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terça-feira, 4 de outubro de 2016

HENRIQUE, PEDRO E A START UP PORTUGUESA DE NAVEGAÇÃO


Em 1415, Henrique, filho do rei João I de Portugal conquistou a cidade de Ceuta, no atual Marrocos. Chocado com a quantidade de ouro, tecidos, tapetes, tapeçarias orientais, especiarias, dentro das residências, em palácios, em estoques enormes, vindas de diversas partes do mundo, Dom Henrique, terceiro filho da Ínclita Geração que expandiu de forma inédita as fronteiras de Portugal e de toda a Europa, decidiu que deveria descobrir o segredo de tamanha riqueza. De onde vinham? Como eram adquiridas? E essa enorme quantidade de ouro? Sabia-se que vinham do norte da África. Mas como?

Ao longo dos séculos, comerciantes árabes conhecedores do deserto, viajando com seus camelos, descobriram uma forma de adquirir ouro de povos que mineravam ouro em pó às margens do rio Senegal. Era o conhecido comércio silencioso, pois nenhum dos lados conseguia falar a língua do outro. Saídos das montanhas Atlas, esses comerciantes seguiam por trilhas milenares, carregando suas mercadorias, que desejavam trocar por ouro, até a região do rio Senegal. Lá, empilhavam suas mercadorias e saíam de vista. 
Após isso, os africanos depositavam montinhos de ouro ao lado das mercadorias por que se interessavam. Os mercadores árabes voltavam e, das duas uma: ou aceitavam a oferta ou ajustavam a quantidade ofertada. Assim eram formados os estoques de ouro de Ceuta.

Essa cidade era conhecida também por seu porto. Era o último no império muçulmano. Lá, chegavam mercadorias de todo o mundo, e era habitada por pessoas de diversas nacionalidades e culturas.

A conquista de Ceuta foi empreendida por mar. Uma enorme expedição, em 1414, organizada por D. João I, composta por milhares de portugueses, capitaneada pelo Infante foi despachada do Porto. Após intensa batalha e resistência dos mouros, Ceuta caiu a seus pés.

Com a intenção de entender e conquistar aquela riqueza de que acabara de tomar conhecimento, D. Henrique dá início àquilo a que dedicaria uma vida inteira.

Inicialmente consegue que seu pai o nomeie governador de Ceuta. A cidade torna-se assim protetorado português. Uma espécie de posto avançado em terras africanas. Uma extensão portuguesa de uma das colunas de Hércules.

Prevendo que as conquistas que tinha em vista seriam alcançadas por mar, no melhor estilo português, Henrique conseguiu autorização para criar um castelo na vila de Algarve, sul de Portugal. Já habitada por navegadores, embora bastante artesanais, Henrique investiu somas enormes de recursos nessa vila de pescadores. Fomentou, assim, o desenvolvimento de novas técnicas de navegação, novas tecnologias de construção naval, melhores tecnologias de localização no mar, navegação pelas estrelas etc.

O Algarve tinha vantagem no posicionamento geoestratégico e o povo algarvio do litoral tinha uma relação, quase, umbilical com o mar. O Infante Dom Henrique reconheceu as potencialidades e instalou na região o centro nevrálgico dos Descobrimentos. Nessa região localiza-se a Fortaleza de Sagres, onde se pode encontrar uma rosa-dos-ventos desenhada no chão e uma muralha corta-ventos. A poucos quilômetros, encontra-se o Farol do Cabo de São Vicente, construído no início do século XVI para contribuir para a segurança dos navegadores.

Uma outra providência tomada por D. Henrique foi encarregar Dom Pedro, seu irmão, de viajar por alguns locais na Europa e pesquisar mapas e registros cartográficos sobre locais já conhecidos. Foi assim que eles tiveram contato com os mapas de Ptolomeu, antigo rei do Egito e ex-general de Alexandre, o Grande, desenhados por volta de 200 aC. Tais mapas haviam sumido da Europa mas haviam sido preservados e traduzidos pelos mouros. Esses mapas descreviam a Terra redonda, com cálculos do diâmetro do Planeta (pouco precisos, mas esclarecedores), a localização de boa parte das terras conhecidas até então e com claras indicações de que haveria uma passagem para a Índia pelo sul da África.

Evidentemente esse processo se desenvolveu em etapas, nos moldes da Corrida Espacial. Uma outra preocupação dizia respeito ao retorno dos investimentos realizados. Como havia o risco de que outras nações tivessem acesso às informações sobre as novas terras a serem descobertas ou conquistadas, e como o investimento seria bastante elevado, Portugal deveria descobrir uma maneira de garantir a posse e o monopólio de exploração. Esse objetivo foi conquistado por meio da influência que o rei de Portugal tinha junto aos Papas. Devido à importância e à riqueza do primeiro Estado moderno europeu após a alta Idade Média, o rei conseguiu a expedição de diversas bulas papais que garantiram o monopólio de terras descobertas e mesmo de terras a serem descobertas abaixo do Equador e por todo o Oceano Atlântico, até as Índias.

Primeiramente, em 1416, foi realizada a chegada às Ilhas Canárias. Essas ilhas seriam alvo de disputa com o reino de Castela. Essa disputa somente foi resolvida no âmbito das negociações envolvendo a Guiné – esta foi reconhecida portuguesa, enquanto aquelas foram cedidas a Castela.

Na sequência, Henrique investiu mais recursos para a conquista de outras terras: ilhas da Madeira, em 1419 e Açores, em 1427. Após essas conquistas estabeleceu-se uma espécie de barreira natural à descida pela costa africana. Ao sul das Ilhas Canárias encontrava-se o famoso Cabo Bojador, ponto mais ao sul do deserto do Saara. Nessa altura da viagem, parecia que o deserto entrava no mar. Uma cortina espessa de areia formava-se em frente às embarcações, já aterrorizadas com as altas ondas que se chocavam com as caravelas. Henrique sabia que esse obstáculo deveria ser superado para que seus sonhos se realizassem.

Os investimentos de D. Henrique vinham transformando a região do Algarve no ponto mais importante dos empreendimentos marítimos de Portugal. Uma cidade que crescia e vinha se tornando referência para os eventos que vinham sendo desenvolvendo era Lagos. O Forte do Pau da Bandeira e o Museu de Cera dos Descobrimentos são dois símbolos desse passado glorioso. Nessa cidade nasceu Gil Eanes que, em 1434, foi responsável pela superação do grande obstáculo que impedia mais progressos portugueses: dobrou o Cabo Bojador.

Depois de uma tentativa mal sucedida, Gil Eanes voltou e tentou uma manobra diferente. Afastou-se da costa, pegou ventos que contornavam os redemoinhos próximos da costa e não enfrentavam a cortina de areia que aterrorizava os nevegadores e se aproximou da costa africana já ao sul do Cabo. Como prova, levou ao príncipe ramos de plantas localizadas em terras até então desconhecidas por eles.

O impulso inicial de Portugal tinha a ver com ouro (raro na Europa) e escravos (costumavam ser muito caros nas feiras promovidas por árabes). Ao longo dessas etapas os portugueses perceberam que os escravos ficavam mais baratos conforme se descia pela costa africana. O fornecimento de ouro também ficou mais fácil. Após a descoberta de uma mina de ouro e da construção da Fortaleza de São Jorge da Mina, o fornecimento de ouro também deixou de ser um problema. Além desses bens, muitos outros produtos alimentícios e exóticos tornaram-se disponíveis em Lisboa.

Prosseguindo, em 1441 chegaram à Guiné e Cabo Verde. Como tinha o monopólio de todas essas terras, D. Henrique fundou em 1444 a Cia de Lagos, para explorar o monopólio comercial de navegação pela costa africana. Para coroar suas aventuras, em 1453 é publicada a biografia do Infante, de autoria de Azurara, meio pelo qual temos grande parte das informações desses eventos.

O príncipe morreu em 1460, deixando as portas abertas para que a próxima geração de portugueses pusesse seu nome na história.

Em 1488, Bartolomeu Dias, após duas semanas à deriva com duas caravelas, avistou o Cabo das Tormentas (como o chamou), ou Cabo da Boa Esperança (como decidiu o rei João II), atual África do Sul. Embora tenha sido obrigado pela tripulação a retornar, abriu caminho para que Vasco da Gama chegasse a Calicute, na Índia. Logo após Portugal chegou às Ilhas Molucas, atual Indonésia. Chegava ao fim, assim, o sonho do Infante e uma das maiores conquistas da humanidade.

Além do mapa de Ptolomeu, e da prova aristotélica de que a terra é redonda, os portugueses desenvolveram diversos novos mapas sobre terras até então desconhecidas. Nos anos seguintes à morte de Henrique, uma nova geração de navegadores passou a especular sobre algo bastante óbvio: sendo a Terra é redonda, por que não navegar sempre a Oeste, em vez de se aventurar pelo sul da África? Para um desses navegadores a tentação de fazer essa viagem e conquistar o poder e a riqueza que prometiam era irresistível: Cristóvão Colombo, genovês exilado em Portugal após a Conquista de Constantinopla pelos turcos seljúcidas. Não teve sucesso junto ao rei João II, bastante concentrado na tarefa de dobrar a África, mas terminou convencendo os reis espanhóis.

Os problemas entre Portugal e Castela em torno das ilhas Canárias foram resolvidos por meio de uma linha horizontal, traçada abaixo dessas ilhas, cuja posse de quaisquer terras conquistadas abaixo, pertenceriam a Portugal, por ordem do papa.

Contudo, após a descoberta da América, a questão tomou proporções bem maiores. Portugal tinha a intenção de guarnecer a posse de todas as terras que havia conquista, tanto as ilhas atlânticas quanto a terras no litoral africano. A Espanha desejava garantir a posse das terras americanas a que tinha direito após o sucesso de Colombo. Porém não contava que havia descoberto um novo continente, não chegado à desejada Índia.

Em 1493, o papa viu-se obrigado por Portugal e por Fernando e Isabel, tendo os dois últimos juntado as coroas de Aragão e Castela respectivamente, formando assim a Espanha atual, a emitir uma bula, a Inter Coetera, em 1493. Traçava-se uma linha, agora vertical, que separasse as posses portuguesas da posse espanhola, a Ocidente dessa linha.

Em 1494, tal bula vira o Tratado de Tordesilhas, cidade em que foi assinado. Conseguindo empurrar a linha vertical algumas milhas para Oeste, Portugal ganhou inesperadamente uma grande extensão de terra nas novas terras espanholas: o Brasil (que teria seu território expandido muitos quilômetros quadrados ao longo dos séculos). A posse dessas novas terras tomada por Pedro Álvares Cabral, em viagem de reconhecimento dos novos territórios conquistados, antes de embarcar para o Oriente, seguindo os passos dados por Vasco da Gama um ano antes.

Resumindo a conquista portuguesa: as especiarias consumidas na Europa saíam da Indonésia em direção a Calicute, por mãos de navegadores chineses e malaios; de lá eram despachadas para o Egito por navegadores árabes; de lá eram despachadas para a Europa por navegadores italianos. Agora, portugueses faziam o trajeto sozinhos, reduzindo custos e preços. Lisboa tornar-se-ia o centro comercial da Europa.


Rubem L. de F. Auto       
  




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