"Esta dolorosa, esta espantosa
expropriação do povo trabalhador, eis as origens, eis a gênese do
capital". O dinheiro converte-se em capital, o capital em fonte de
mais-valia, e a mais-valia transforma-se em capital adicional. A acumulação
capitalista supõe a existência da mais-valia, e esta, a da produção capitalista
que, por
sua vez, não se pode realizar enquanto não se encontram acumuladas, nas mãos
dos produtores-vendedores, massas consideráveis de capitais e de forças
operárias. Todo este movimento parece estar encerrado em um círculo vicioso do
qual não se pode sair sem admitir uma acumulação primitiva anterior à
acumulação capitalista e servindo de ponto de partida à produção capitalista,
em lugar de ser por ela originada. A acumulação primitiva desempenha na
economia política o mesmo papel, pouco mais ou menos, que o pecado original na
teologia.” (Karl Marx)
A história moderna costuma ser marcada com o início dos Estados
Nacionais, com o florecimento das cidades, com o desenvolvimento das primeiras
indústrias têxteis – que se desenvolviam nas primeiras ligas, ou guildas, ou
associações comerciais, no Mediterrâneo, no norte da Europa, dentre outras.
Esse período marca uma fronteira entre dois mundos. Anteriormente, vigia
a Idade Média. A riqueza era representada pelo patrimônio em terras, cujo valor
era fixo, a propriedade era garantida apenas aos nobres e o sustentos destes
era garantido pela produção dos camponeses, que deveria ser dividida com o
senhor feudal.
O período posterior foi marcado como o surgimento das condições que
originaram o capitalismo. As condições favoráveis vigentes nos séculos XI e XII
deram origem a um comércio cada vez mais vibrante nas cidades. Pequenos
comerciantes e os primeiros empresários têxteis aumentavam lentamente a demanda
por produtos do campo. Algodão, alimentos e alguns minérios eram agora matéria-prima
para produtos comercializados nas nascentes cidades, as primeiras na Península
itálica.
Nesse período, os trabalhos desses comerciantes se organizavam em
Corporações de Ofícios. Esses comerciantes e pequenos industriais produziam individualmente
seus produtos, contando no mais das vezes com ajudantes, que geralmente eram
treinados para a mesma atividade. No campo, o espírito empreendedor mudou tudo.
A demanda por seus produtos gerou o desejo por aumentar os lucros. Os
camponeses, até então parte da “vida como ela é e sempre será”, passou a ser
visto como custo, a ser cotejado com os lucros advindos da comercialização da
produção. Os nobres que não demonstravam capacidade para os novos tempos ou
arrendavam suas terras para terceiros ou eram obrigados a se desfazer de suas
propriedades. Eram os tempos de enclosure.
O processo de desenvolvimento do capitalismo em pouco tempo deixou claro
seu lema: acumular, sempre mais. Os comerciantes e produtores organizados em
guildas, aos poucos tornaram-se cada vez menos numerosos. Os mais competentes e
que conseguiam ter mais sucesso em seus negócios absorviam os demais. Esses que
eram postos para fora de sua atividade tornavam-se empregados dos que
sobreviviam. Aos que venciam, o sucesso agraciava com mais capitais, que eram
reinvestidos em nome de mais lucros. Entrava em cena o processo de acumulação
primitiva de capitais.
A descoberta da América, assim como o desenvolvimento das rotas
comerciais para o Oriente, deram mais impulso a esse processo. Mais matérias-primas
tornavam-se disponíveis. O ouro das Américas criou demanda por produtos até
então desconhecidos. A acumulação de moedas de ouro pelos reis espanhóis criava
demanda por produtos de luxo, por exemplo. Empreendedores viam oportunidades de
negócios lucrativos.
Portugal, embora tenha o mérito das descobertas intercontinentais, em
muito pouco tempo foi absorvido pelas moedas de ouro e prata espanholas. Esta,
a Espanha, foi muito bem sucedida em acumular meios de troca: a ela deve-se a
criação do sistema econômico conhecido como Mercantilismo. Governada pela Casa
dos Habsburg, o sucesso acumulativo espanhol gerou inflação inédita no continente
europeu e criou as bases para o início da industrialização na França.
A divisão do mundo entre Portugal e Espanha gerou conflitos com as
nações que as sucederam: Inglaterra, França e Holanda. A França percebeu que a
demanda por bens de luxo pela Corte espanhola gerou uma incipiente
industrialização, que foi incentivada por um programa de governo chamado
Colbertismo.
A Holanda foi ainda mais bem sucedida. Aproveitou toda a matéria-prima a
que teve acesso para desenvolver suas indústrias têxteis. Embora todo o
comércio entre colônias e metrópole fosse protegido por monopólios comerciais
que, se quebrados, poderiam dar origem a guerras, o comércio de mercadorias
finais era crescente e gerava saldos na Balança comercial. Por meio desse
saldo, parte da acumulação de metais pela Espanha era direcionada a outros
Estados nacionais.
O sucesso holandês não foi capaz de competir com a Inglaterra. Por meio
da triangulação entre indústrias em solo inglês, colônias cada vez mais
numerosas conquistadas por meio de uma Esquadra invencível e acesso aos
mercados mais ricos do Oriente, a acumulação primitiva na Inglaterra (após,
Reino Unido) que garantiu a Revolução Industrial e transformou a acumulação
primitiva em acumulação capitalista.
Desde então, o enriquecimento de alguns deixou de ser resultante do
empobrecimento de outros. A geração de riquezas passou a ser resultado de
processos industriais.
Como quadro final, para apreciação de todos: os nobres tornaram-se
burgueses; os camponeses tornaram-se proletariado.
Rubem L. de F. Auto
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