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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A EMPRESA DAS ÍNDIAS E OS INVESTIDORES DE RISCO ESPANHÓIS


Com a conquista de Constantinopla pelos turcos de Mehmed (Maomé II), em 1453, as cidades italianas que faziam o comércio de mercadorias no Mediterrâneo entraram em declínio. Como conseqüência, muitos navegadores que dependiam daquela atividade comercial buscaram outros lugares em que pudessem trabalhar. Nesse caminho muitos morreram afogados ou atacados por corsários.

Um desses navegadores, Cristóvão Colombo, que tinha um irmão morando em Lisboa e que trabalhava com cartografia, arriscou-se na promissora cidade. Embora analfabeto e sem muitas provas de que tivesse alguma experiência relevante no mar, Colombo tinha curiosidade e inteligência primorosas.

Lisboa nessa época, décadas de 1460 a 1470, era um misto de cidade portuária e entreposto comercial. Com a chegada de mercadorias e escravos africanos, Lisboa era povoada por pessoas as mais diversas: de negros africanos a brancos escandinavos. Em qualquer lugar era possível conversar com um navegante de algum lugar, possuindo informações sobre mares os mais distantes.

Tendo contato com os mapas mais recentes e confiáveis, além da bagagem de informações que trazia consigo da Itália, Colombo pensou em uma maneira de se aproveitar do ambiente empreendedor criado pelo governo Português em sua busca de uma rota comercial com o Oriente.

Ao juntar o livro Geografia, de Ptolomeu, com os relatos de viagens de Marco Polo, somando-se aos cálculos mais diversos de matemáticos sobre o tamanho da Terra, distâncias interoceânicas e muitas especulações, Colombo elaborou o seu Plano de Negócios: a Empresa das Índias. Não faltou nem um “parecer técnico” de um nome respeitável: Paolo Toscanelli, comerciante italiano que explorou, por muitos anos, rotas comerciais com o Oriente. Este não apenas confiava que Colombo chegaria a Cipango (atual Japão e extremo leste do Oriente), às Índias e à China, como achava a rota factível. Desejou-lhe boa sorte.

De posse de todos os dados de que necessitava, foi em busca de quem poderia investir recursos nessa empreitada, no ano de 1484. Como pagamento por seus esforços, exigia uma recompensa, títulos nobiliárquicos, participação de 10% sobre toda a atividade comercial das novas terras e o cargo de Vice-Rei das terras Orientais a serem conquistadas.

O empreendimento que buscava a rota para o Oriente era totalmente suportado pelo estado Português. O rei João II supervisionava e presidia pessoalmente esses esforços. O aconselhamento técnico era realizado pelo Conselho de Matemáticos, órgão criado pela Coroa Portuguesa que contava com os melhores e mais experientes estudiosos da Europa.

O desafio do proponente era convencer esses experimentados teóricos sobre a viabilidade do negócio. Colombo adulterou dados, escolheu interessadamente aqueles que lhe davam alguma vantagem, usou as imagens fantásticas de Marco Polo ... fez tudo o que pode para impressionar o rei e seus conselheiros. E o fez !

Embora tendo notado todas as adulterações nas distâncias exibidas, tentando assim fazer com que a viagem parecesse mais curta do que era, os conselheiros do rei acreditavam realmente que a proposta não era tão ruim. Poderia realmente ser possível. Afinal, as distâncias que os portugueses percorriam até a África já eram bem extensas.

Contudo, esses conselheiros levantaram diversos outros argumentos importantes: o monopólio português garantido pelo Papa só incluía a África – portanto essa nova rota poderia ser objeto de concorrência com outras nações; o esforço português parecia já estar próximo do desfecho; as distâncias poderiam ser muito grandes, a ponto de ser inviável estabelecer uma rota; o custo era alto e poderia prejudicar o planejamento que Portugal já seguia.

Assim, a resposta dada a Colombo foi negativa. Porém, o rei fez questão de dizer que a razão era o fato de que não se coadunava com o plano africano. Colombo não se sentiu tão desanimado e achou que poderia procurar outros interessados.

João II não apenas creu ser possível a Empresa das Índias como incentivou navegadores portugueses a tentarem essa viagem, embora sem aportar recursos estatais. Os poucos que aceitaram o desafio foram mal sucedidos, pois os ventos favoráveis àquela rota não passavam por Portugal ou Açores, local de onde saiam os navegantes.

Endividado e tendo empenhado tudo o que juntara nessa Empresa, com um filho pequeno e tendo a esposa falecido no parto, Colombo fugiu de Portugal (e dos credores) em direção à recém criada Espanha. Havia poucos anos que o casamento entre Fernando e Isabel e o Tratado do Alcáçova (que estabeleceu a paz entre Portugal e Castela e aceitou o domínio Espanhol sobre as Ilhas Canárias) permitiu a criação de um país grande e pacífico. Apesar dos anos de Guerra Civil, os novos reis direcionaram o espírito guerreiro dos espanhóis em direção ao Reino de Granada, último baluarte mouro na Península Ibérica.

Após deixar seu filho na casa de parentes da sua primeira esposa, Colombo entra em contato com monges, que o apresentam a aristocratas, que o levam a uma audiência com os reis (nessa época, o corte era itinerante, sem um palácio fixo).

Os reis o receberam – estamos em 1487 - e Colombo refaz a apresentação que fizera ao rei Português. Ao final, diz que João II se interessara e achara possível, porém recusou por causa do esforço de dar a volta na África. Isabel, que parecia ser mais astuta que Fernando, ouviu tudo e interessou-se – especialmente quando Colombo falou do interesse despertado em João II. A Espanha não tinha a experiência e muito menos especialistas em navegação no mesmo patamar que os portugueses. Mesmo assim a rainha reuniu um grupo de especialistas para avaliar a proposta do italiano.

Como não tinham especialistas com a capacidade daqueles que havia enfrentado em Portugal, Colombo conseguiu causar mais impacto nessa segunda tentativa. Porém a Espanha estava em uma guerra muito feroz contra Granada, que já durava e duraria ainda alguns anos. Essa guerra e a colonização das Canárias consumiam muitos recursos estatais e este foi o maior obstáculo no caminho do navegante. Em princípio da resposta do Conselho foi negativa. Após discordância de um dos membros, a palavra final foi: após a conquista de Granada, acreditamos ser viável investir nessa proposta. A rainha pediu-lhe que esperasse e reapresentasse a proposta após a queda de Granada.

Colombo tinha por volta de 35 anos e estava muito ansioso por tornar sua idéia realidade. Então tentou uma outra tática. Escreveu ao Rei João II pedindo uma segunda audiência e um salvo conduto para que pudesse voltar a Portugal sem ser preso por seus credores. Conseguiu.

O rei ainda não havia contornado a África – ele havia despachado Bartolomeu Dias há anos e até então este não havia voltado. Poderia ter morrido. Além disso, a idéia de Colombo ainda maquinava em sua consciência. Colombo voltou a Portugal feliz e  esperançoso e poucos dias antes da segunda audiência ... Bartolomeu Dias aponta no Tejo. O sucesso da empreitada de Dias, contornando o Cabo da Boa Esperança foi um banho de água fria. Agora não restava mais qualquer chance de Portugal fomentar seus planos.

Colombo retorna à Espanha e exercita sua paciência. Inscreve-se na armada espanhola para garantir alguma féria (salário) e aguarda o fim dos conflitos. No início de 1492 Granada cai aos pés da Espanha e Colombo reapresenta sua proposta. Por volta de agosto, parte com suas três caravelas do porto de Palos. Param em Granada, de onde partem de vez para Oeste.

Após dois meses fraudando os relatórios de viagem, tentando fazer parecer a seus homens que havia percorrido distâncias menores do que haviam de fato percorrido, para que não se sentissem tão distantes de terra quanto estavam, Colombo chegou a enfrentar um motim feito por seus marinheiro, exigindo voltar para casa quando o desespero de não encontrar ventos contrários começou a preocupá-los.

Porém, naquela madrugada, espumas de ondas batendo nas pedras anunciavam a chegada a terra. Provavelmente foi uma das ilhas do Caribe, não se sabe bem qual. Fizeram contato na manhã seguinte com índios locais. Viram alguns pequenos enfeites de ouro. Percorreram diversas ilhas em busca da fonte daquele metal. Após algumas tentativas mal sucedidas, conseguiram conhecer tribos de povos mais evoluídos, que praticavam a agricultura (e que fumavam cachimbo de tabaco enrolado ...). Com os restos do afundamento da caravela Santa Maria, construíram um forte. Era Hispaniola, atual Cuba.

Lá eles receberam diversos enfeites e presentes de ouro.

E assim se iniciava a história de sucesso dessa empresa multinacional que mudou o curso da história.


Rubem L. de F. Auto
        


  

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