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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O TAKEOFF JAPONÊS APÓS A II GUERRA MUNDIAL


Em setembro de 1945, o Japão tinha aproximadamente 3 milhões de mortos pela guerra e perdas econômicas equivalentes a ¼ do PIB. Como se tornaram a segunda maior economia do mundo, nos anos 1980? O sucesso da economia japonesa no pós-guerra se deve à variedade de fatores que tinham a ver com as políticas americanas direcionadas ao país, o mercado internacional, mobilização social, capacidade e experiência industrial já existentes, dentre outros fatores.

Entre 1937 e 1945, durante os anos de guerra, a economia japonesa se desenvolveu rapidamente. Os índices de produção cresceram 24% em manufaturas, 46% em aços, 70% em metais não ferrosos e 252% em maquinários. Muitos dos produtos da crescente economia de guerra eram diversificados e sofisticados, de maneira que se facilitou seu aproveitamento no períodos de paz. Na indústria automobilística, por exemplo, das 11 maiores fábricas no Japão pós-guerra, 10 nasceram no período de guerra: apenas a Honda é um produto do período pós-guerra. Três das dez - Toyota, Nissan e Isuzu – prosperaram como fabricantes preferenciais de caminhões para os militares, após a lei de 1936 que proibiram Ford e GM de operarem no país. Outros gigantes corporativos no cenário pós-guerra ganharam vantagens comparativas durante os anso de guerra. Normura Securities, uma das maiores corporação japonesa, foi fundada em 1925 como uma firma especializada em títulos. A Hitachi foi fundada em 1910, mas cresceu muito nos anos 1930 como parte do conglomerado Ayukawa, que inclui a Nissan. A Toshiba é de 1904, mas foi fortalecida em 1939, como parte da estratégia de consolidação de empresas levada a cabo pelo governo.

Após o fim da guerra, muitas das corporações que surgiram durante a guerra e dos produtos surgidos durante o conflito foram convertidos para o desenvolvimento do país no pós-guerra. Companhias privada japonesas se expandiram rapidamente. Fizeram grandes empréstimos bancários. O governo incentivava fusões para que os grupos resultantes, fortalecidos, pudessem competir com as Três Grandes de Detroit. Toyota, Nissan, Isuzu, Toyo Kogio (Mazda) e Mitsubishi decidiram concorrer com suas linhas completas. Uma companhia nova, iniciando a produção de motocicletas, fundada por Honda Soichiro, entrou no mercado em 1963 com grande sucesso.

Em 1953, dois jovens, Morita Akio e Ibuka Masaru, lutaram por meses contra a burocracia para que conseguissem permissão para comprar licenças para fabricar transistores. Começando com um rádio, em 1950, a companhia recém-nascida, Sony, logo emergiu como líder global em qualidade e inovação em produtos eletrônicos.

O nacionalismo e o desejo de alcançar os países líderes persistiram após a II GM, mas agora os esforços estavam focados em objetivos econômicos e industriais. Por exemplo, fabricantes de metralhadoras foram convertidas para fabricantes de máquinas de costuras; fábricas de armas óticas agora produziam câmeras e binóculos.

A grande devastação econômica causada pelo conflito e a necessidade de reconstruir o país do zero levaram à introdução de novas tecnologias e novos estilos gerenciais, os quais deram à companhias uma chance para se atualizarem e ganharem escala de produção. Essas mudanças encontraram um ambiente internacional favorável ao livre comércio, tecnologia barata e matérias-primas também baratas.

Durante a Guerra Fria, o Japão foi cliente e amigo dos EUA, que permitiram que o mercado japonês permanecesse fechado a produtos americanos, enquanto os EUA permaneciam abertos aos produtos japoneses.

Ainda durante a Guerra Fria, interesses estratégicos levaram os EUA a permitirem ao Japão exportar para os EUA, enquanto protegiam seu mercado doméstico, levando à criação de cartéis e de características que não são próprias de mercados livres, além de criar assimetrias na relação comercial entre Japão e EUA. A economia baseada em exportações que o Japão desenvolveu também se beneficiou enormemente das baixas tarifas comerciais então vigentes no mercado internacional – no âmbito do GATT, atual OMC -, baixos preços do petróleo e de outras matérias primas necessárias para o desenvolvimento.

Em razão do art. 9º da Constituição japonesa, que proíbe o Japão de se rearmar, o país tem vivido sob o guarda-chuva militar dos EUA, gastando 1% do PIB em equipamentos de defesa militares (o que representa uma boa quantidade de dinheiro, haja vista o tamanho do PIB do país). Ainda assim, é possível que o país tenha economizado recursos relativamente à recriação de forças militares próprias.

No Japão, existe uma sociedade de bem estar social, em lugar de um Estado de bem estar social. Caracteriza-se pelo pleno emprego, incluindo cartéis compostos por pequenas e médias empresas, visando a evitar a falência e manter o emprego.

A sociedade de bem estar social e o pleno emprego permitiram ao Japão empregar recursos no desenvolvimento industrial, na forma de empréstimos bancários.

Durante os anos de ocupação americana – 1946 a 1949 – a economia japonesa era sustentada por 500 milhões de dólares anuais vindos dos EUA. A despeito dessa ajuda, por causa da devastação dos anos de guerra, a economia japonesa estava em frangalhos.

Como reação, a forças de ocupação japonesas convidaram banqueiros de Detroit para ajudarem a equilibrar a economia japonesa. Eles criaram o Plano Dodge (1949): orçamento equilibrado, inflação reduzida, refinanciamento da dívida pública. Além disso, taxa de câmbio fixa (1:360).

Como a taxa de câmbio estava muito desvalorizada, a inflação aumentou nos anos após 1949. A reação ao Plano foi péssima, o aumento do desemprego foi explosivo.

O Estado reagiu: empréstimos de bancos estatais a companhias privadas foram realizados com o foco de prevenir quebras de empresas. Em 1950, a maior preocupação da economia japonesa era a cumulação de capitais e promoção de exportações; companhias de médio porte também protestaram contra o aumento de impostos. Estas medidas preveniram a formação de um Estado de bem estar porque isso requeriria aumento de impostos. Em vez disso, o Estado promoveu uma sociedade de bem estar por meio de lei. A sociedade de bem estar, por meio da manutenção do pleno emprego via empréstimos estatais liberais, a companhias privadas, dispensaram o pagamento de auxílio desemprego. Pensões de aposentadoria surgiram das poupanças pessoais e compensações pagas por empresas, em vez de serem despesas do Estado.

A sociedade de bem estar poupou o governo japonês de muitas despesas, os quais eram liberalmente emprestados a companhias e garantiam uma fonte de recursos segura, levando algumas empresas à inovação tecnológica de mercado (evidentemente algumas empresas se fiaram muito nos empréstimos facilitados e apresentaram desempenho insatisfatório).      
Sob a sociedade de bem estar, auxílios desemprego limitados existiam de fato, mas eram providos por companhias privadas. Os prêmios de seguro desemprego são suportados por empregadores e empregados meio a meio. O governo paga apenas uma parte dos custos de operação e de gerenciamento e algumas outras poucas despesas.
As grandes corporações são responsáveis por subsidiar a aquisição de imóveis, seguro de saúde, aposentadorias e outros programas, como atividades recreacionais, em um pacote conhecido como “emprego para a vida toda”, praticado após os anos 1960. Obviamente revela-se custo a serem transferidos para o consumidor.

Dos anos de 1950 em diante, os líderes políticos e a burocracia japonesa, trabalhando em cooperação com executivos de grandes corporações, procuraram ativar e desenvolver a economia. Por 23 anos, de 1950 a 1973, o PNB japonês cresceu em torno de uma média anual de mais de 10%, com pequenos períodos abaixo desse patamar. Havia também uma alta taxa de investimentos em tecnologia.    

O Japão criou uma economia voltada para exportações: grande parte dos bens produzidos eram direcionados para o mercado externo; a moeda estrangeira era usada para financiar a aquisição de tecnologias e matérias primas para seu desenvolvimento industrial. O Japão não conta com fontes de matérias primas, com exceção de limitadas reservas de petróleo. Por outro lado, mais de 70% dos bens produzidos são vendidos no mercado internacional. Quando o modelo exportador foi desenvolvido, nos anos 1950, o ambiente era bem mais favorável: mercado internacional sem barreiras e matérias-primas baratas. Licenças para uso de tecnologias alheias também eram mais acessíveis, como transistores ou alto-fornos.

Bancos privados, assim como instituições públicas, como o Banco de Desenvolvimento Industrial, direcionavam as poupanças privadas para capitalizar empresas. Nos anos iniciais do desenvolvimento da economia japonesa, de 1950 a 1960, 1/3 dos empréstimos bancários vinham de poupanças privadas. A taxa de poupança crescia irresistivelmente com o crescimento da economia e alcançou 15% por volta de 1960 e chegou aos 20% por volta de 1970.     

A presença estatal regulatória é tão presente no Japão que este já foi chamado de país do “capitalismo de corretagem” (brokered capitalism), por esse motivo.  O governo foi o responsável por concentrar o mercado bancário do país após a II GM, reduzindo drasticamente a presença de bancos privados e direcionando a poupança nacional massivamente em direção ao desenvolvimento do país. Foi também o Estado quem redirecionou recursos de indústrias tradicionais – como carvão, têxteis – para indústrias com alto potencial de crescimento – como eletrônica, aço, petroquímica e automotiva. Alguns anos depois, redirecionou novamente, tendo agora como alvos: computadores, semicondutores e biotecnologia.

Durante a ocupação americana, uma das decisões de MacArthur foi liberalizar o Japão, eliminando monopólios: os zaibatsus. Contudo, após a ingerência externa, o governo japonês percebeu que a instituição de monopólios no velho estilo aceleraria o processo de criação de companhias capazes de concorrer agressivamente no mercado externo.  Nem mesmo a Fair Trade Commission foi capaz de deter essa decisão estatal.

Um episódio descreve muito bem como atuavam as companhias japonesas, já nos anos 1950. Seis fabricantes japonesas de televisores se juntaram em cartel, em 1956, conseguindo assim controlar os preços dos televisores no mercado doméstico. Utilizaram seu poder para manter os preços elevados, enquanto o governo mantinha o mercado fechado a concorrentes estrangeiros. Com as altas margens de lucros, conseguiram imprimir altas exportações para os EUA. Conseguiram mesmo levar concorrentes à falência, até no mercado americano. Ao lado dessas medidas, figuravam empréstimos facilitados, relaxamento das leis antitruste e outras.

Com o tempo, o modelo dos zaibatsus deu lugar aos keiretsus, semelhantes, porém mais flexíveis. Grupos como Mitsui, Mitsubishi, Sumitomo, Fuyo, Dai-ichi, Kangyo e Sanwa adotaram essa forma, adotando estratégias de horizontais. Cada membro de um grupo de empresas se relaciona com os demais por meio de participações cruzadas. Grandes keiretsus automotivos adotam um perfil vertical (Nissan, Toyota, Hitachi, Matsushita, Sony ...).Este modelo favorece a coordenação de estratégias de mercado e trás sinergias.

Resumindo a estratégia japonesa para abocanhar parte relevante do mercado internacional: grandes grupos econômicos passaram a controlar preços e manter altas margens de lucros, fazendo assim os consumidores japoneses subsidiarem suas companhias nacionais em suas estratégias de expansão internacional, por meio de preços mais elevados no mercado interno.    

Isso é bom? Well, it`s worked!


Rubem L. deF. Auto


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