Em setembro de 1945, o Japão tinha aproximadamente 3 milhões
de mortos pela guerra e perdas econômicas equivalentes a ¼ do PIB. Como se
tornaram a segunda maior economia do mundo, nos anos 1980? O sucesso da economia
japonesa no pós-guerra se deve à variedade de fatores que tinham a ver com as
políticas americanas direcionadas ao país, o mercado internacional, mobilização
social, capacidade e experiência industrial já existentes, dentre outros
fatores.
Entre 1937 e 1945, durante os anos de guerra, a economia
japonesa se desenvolveu rapidamente. Os índices de produção cresceram 24% em
manufaturas, 46% em aços, 70% em metais não ferrosos e 252% em maquinários.
Muitos dos produtos da crescente economia de guerra eram diversificados e
sofisticados, de maneira que se facilitou seu aproveitamento no períodos de paz.
Na indústria automobilística, por exemplo, das 11 maiores fábricas no Japão
pós-guerra, 10 nasceram no período de guerra: apenas a Honda é um produto do
período pós-guerra. Três das dez - Toyota, Nissan e Isuzu – prosperaram como fabricantes
preferenciais de caminhões para os militares, após a lei de 1936 que proibiram
Ford e GM de operarem no país. Outros gigantes corporativos no cenário
pós-guerra ganharam vantagens comparativas durante os anso de guerra. Normura
Securities, uma das maiores corporação japonesa, foi fundada em 1925 como uma
firma especializada em títulos. A Hitachi foi fundada em 1910, mas cresceu
muito nos anos 1930 como parte do conglomerado Ayukawa, que inclui a Nissan. A
Toshiba é de 1904, mas foi fortalecida em 1939, como parte da estratégia de
consolidação de empresas levada a cabo pelo governo.
Após o fim da guerra, muitas das corporações que surgiram
durante a guerra e dos produtos surgidos durante o conflito foram convertidos
para o desenvolvimento do país no pós-guerra. Companhias privada japonesas se expandiram
rapidamente. Fizeram grandes empréstimos bancários. O governo incentivava
fusões para que os grupos resultantes, fortalecidos, pudessem competir com as
Três Grandes de Detroit. Toyota, Nissan, Isuzu, Toyo Kogio (Mazda) e Mitsubishi
decidiram concorrer com suas linhas completas. Uma companhia nova, iniciando a
produção de motocicletas, fundada por Honda Soichiro, entrou no mercado em 1963
com grande sucesso.
Em 1953, dois jovens, Morita Akio e Ibuka Masaru, lutaram
por meses contra a burocracia para que conseguissem permissão para comprar
licenças para fabricar transistores. Começando com um rádio, em 1950, a
companhia recém-nascida, Sony, logo emergiu como líder global em qualidade e
inovação em produtos eletrônicos.
O nacionalismo e o desejo de alcançar os países líderes
persistiram após a II GM, mas agora os esforços estavam focados em objetivos
econômicos e industriais. Por exemplo, fabricantes de metralhadoras foram
convertidas para fabricantes de máquinas de costuras; fábricas de armas óticas
agora produziam câmeras e binóculos.
A grande devastação econômica causada pelo conflito e a
necessidade de reconstruir o país do zero levaram à introdução de novas
tecnologias e novos estilos gerenciais, os quais deram à companhias uma chance
para se atualizarem e ganharem escala de produção. Essas mudanças encontraram
um ambiente internacional favorável ao livre comércio, tecnologia barata e
matérias-primas também baratas.
Durante a Guerra Fria, o Japão foi cliente e amigo dos EUA,
que permitiram que o mercado japonês permanecesse fechado a produtos
americanos, enquanto os EUA permaneciam abertos aos produtos japoneses.
Ainda durante a Guerra Fria, interesses estratégicos levaram
os EUA a permitirem ao Japão exportar para os EUA, enquanto protegiam seu
mercado doméstico, levando à criação de cartéis e de características que não
são próprias de mercados livres, além de criar assimetrias na relação comercial
entre Japão e EUA. A economia baseada em exportações que o Japão desenvolveu também
se beneficiou enormemente das baixas tarifas comerciais então vigentes no
mercado internacional – no âmbito do GATT, atual OMC -, baixos preços do
petróleo e de outras matérias primas necessárias para o desenvolvimento.
Em razão do art. 9º da Constituição japonesa, que proíbe o
Japão de se rearmar, o país tem vivido sob o guarda-chuva militar dos EUA,
gastando 1% do PIB em equipamentos de defesa militares (o que representa uma
boa quantidade de dinheiro, haja vista o tamanho do PIB do país). Ainda assim,
é possível que o país tenha economizado recursos relativamente à recriação de
forças militares próprias.
No Japão, existe uma sociedade de bem estar social, em lugar
de um Estado de bem estar social. Caracteriza-se pelo pleno emprego, incluindo
cartéis compostos por pequenas e médias empresas, visando a evitar a falência e
manter o emprego.
A sociedade de bem estar social e o pleno emprego permitiram
ao Japão empregar recursos no desenvolvimento industrial, na forma de
empréstimos bancários.
Durante os anos de ocupação americana – 1946 a 1949 – a economia
japonesa era sustentada por 500 milhões de dólares anuais vindos dos EUA. A
despeito dessa ajuda, por causa da devastação dos anos de guerra, a economia
japonesa estava em frangalhos.
Como reação, a forças de ocupação japonesas convidaram banqueiros
de Detroit para ajudarem a equilibrar a economia japonesa. Eles criaram o Plano
Dodge (1949): orçamento equilibrado, inflação reduzida, refinanciamento da
dívida pública. Além disso, taxa de câmbio fixa (1:360).
Como a taxa de câmbio estava muito desvalorizada, a inflação
aumentou nos anos após 1949. A reação ao Plano foi péssima, o aumento do
desemprego foi explosivo.
O Estado reagiu: empréstimos de bancos estatais a companhias
privadas foram realizados com o foco de prevenir quebras de empresas. Em 1950,
a maior preocupação da economia japonesa era a cumulação de capitais e promoção
de exportações; companhias de médio porte também protestaram contra o aumento
de impostos. Estas medidas preveniram a formação de um Estado de bem estar
porque isso requeriria aumento de impostos. Em vez disso, o Estado promoveu uma
sociedade de bem estar por meio de lei. A sociedade de bem estar, por meio da manutenção
do pleno emprego via empréstimos estatais liberais, a companhias privadas,
dispensaram o pagamento de auxílio desemprego. Pensões de aposentadoria
surgiram das poupanças pessoais e compensações pagas por empresas, em vez de
serem despesas do Estado.
A sociedade de bem estar poupou o governo japonês de muitas
despesas, os quais eram liberalmente emprestados a companhias e garantiam uma
fonte de recursos segura, levando algumas empresas à inovação tecnológica de
mercado (evidentemente algumas empresas se fiaram muito nos empréstimos
facilitados e apresentaram desempenho insatisfatório).
Sob a sociedade de bem estar, auxílios desemprego limitados
existiam de fato, mas eram providos por companhias privadas. Os prêmios de seguro
desemprego são suportados por empregadores e empregados meio a meio. O governo
paga apenas uma parte dos custos de operação e de gerenciamento e algumas
outras poucas despesas.
As grandes corporações são responsáveis por subsidiar a
aquisição de imóveis, seguro de saúde, aposentadorias e outros programas, como
atividades recreacionais, em um pacote conhecido como “emprego para a vida toda”,
praticado após os anos 1960. Obviamente revela-se custo a serem transferidos para
o consumidor.
Dos anos de 1950 em diante, os líderes políticos e a
burocracia japonesa, trabalhando em cooperação com executivos de grandes
corporações, procuraram ativar e desenvolver a economia. Por 23 anos, de 1950 a
1973, o PNB japonês cresceu em torno de uma média anual de mais de 10%, com pequenos
períodos abaixo desse patamar. Havia também uma alta taxa de investimentos em
tecnologia.
O Japão criou uma economia voltada para exportações: grande
parte dos bens produzidos eram direcionados para o mercado externo; a moeda
estrangeira era usada para financiar a aquisição de tecnologias e matérias
primas para seu desenvolvimento industrial. O Japão não conta com fontes de
matérias primas, com exceção de limitadas reservas de petróleo. Por outro lado,
mais de 70% dos bens produzidos são vendidos no mercado internacional. Quando o
modelo exportador foi desenvolvido, nos anos 1950, o ambiente era bem mais
favorável: mercado internacional sem barreiras e matérias-primas baratas.
Licenças para uso de tecnologias alheias também eram mais acessíveis, como transistores
ou alto-fornos.
Bancos privados, assim como instituições públicas, como o
Banco de Desenvolvimento Industrial, direcionavam as poupanças privadas para
capitalizar empresas. Nos anos iniciais do desenvolvimento da economia japonesa,
de 1950 a 1960, 1/3 dos empréstimos bancários vinham de poupanças privadas. A
taxa de poupança crescia irresistivelmente com o crescimento da economia e
alcançou 15% por volta de 1960 e chegou aos 20% por volta de 1970.
A presença estatal regulatória é tão presente no Japão que
este já foi chamado de país do “capitalismo de corretagem” (brokered
capitalism), por esse motivo. O governo
foi o responsável por concentrar o mercado bancário do país após a II GM,
reduzindo drasticamente a presença de bancos privados e direcionando a poupança
nacional massivamente em direção ao desenvolvimento do país. Foi também o
Estado quem redirecionou recursos de indústrias tradicionais – como carvão,
têxteis – para indústrias com alto potencial de crescimento – como eletrônica,
aço, petroquímica e automotiva. Alguns anos depois, redirecionou novamente,
tendo agora como alvos: computadores, semicondutores e biotecnologia.
Durante a ocupação americana, uma das decisões de MacArthur
foi liberalizar o Japão, eliminando monopólios: os zaibatsus. Contudo, após a
ingerência externa, o governo japonês percebeu que a instituição de monopólios
no velho estilo aceleraria o processo de criação de companhias capazes de
concorrer agressivamente no mercado externo. Nem mesmo a Fair Trade Commission foi capaz de
deter essa decisão estatal.
Um episódio descreve muito bem como atuavam as companhias
japonesas, já nos anos 1950. Seis fabricantes japonesas de televisores se
juntaram em cartel, em 1956, conseguindo assim controlar os preços dos televisores
no mercado doméstico. Utilizaram seu poder para manter os preços elevados,
enquanto o governo mantinha o mercado fechado a concorrentes estrangeiros. Com
as altas margens de lucros, conseguiram imprimir altas exportações para os EUA.
Conseguiram mesmo levar concorrentes à falência, até no mercado americano. Ao
lado dessas medidas, figuravam empréstimos facilitados, relaxamento das leis
antitruste e outras.
Com o tempo, o modelo dos zaibatsus deu lugar aos keiretsus,
semelhantes, porém mais flexíveis. Grupos como Mitsui, Mitsubishi, Sumitomo,
Fuyo, Dai-ichi, Kangyo e Sanwa adotaram essa forma, adotando estratégias de
horizontais. Cada membro de um grupo de empresas se relaciona com os demais por
meio de participações cruzadas. Grandes keiretsus automotivos adotam um perfil
vertical (Nissan, Toyota, Hitachi, Matsushita, Sony ...).Este modelo favorece a
coordenação de estratégias de mercado e trás sinergias.
Resumindo a estratégia japonesa para abocanhar parte
relevante do mercado internacional: grandes grupos econômicos passaram a
controlar preços e manter altas margens de lucros, fazendo assim os
consumidores japoneses subsidiarem suas companhias nacionais em suas
estratégias de expansão internacional, por meio de preços mais elevados no
mercado interno.
Isso é bom? Well, it`s worked!
Rubem L. deF. Auto
Nenhum comentário:
Postar um comentário