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sábado, 1 de outubro de 2016

O FARDO DA CIVILIZAÇÃO E O AUTORITARISMO


A pedido de alguns amigos, como Einstein, em 1915 Sigmund Freud escreveu uma se suas obras-primas: O mal-estar da Civilização. Nessa obra, ele tentava entender a psicologia que estava por trás do conflito estúpido, irracional, que era a I Guerra Mundial.

Um conflito que logo se caracterizou por linhas fixas, entrincheiradas, espaçadas de 80 em 80 metros, nas quais soldados com metralhadoras se matavam aos milhões. Como uma civilização no seu auge, como era a europeia, vivendo um período de descobertas e invenções fantásticas, chegou a esse ponto? Era visível que estavam pondo todo aquele esforço de construir uma civilização avançada, por água abaixo. Em nome de quê?

Freud argumentou que o motivo era estranho, porém bastante compreensível: aqueles homens (e mulheres) estavam cansados de serem civilizados! Somos homens (no sentido de espécie), gostamos de conflitos, procuramos a dominação, precisamos de válvulas de escape. Precisamos de exercitar nosso lado irracional.

Nas suas obras, e nessa, Freud faz muita menção à sexualidade, às neuroses sexuais, fantasias indizíveis. Ele viveu em uma sociedade bastante puritana, na qual a repressão sexual era uma regra. Como psiquiatra, que acompanhou diversos pacientes ao longo dos anos, Freud pode aprender como as pessoas davam vazão a suas neuroses, muitas de fundo sexual.
A sociedade alemã, e a própria Europa, estava no limite do que poderia suportar por viver naquela sociedade regrada, com seus códigos e etiquetas. Faz lembra daquelas pessoas que tanto reclamam do “politicamente correto”?

Freud diz que ser civilizado, para os homens, é um grande fardo. Não era ilícito que a sociedade tenha apoiado aquela guerra num momento de euforia, de fazer algo excitante e diferente. Era evidente também, para Freud, que por volta de 1915 essa euforia tenha se esvaído quase completamente, deixando um sentimento arrependimento nessas pessoas. Estava claro que aquilo não poderia ter acontecido. Mas já era tarde.

Embora alegue-se, muitas vezes, que o crescimento econômico vertiginoso da Alemanha no século XIX, somado ao fato de que não dispunham de colônias na proporção que considerariam justa, mesmo após as negociações no âmbito da Conferência de Berlin, criou uma espécie de justificativa para o início do conflito. Mas não deixa de parecer uma derrapada do Kaizer Guilherme II.

Uma observação bastante acurada que Freud fez, foi quando disse ter notado um problema muito preocupante na sociedade alemão, em que as pessoas abriam mão excessivamente de seus direitos individuais, em benefício do Estado, motivadas pela sensação de insegurança. Direitos sociais acima dos direitos individuais é numa característica própria dos regimes autoritários. Eu creio em exceções, mas a realidade tem sido pródiga que a regra é o caminho dos regimes de exceção. Nesse quadro, do embate liberdade versus igualdade, o último prevalece.

Os tempos atuais têm mostrado que os detentores do Poder tendem a usar discursos baseados em perigos sociais, e a própria violência que costuma reinar em sociedades muito desiguais, para avançar sobre direitos individuais. No caso de sociedades bastante ignorantes, em média, como a brasileira, os fatos veem acompanhados até mesmo de discursos religiosos ou moral-religiosos, todos cristãos, católicos ou protestantes, claro.

Por exemplo, as leis e determinações infralegais, quando avançam sobre os direitos individuais, motivam entrar em residências sem mandado judicial, ou quando fazem o tráfico de drogas ser classificado como crime de matiz constitucional e hediondo. Enfim, basta ligar a TV e qualquer pessoa terá a sensação de que as drogas são o grande gerador de desgraças nas sociedades.
Pois bem. Seria de se esperar que o número de mortes relacionadas ao uso de drogas fosse alarmante. 

Transcrevo abaixo trecho do livro Uma breve história do Conhecimento, de Van Doren (os números estão desatualizados, mas a proporção deve ser a mesma):

 “(...) viciado era alguém “transferido legalmente para” ou “preso a” outra pessoa ou coisa. O conceito tem as raízes na lei romana. A ligação poderia ser estuada por outros, ou pela própria pessoa. Um homem pode ficar viciado em bebida, disse Shakespeare, ou seja, pode tender normalmente a tomar bebidas alcoólicas. (...)
“Speed” (velocidade) é o nome comum de uma droga legal, quando receitada por um médico. Caso contrário, não é legal. (...)

Pode até existir uma correlação entre a velocidade crescente da vida moderna, na qual a humanidade, como um todo, parece estar viciada, e o uso crescente de drogas psicotrópicas viciantes que prometem uma fuga à correria do cotidiano (...).

O vício da nicotina é muito perigoso. Mais de meio milhão de pessoas morre todos os anos vítima de doenças causadas pelo tabaco (...)

O álcool é também um assassino poderoso (...) pelo menos metade de todos os acidentes de carro parecem ser causados por condutores embriagados. (...)

Qual é o número de mortes, a nível mundial, causadas por todas a outras drogas psicotrópicas viciantes: cocaína, heroína, ópio e  as restantes ? Alguém sabe ? Provavelmente será de 1 milhão de mortes por ano, ou mais. (...)

(...) Um número redondo, por excesso (contabilizando todos os familiares, amigos etc.), é 5 milhões. Cinco milhões de homens, mulheres, e crianças que morrem todos os anos devido aos efeitos do álcool, da nicotina, da cocaína e de todas as outras substâncias do mesmo gênero. (...)

Comparativamente, contudo, todos os vícios químicos combinados estão longe de ser a dependência mais dispendiosa de que a humanidade é vítima. Cinco milhões é um número pequeno quando comparado com a quantidade de seres humanos vivos hoje em dia. É menos de uma milésima parte do total, menos de um décimo de 1%. Pelo menos um vício é incomparavelmente mais terrível, mais mortal. O vício da guerra.”



Há cerca de 35.000 anos, existiam duas raças de seres humanos razoavelmente bem definidas. Uma espécie, o Homo Sapiens, encontrava-se dividida em duas raças: o Homem de Neandertal e o Homem de Cro-Magnon. Aparentemente o Homem de Neandertal eram mais pacífico. Houve um conflito entre ambos e o Homem de Cro-Magnon saiu-se vitorioso, e os Homens de Neandertal foram extintos.

Por volta de 5.000 aC a guerra tornara-se endêmica em quase todas as sociedades humanas. E tem sido assim nos últimos 7.000 anos ...  


Rubem L. de F. Auto

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