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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

POR QUE MARX NÃO VIA A EXISTÊNCIA DO CAPITALISMO SEM QUE HOUVESSE A AMÉRICA PREVIAMENTE?


"Esta dolorosa, esta espantosa expropriação do povo trabalhador, eis as origens, eis a gênese do capital". O dinheiro converte-se em capital, o capital em fonte de mais-valia, e a mais-valia transforma-se em capital adicional. A acumulação capitalista supõe a existência da mais-valia, e esta, a da produção capitalista que, por sua vez, não se pode realizar enquanto não se encontram acumuladas, nas mãos dos produtores-vendedores, massas consideráveis de capitais e de forças operárias. Todo este movimento parece estar encerrado em um círculo vicioso do qual não se pode sair sem admitir uma acumulação primitiva anterior à acumulação capitalista e servindo de ponto de partida à produção capitalista, em lugar de ser por ela originada. A acumulação primitiva desempenha na economia política o mesmo papel, pouco mais ou menos, que o pecado original na teologia. (Karl Marx)

A história moderna costuma ser marcada com o início dos Estados Nacionais, com o florecimento das cidades, com o desenvolvimento das primeiras indústrias têxteis – que se desenvolviam nas primeiras ligas, ou guildas, ou associações comerciais, no Mediterrâneo, no norte da Europa, dentre outras.

Esse período marca uma fronteira entre dois mundos. Anteriormente, vigia a Idade Média. A riqueza era representada pelo patrimônio em terras, cujo valor era fixo, a propriedade era garantida apenas aos nobres e o sustentos destes era garantido pela produção dos camponeses, que deveria ser dividida com o senhor feudal.

O período posterior foi marcado como o surgimento das condições que originaram o capitalismo. As condições favoráveis vigentes nos séculos XI e XII deram origem a um comércio cada vez mais vibrante nas cidades. Pequenos comerciantes e os primeiros empresários têxteis aumentavam lentamente a demanda por produtos do campo. Algodão, alimentos e alguns minérios eram agora matéria-prima para produtos comercializados nas nascentes cidades, as primeiras na Península itálica.

Nesse período, os trabalhos desses comerciantes se organizavam em Corporações de Ofícios. Esses comerciantes e pequenos industriais produziam individualmente seus produtos, contando no mais das vezes com ajudantes, que geralmente eram treinados para a mesma atividade. No campo, o espírito empreendedor mudou tudo. A demanda por seus produtos gerou o desejo por aumentar os lucros. Os camponeses, até então parte da “vida como ela é e sempre será”, passou a ser visto como custo, a ser cotejado com os lucros advindos da comercialização da produção. Os nobres que não demonstravam capacidade para os novos tempos ou arrendavam suas terras para terceiros ou eram obrigados a se desfazer de suas propriedades. Eram os tempos de enclosure.

O processo de desenvolvimento do capitalismo em pouco tempo deixou claro seu lema: acumular, sempre mais. Os comerciantes e produtores organizados em guildas, aos poucos tornaram-se cada vez menos numerosos. Os mais competentes e que conseguiam ter mais sucesso em seus negócios absorviam os demais. Esses que eram postos para fora de sua atividade tornavam-se empregados dos que sobreviviam. Aos que venciam, o sucesso agraciava com mais capitais, que eram reinvestidos em nome de mais lucros. Entrava em cena o processo de acumulação primitiva de capitais.

A descoberta da América, assim como o desenvolvimento das rotas comerciais para o Oriente, deram mais impulso a esse processo. Mais matérias-primas tornavam-se disponíveis. O ouro das Américas criou demanda por produtos até então desconhecidos. A acumulação de moedas de ouro pelos reis espanhóis criava demanda por produtos de luxo, por exemplo. Empreendedores viam oportunidades de negócios lucrativos.

Portugal, embora tenha o mérito das descobertas intercontinentais, em muito pouco tempo foi absorvido pelas moedas de ouro e prata espanholas. Esta, a Espanha, foi muito bem sucedida em acumular meios de troca: a ela deve-se a criação do sistema econômico conhecido como Mercantilismo. Governada pela Casa dos Habsburg, o sucesso acumulativo espanhol gerou inflação inédita no continente europeu e criou as bases para o início da industrialização na França.

A divisão do mundo entre Portugal e Espanha gerou conflitos com as nações que as sucederam: Inglaterra, França e Holanda. A França percebeu que a demanda por bens de luxo pela Corte espanhola gerou uma incipiente industrialização, que foi incentivada por um programa de governo chamado Colbertismo.

A Holanda foi ainda mais bem sucedida. Aproveitou toda a matéria-prima a que teve acesso para desenvolver suas indústrias têxteis. Embora todo o comércio entre colônias e metrópole fosse protegido por monopólios comerciais que, se quebrados, poderiam dar origem a guerras, o comércio de mercadorias finais era crescente e gerava saldos na Balança comercial. Por meio desse saldo, parte da acumulação de metais pela Espanha era direcionada a outros Estados nacionais.

O sucesso holandês não foi capaz de competir com a Inglaterra. Por meio da triangulação entre indústrias em solo inglês, colônias cada vez mais numerosas conquistadas por meio de uma Esquadra invencível e acesso aos mercados mais ricos do Oriente, a acumulação primitiva na Inglaterra (após, Reino Unido) que garantiu a Revolução Industrial e transformou a acumulação primitiva em acumulação capitalista.

Desde então, o enriquecimento de alguns deixou de ser resultante do empobrecimento de outros. A geração de riquezas passou a ser resultado de processos industriais.

Como quadro final, para apreciação de todos: os nobres tornaram-se burgueses; os camponeses tornaram-se proletariado.



Rubem L. de F. Auto




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