O colapso da URSS pode ser
observado já na década de 1960, quando houve a deterioração completa das
relações sino-soviéticas (China e URSS). Entretanto, esse também foi o momento
em que foram se estabelecendo as primeiras limitações às armas nucleares, o
início das tratativas do SALT e outras medidas que realocariam parte dos
recursos do orçamento de defesa para outras áreas.
Nas décadas de 1970 e 1980, a
União Soviética parecia ser um dos países mais estáveis do mundo. Internamente
também, parecia forte a cada dia ainda mais forte. Seus regimes-clientes, como
diversos países africanos, estavam seguros na órbita soviética. Mas havia
muitas coisas acontecendo, embora ainda ocultas.
Em 1974, houve um encontro entre
o presidente dos EUA, Gerald Ford, e sua contraparte soviética, Leonid Breznev,
numa cidade próxima a Vladivostok. Finalizado o encontro, Breznev dirigiu-se a
seu trem. Contudo, o trem não partiu. Ninguém foi informado do motivo do
atraso, que se estendeu ao dia seguinte. Pela manhã, houve o comunicado de que
Breznev havia sofrido um infarto. Seu médico depois esclareceu que o real
motivo foi uma overdose do remédio que usava para dormir. Ele estava viciado
nessa medicação. O que, aliás, é bastante compreensível em se tratando de um Chefe
de Estado em meio a uma Guerra Fria.
Uma das razões para não se compreender
com facilidade a quebra do regime econômico soviético era a quantidade colossal
de exportações a partir do país. Em termos de quantidades, nunca se produziu e
exportou tanto naquele país como nos seus últimos anos. Contudo, havia um
detalhe pondo toda aquela construção abaixo: a falta de produtividade.
Esse problema advinha da falta de
incentivos à produtividade. Como se costumava dizer: o Governo finge nos pagar,
nós fingimos trabalhar. O economista
russo Grigory Yavlinski, conselheiro de Mikhail Gorbatchev, convenceu-se da
necessidade de reformas quando analisou a baixa produtividade das minas
soviéticas. Percebeu que os mineiros não estavam trabalhando por falta de
incentivos.
Ao lado desse, havia muitos
outros problemas. Em meados dos anos 1980, cerca de 70% do PIB industrial soviético
ia para o complexo militar. Oleg Gordievsky, um membro da KGB que fugiu para a
Grã Bretanha, disse que pelo menos 1/3 do PIB total esta indo para os
militares. A inteligência do Ocidente não poderia crer em números tão altos,
mas chegaram à estimativa mínima de 50%. Pode-se imaginar o que a escassez de
bens industriais pode prejudicar com o resto da economia.
A Administração Reagan aumentou o
orçamento militar e pretendia implantar o Sistema de Mísseis Antibalísticos
Star Wars – Strategic Defense Initiative ou SDI. Para conseguir competir, a
URSS deveria aumentar ainda mais a participação do complexo militar no PIB do
país. OS burocratas soviéticos perceberam que era virtualmente impossível fazer
esse acréscimo. Finalmente, decidiram por finalizar a guerra armamentista –
pediram o fim da Guerra Fria. Quando a ameaça externa foi removida, não mais
havia razão para os russos tolerarem medidas políticas que tinham o fim único
de enfrentar um inimigo externo. Assim, todo o regime foi demolido.
O acordo entre Ford e Breznev
levou à assinatura do SALT – Strategic Arms Limitation Talks. Enquanto os
negociadores soviéticos falavam em desarmamento com o Oeste, em Helsinki, Finlândia,
o exército soviético instalava mísseis nucleares de médio alcance SS20. Somente
o núcleo do complexo militar-industrial sabia desses mísseis. Os negociadores
no SALT não sabiam; mesmo os níveis mais altos da inteligência soviética (KGB)
não sabiam. Esses negociadores somente souberam acerca dos mísseis quando
fontes ocidentais publicaram os locais em que se encontravam. Os EUA e a Europa
ocidental reagiram aos SS20 por meio da instalação dos mísseis Pershing e
Cruise na Europa ocidental. Os soviéticos reagiram com a proposta de um processo
de paz.
Os líderes soviéticos sempre
focaram o poderio militar. Por volta de 1970, os russos haviam atingido
paridade militar com os EUA. Conseguiram isso mesmo com metade ou até 1/3 do
orçamento militar americano. Mas paridade com os EUA não era o suficiente. O
líder soviético Andropov sugeriu que a URSS alcançasse paridade com as forças
da OTAN somadas às da China.
Parte do poderia militar
soviético estava na capacidade de construir milhares de itens, como tanques de
guerra por exemplo. Tinham 25.000 apenas na Alemanha Oriental. Esse poderio
lhes causava prazer e lhes dava confiança. Essa confiança se desfez quando o
presidente Carter anunciou que os EUA estavam considerando a construção de uma
bomba de nêutrons. Essas bombas são capazes de produzir radiação que atravessa
blindagens, matando assim os soldados dentro de um tanque de guerra sem causar
qualquer impacto sobre o tanque. O perigo para os soviéticos vinha em dobro,
haja vista o inimigo poder usar esses tanques após matar os soldados dentro deles.
Os soviéticos iniciaram uma campanha internacional contra as bombas de
nêutrons. O sucesso foi tamanho que Jimmy Carter anunciou o fim do programa
apenas um ano depois.
A administração Carter pode ser
lembrada ainda por outras medidas contra a URSS: boicote aos Jogos Olímpicos de
Moscou, treinamento de guerrilhas para resistirem à invasão soviética do
Afeganistão (guerrilhas de árabes treinadas pela CIA) e uso da ameaça soviética
como justificativa para maiores gastos militares. Também foi no seu governo que
se iniciaram conversas sobre o SALT II.
Em 1980, os EUA elegeram Ronald
Reagan como presidente. Este nunca acreditou – nem desejou – numa distensão com
a URSS. Em julho de 1983, em um discurso, chamou a URSS de “Império do Mal”. No
outro hemisfério, esse discurso teve resposta. Os líderes militares soviéticos
receberam um aumento significativo nos seus orçamentos.
Esse aumento de orçamento foi
realizado em detrimento de investimentos no resto da economia. Nikolai Leonov,
general na KGB, descreveu a situação nesses termos:
“Primeiramente, houve um declínio
visível na taxa de crescimento, então a completa estagnação. Houve uma
recessão, uma crise profunda e que se avolumava na agricultura. Foi um
amedrontador e verdadeiramente terrível sinal da crise. Esses foram os fatores
cruciais para transição para a Perestroika."
A administração Reagan tem
justificadamente o crédito pela implosão do Império do Mal, mas a ironia foi o
fato de que esse sucesso derivou mais de um erro do que de uma decisão
racional. David Stockman, chefe do OMB (Office of Management and the Budget),
disse que o aumento dramático no orçamento da defesa surgiu de um engano. A
técnica usada pelo OMB na elaboração dos orçamentos é, primeiramente, fazer
projeções de quantidades, sem alterações de preços (sem inflação). Após,
multiplica-se o número final por uma constante que caracterize a projeção para
a inflação anual. Stockman disse que nesse ano a constante utilizada estava
incorreta. Esse erro só foi percebido após a publicação do Orçamento. Quando
descoberto, informaram a Administração Reagan, que tentou corrigir o orçamento
junto ao Pentágono. A resposta foi: “De jeito nenhum! Se vocês ajustarem o que
foi publicada, vamos dizer às pessoas que vocês estão cortando o Orçamento da
Defesa.”
O prejuízo político seria muito
grande para a administração Reagan. Não apenas sancionaram o orçamento
publicado como ainda fizeram um segundo ajuste inflacionário. Isso explica o
aumento dramático do orçamento do Pentágono nesse período.
Muitos cientistas duvidavam do
sistema Star Wars, mas a URSS deveria presumir que funcionaria, ao elaborar
seus planos estratégicos.
Quando Mikhail Gorbatchev teve
certeza de que ganhara o controle do Partido Comunista e do governo da União
Soviética, procurou Aleksandr Yakiblev, um especialista em América do Norte, e
o convidou para ser um de seus principais conselheiros políticos. Nenhum dos
dois desejava destruir o sistema comunista. Ao contrário, desejavam fazê-lo
funcionar.
Yakoblev disse em uma entrevista:
“Parecia a nós que tudo o que
tínhamos que fazer era remover algumas proibições, alguns freios. Liberaríamos
tudo e começaria a funcionar. Funcionaria. Há um bom motor lá. Estava velho e
enferrujado. Precisava de óleo. Então, apenas pressione o botão de ligar e
começará a seguir o rumo. E ficamos nessa ilusão por um ano e meio a dois anos.”
Mas logo que iniciamos as
reformas radicais, em política externa, por exemplo, enfrentamos imediatamente
a resistência do sistema, o complexo industrial-militar, que é o núcleo do
sistema. Resistiram.
Entendemos então que se quiséssemos
reformas radicais, deveríamos enfrentar essa resistência. Foi o que ocorreu. E
daí em diante as pessoas começaram a dizer que o sistema e o Partido eram irreformáveis.
Embora houvesse esperanças de que tudo poderia ser feito sem maiores conflitos.”
Andrei Grachev, o chefe do
Departamento de Inteligência do Comitê Central, resumiu o desfecho da queda
quase convincentemente:
“Gorbatchev realmente percebeu
que o golpe final na resistência do sistema era matar o medo das pessoas. Esse
país ainda era governado assim e mantido unido, como uma só estrutura, como uma
estrutura de governo, por medo dos tempos de Stalin.
Outra coisa que mantinha esse
país unido foi a invenção da ameaça externa. Então a política externa de
Gorbatchev confirmou às pessoas que não havia inimigo lá fora, de fato fez uma
piada, engraçada ou não, com seu país, pois a partir de então não tínhamos mais
razão para manter aquela estrutura. Então, o sistema desabou.”
A implantação das reformas por
Gorbatchev foi resultado de uma luta intensa. Tais mudanças mostraram-se
impossíveis durante o governo Brezhnev. Após seu falecimento, 1982, foi sucedido
por Yuri Andropov, que faleceu em 1984. Foi sucedido por Konstantin Chernenko,
que faleceu em março de 1985. Daí surgiu Mikhail Gorbatchev, favorito de
Andropov. Diferenciava-se dos demais até na idade: Gorbatchev tinha 54 anos, um
sopro de juventude em meio a uma gerontocracia dominante.
De sua mente mais flexível,
surgiu a Perestroika (reestruturação econômica) e, após o desastre de
Chernobyl, a Glasnost, reforma política que permitiu maior independência da
mídia estatal e abertura para novas idéias – por exemplo, ele libertou o
dissidente Andrei Sakharov do exílio, em 1986. Em seus discursos procurava
atacar o que identificava como cinismo, apatia e corrupção na sociedade. Percebeu
que a sociedade estava madura o suficiente para retirar o poder do politburo e
aumentar a transparência pública. Propôs eleições multipartidárias, por voto
secreto e fomentou grupos de interesse civil.
Mas havia uma explicação mais imediata
para o colapso soviético, conforme Yegor Gaidar, que foi primeiro-ministro da
Rússia de junho de 1992 a dezembro de 1992 e uma figura chave na transformação
da economia russa. Em seu último trabalho, Colapso de um Império: Lições para a
Rússia moderna, publicado em 2007, Gaidar oferece uma explicação poderosa para
o colapso. A agricultura soviética estagnou nos anos 1980, mas a demanda por
grãos nas cidades aumentava. Precisavam importar grãos do mercado internacional
(especialmente dos EUA). Enquanto o preço do petróleo estava elevado, era
possível financiar essas compras. Mas quando o preço do petróleo caiu, no final
dos anos 1980, a URSS precisou pegar recursos emprestados de bancos ocidentais
(especialmente da Alemanha Ociental). Isso restringiu seriamente as atividades
internacionais da União Soviética. Não poderiam mais enviar tropas para conter
rebeliões na Europa oriental, pois esse movimento poderia levar à recusa dos
bancos ocidentais em financiar o país. Da mesma maneira, a tentativa de Golpe
de Estado estava destinada a falhar, pois os líderes do golpe não conseguiriam
pegar emprestados os recursos necessários para fazer cessar a fome nas grandes
cidades.”
A URSS precisou, mesmo, de lançar
mão do ouro acumulado durante os anos de Stalin.
Trata-se de aspecto interessante
da história. Muitos especialistas aconselhavam o governo dos EUA a utilizar instrumentos
financeiros e comerciais para sufocar a URSS. Interrompendo os fluxos de alimentos
e de dinheiro emprestado por bancos ocidentais entrando no país levaria ao
colapso do regime. Contudo, essas medidas nunca foram implantadas e tanto os
EUA quanto a Europa ocidental continuavam realizando negócios com o regime de
Moscou.
Em razão da impossibilidade de
aplicar mais recursos na produção de bens industriais, por ter de arcar com
custos muito altos do complexo militar-industrial, o padrão de vida da
população era baixo para os padrões ocidentais. Apenas 9% dos soviéticos tinham
automóveis. Poucos tinham computadores, devido ao estado constante de paranóia
sobre uso de telecomunicações por parte de movimentos contrarrevolucionários.
Embora o livro de Gaidar não
entre no mérito das razões que levaram ao declínio do preço do petróleo no
final da década de 1980, há evidências de que foi causado por uma conspiração
entre a CIA e os líderes da Arábia Saudita, como uma punição aos soviéticos
pela invasão do Afeganistão. A Arábia Saudita aumentou drasticamente sua produção,
derrubando os preços.
Em 1988, fruto das reformas de
Gorbatchev, a propriedade privada foi permitida na indústria. No entanto, a
cultura formada por anos de mercado protegido e ausência de competição levou à
desestruturação dos processos produtivos até então praticados, levando à falta
de alimentos e de itens de vestuários, algo inédito em muitos anos.
Daí em diante formaram-se os
grupos contra e pró reformas, com Boris Yeltsin liderando aqueles pró, enquanto
Yegor Ligachev liderava os contra. Yeltsin teve de renunciar ao Politburo e
como chefe do Partido Comunista para poder continuar a dar apoio às reformas.
Nas eleições seguintes, sob novas regras e com novos atores, a derrota dos
candidatos do Partido Comunista foi monumental. Yeltsin foi eleito para
representante por Moscou com 89% dos votos.
Quanto ao que se denominava de
Império Soviético, a reunião de nações comunistas unidas sob o Pacto de
Varsóvia (a contraparte oriental à OTAN), foi abalado pelos movimentos
ocorridos na Rússia. Como conseqüência dos problemas externos e até internos,
Gorbatchev, em visita à Polônia, disse que não pretendia enviar tropas para
conter qualquer rebelião separatista, e pretendia retirar as tropas que ainda
restavam na Europa Oriental.
Na Polônia especificamente, o
enfraquecimento do Partido Comunista levou à candidatura própria do Partido
Solidariedade, que recebia recursos tanto do Vaticano quanto dos EUA. Embora
essa vitória e a queda do muro de Berlin pudessem ter tido o condão mágico de
fazer sumir o regime, apenas a decisão russa de não interferir pode explicar o
desmoronamento completo da URSS, conforme prometido por Gorbatchev. A famosa
frase de Reagan, “Mr. Gorbatchev, tear down this wall!”, foi um pedido a um
líder, não um grito de ordem às pessoas. Até mesmo crer que o desmembramento
das antigas repúblicas constituintes da URSS causaria algum prejuízo econômico
à Rússia é falso, haja vista que agora poderiam concentrar recursos em áreas
mais importantes.
Os movimentos secessionistas seguintes
confirmaram que as divisões que surgiam na URSS eram causadas pela crise
econômica e política (não mais justificando uma união em torno do comunismo),
não tendo relação com nacionalismo ou outra razão política.
Gorbatchev sabia que suas medidas
estavam levando À dissolução da URSS. Visando a manter ao menos parte da União,
propôs um Tratado pelo qual a antiga URSS tomaria a forma de uma Confederação.
Oito Repúblicas assinaram o acordo e apenas a Ucrânia permanecia discutindo os
termos, mas dando esperanças de se integrar. Contudo membros do Politburo,
amedrontados com a dissolução da União, orquestraram um golpe de estado contra
Gorbatchev.
Após invadir sua dacha (espécie
de casa de campos onde passava férias), fizeram-no refém e mandaram suas tropas
para as ruas. A resistência contra o Golpe foi liderada por Yeltsin. Tendo o
Exército vermelho prometido que não interferiria contra os protestos,
Gorbatchev voltou a Moscou dois dias após a tentativa de Golpe. Forçado por
Yeltsin, acordou em extinguir o Partido Comunista. Embora Gorbatchev não tenha
tomado essa atitude, Yeltsin, assim que assumiu o governo, tomou a decisão e
extinguiu o CPSU – Partido Comunista da União Soviética em todo o território
russo.
Outra atitude tomada por Yeltsin
foi a extinção da tentativa de criar uma Confederação Soviética. Restou apenas
uma tentativa de manter os benefícios econômicos advindas da URSS por meio de
uma espécie de Commonwealth das ex-República Soviéticas.
Em 25 de dezembro de 1991, foi
oficializado o fim da antiga URSS.
Rubem L. de F. Auto
Fonte:
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