Em 1415, Henrique, filho do rei
João I de Portugal conquistou a cidade de Ceuta, no atual Marrocos. Chocado com
a quantidade de ouro, tecidos, tapetes, tapeçarias orientais, especiarias,
dentro das residências, em palácios, em estoques enormes, vindas de diversas
partes do mundo, Dom Henrique, terceiro filho da Ínclita Geração que expandiu
de forma inédita as fronteiras de Portugal e de toda a Europa, decidiu que
deveria descobrir o segredo de tamanha riqueza. De onde vinham? Como eram
adquiridas? E essa enorme quantidade de ouro? Sabia-se que vinham do norte da
África. Mas como?
Ao longo dos séculos,
comerciantes árabes conhecedores do deserto, viajando com seus camelos,
descobriram uma forma de adquirir ouro de povos que mineravam ouro em pó às
margens do rio Senegal. Era o conhecido comércio silencioso, pois nenhum dos
lados conseguia falar a língua do outro. Saídos das montanhas Atlas, esses
comerciantes seguiam por trilhas milenares, carregando suas mercadorias, que
desejavam trocar por ouro, até a região do rio Senegal. Lá, empilhavam suas
mercadorias e saíam de vista.
Após isso, os africanos depositavam montinhos de
ouro ao lado das mercadorias por que se interessavam. Os mercadores árabes
voltavam e, das duas uma: ou aceitavam a oferta ou ajustavam a quantidade
ofertada. Assim eram formados os estoques de ouro de Ceuta.
Essa cidade era conhecida também
por seu porto. Era o último no império muçulmano. Lá, chegavam mercadorias de
todo o mundo, e era habitada por pessoas de diversas nacionalidades e culturas.
A conquista de Ceuta foi
empreendida por mar. Uma enorme expedição, em 1414, organizada por D. João I,
composta por milhares de portugueses, capitaneada pelo Infante foi despachada do
Porto. Após intensa batalha e resistência dos mouros, Ceuta caiu a seus pés.
Com a intenção de entender e
conquistar aquela riqueza de que acabara de tomar conhecimento, D. Henrique dá
início àquilo a que dedicaria uma vida inteira.
Inicialmente consegue que seu pai
o nomeie governador de Ceuta. A cidade torna-se assim protetorado português.
Uma espécie de posto avançado em terras africanas. Uma extensão portuguesa de
uma das colunas de Hércules.
Prevendo que as conquistas que
tinha em vista seriam alcançadas por mar, no melhor estilo português, Henrique
conseguiu autorização para criar um castelo na vila de Algarve, sul de
Portugal. Já habitada por navegadores, embora bastante artesanais, Henrique
investiu somas enormes de recursos nessa vila de pescadores. Fomentou, assim, o
desenvolvimento de novas técnicas de navegação, novas tecnologias de construção
naval, melhores tecnologias de localização no mar, navegação pelas estrelas
etc.
O Algarve tinha vantagem no
posicionamento geoestratégico e o povo algarvio do litoral tinha uma relação,
quase, umbilical com o mar. O Infante Dom Henrique reconheceu as
potencialidades e instalou na região o centro nevrálgico dos Descobrimentos. Nessa
região localiza-se a Fortaleza de Sagres, onde se pode encontrar uma
rosa-dos-ventos desenhada no chão e uma muralha corta-ventos. A poucos quilômetros,
encontra-se o Farol do Cabo de São Vicente, construído no início do século XVI
para contribuir para a segurança dos navegadores.
Uma outra providência tomada por
D. Henrique foi encarregar Dom Pedro, seu irmão, de viajar por alguns locais na
Europa e pesquisar mapas e registros cartográficos sobre locais já conhecidos.
Foi assim que eles tiveram contato com os mapas de Ptolomeu, antigo rei do
Egito e ex-general de Alexandre, o Grande, desenhados por volta de 200 aC. Tais
mapas haviam sumido da Europa mas haviam sido preservados e traduzidos pelos
mouros. Esses mapas descreviam a Terra redonda, com cálculos do diâmetro do
Planeta (pouco precisos, mas esclarecedores), a localização de boa parte das
terras conhecidas até então e com claras indicações de que haveria uma passagem
para a Índia pelo sul da África.
Evidentemente esse processo se
desenvolveu em etapas, nos moldes da Corrida Espacial. Uma outra preocupação dizia
respeito ao retorno dos investimentos realizados. Como havia o risco de que
outras nações tivessem acesso às informações sobre as novas terras a serem descobertas
ou conquistadas, e como o investimento seria bastante elevado, Portugal deveria
descobrir uma maneira de garantir a posse e o monopólio de exploração. Esse
objetivo foi conquistado por meio da influência que o rei de Portugal tinha
junto aos Papas. Devido à importância e à riqueza do primeiro Estado moderno
europeu após a alta Idade Média, o rei conseguiu a expedição de diversas bulas
papais que garantiram o monopólio de terras descobertas e mesmo de terras a
serem descobertas abaixo do Equador e por todo o Oceano Atlântico, até as
Índias.
Primeiramente, em 1416, foi
realizada a chegada às Ilhas Canárias. Essas ilhas seriam alvo de disputa com o
reino de Castela. Essa disputa somente foi resolvida no âmbito das negociações
envolvendo a Guiné – esta foi reconhecida portuguesa, enquanto aquelas foram
cedidas a Castela.
Na sequência, Henrique investiu
mais recursos para a conquista de outras terras: ilhas da Madeira, em 1419 e Açores,
em 1427. Após essas conquistas estabeleceu-se uma espécie de barreira natural à
descida pela costa africana. Ao sul das Ilhas Canárias encontrava-se o famoso
Cabo Bojador, ponto mais ao sul do deserto do Saara. Nessa altura da viagem,
parecia que o deserto entrava no mar. Uma cortina espessa de areia formava-se
em frente às embarcações, já aterrorizadas com as altas ondas que se chocavam
com as caravelas. Henrique sabia que esse obstáculo deveria ser superado para
que seus sonhos se realizassem.
Os investimentos de D. Henrique
vinham transformando a região do Algarve no ponto mais importante dos
empreendimentos marítimos de Portugal. Uma cidade que crescia e vinha se
tornando referência para os eventos que vinham sendo desenvolvendo era Lagos. O
Forte do Pau da Bandeira e o Museu de Cera dos Descobrimentos são dois símbolos
desse passado glorioso. Nessa cidade nasceu Gil Eanes que, em 1434, foi
responsável pela superação do grande obstáculo que impedia mais progressos portugueses:
dobrou o Cabo Bojador.
Depois de uma tentativa mal
sucedida, Gil Eanes voltou e tentou uma manobra diferente. Afastou-se da costa,
pegou ventos que contornavam os redemoinhos próximos da costa e não enfrentavam
a cortina de areia que aterrorizava os nevegadores e se aproximou da costa
africana já ao sul do Cabo. Como prova, levou ao príncipe ramos de plantas
localizadas em terras até então desconhecidas por eles.
O impulso inicial de Portugal
tinha a ver com ouro (raro na Europa) e escravos (costumavam ser muito caros
nas feiras promovidas por árabes). Ao longo dessas etapas os portugueses
perceberam que os escravos ficavam mais baratos conforme se descia pela costa
africana. O fornecimento de ouro também ficou mais fácil. Após a descoberta de uma
mina de ouro e da construção da Fortaleza de São Jorge da Mina, o fornecimento
de ouro também deixou de ser um problema. Além desses bens, muitos outros
produtos alimentícios e exóticos tornaram-se disponíveis em Lisboa.
Prosseguindo, em 1441 chegaram à
Guiné e Cabo Verde. Como tinha o monopólio de todas essas terras, D. Henrique
fundou em 1444 a Cia de Lagos, para explorar o monopólio comercial de navegação
pela costa africana. Para coroar suas aventuras, em 1453 é publicada a
biografia do Infante, de autoria de Azurara, meio pelo qual temos grande parte
das informações desses eventos.
O príncipe morreu em 1460,
deixando as portas abertas para que a próxima geração de portugueses pusesse
seu nome na história.
Em 1488, Bartolomeu Dias, após
duas semanas à deriva com duas caravelas, avistou o Cabo das Tormentas (como o
chamou), ou Cabo da Boa Esperança (como decidiu o rei João II), atual África do
Sul. Embora tenha sido obrigado pela tripulação a retornar, abriu caminho para
que Vasco da Gama chegasse a Calicute, na Índia. Logo após Portugal chegou às
Ilhas Molucas, atual Indonésia. Chegava ao fim, assim, o sonho do Infante e uma
das maiores conquistas da humanidade.
Além do mapa de Ptolomeu, e da
prova aristotélica de que a terra é redonda, os portugueses desenvolveram
diversos novos mapas sobre terras até então desconhecidas. Nos anos seguintes à
morte de Henrique, uma nova geração de navegadores passou a especular sobre
algo bastante óbvio: sendo a Terra é redonda, por que não navegar sempre a
Oeste, em vez de se aventurar pelo sul da África? Para um desses navegadores a
tentação de fazer essa viagem e conquistar o poder e a riqueza que prometiam
era irresistível: Cristóvão Colombo, genovês exilado em Portugal após a
Conquista de Constantinopla pelos turcos seljúcidas. Não teve sucesso junto ao
rei João II, bastante concentrado na tarefa de dobrar a África, mas terminou
convencendo os reis espanhóis.
Os problemas entre Portugal e
Castela em torno das ilhas Canárias foram resolvidos por meio de uma linha
horizontal, traçada abaixo dessas ilhas, cuja posse de quaisquer terras
conquistadas abaixo, pertenceriam a Portugal, por ordem do papa.
Contudo, após a descoberta da
América, a questão tomou proporções bem maiores. Portugal tinha a intenção de
guarnecer a posse de todas as terras que havia conquista, tanto as ilhas
atlânticas quanto a terras no litoral africano. A Espanha desejava garantir a
posse das terras americanas a que tinha direito após o sucesso de Colombo.
Porém não contava que havia descoberto um novo continente, não chegado à
desejada Índia.
Em 1493, o papa viu-se obrigado
por Portugal e por Fernando e Isabel, tendo os dois últimos juntado as coroas
de Aragão e Castela respectivamente, formando assim a Espanha atual, a emitir uma
bula, a Inter Coetera, em 1493. Traçava-se uma linha, agora vertical, que
separasse as posses portuguesas da posse espanhola, a Ocidente dessa linha.
Em 1494, tal bula vira o Tratado
de Tordesilhas, cidade em que foi assinado. Conseguindo empurrar a linha
vertical algumas milhas para Oeste, Portugal ganhou inesperadamente uma grande
extensão de terra nas novas terras espanholas: o Brasil (que teria seu
território expandido muitos quilômetros quadrados ao longo dos séculos). A
posse dessas novas terras tomada por Pedro Álvares Cabral, em viagem de
reconhecimento dos novos territórios conquistados, antes de embarcar para o
Oriente, seguindo os passos dados por Vasco da Gama um ano antes.
Resumindo a conquista portuguesa:
as especiarias consumidas na Europa saíam da Indonésia em direção a Calicute,
por mãos de navegadores chineses e malaios; de lá eram despachadas para o Egito
por navegadores árabes; de lá eram despachadas para a Europa por navegadores
italianos. Agora, portugueses faziam o trajeto sozinhos, reduzindo custos e
preços. Lisboa tornar-se-ia o centro comercial da Europa.
Rubem L. de F. Auto
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