diversificação, em algum momento.

As vantagens apontadas ao adotar as estratégias acima descritas são: redução de riscos, criação de fontes internas de acumulação de capital (as quais são agora independentes de favores governamentais ou de criação de campeões nacionais), sinergias, desenvolvimento de novos mercados e o serviço prestado no âmbito de uma política nacional.

Importante notar que a reconstrução do Japão, após a II GM, adotou muitas das estratégias desenhadas no período aqui citado.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Japan, The Great Power”.

  

  
  


      

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