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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

LAVO MINHAS MÃOS – COMO PILATOS ENSINOU A TRATAR MANIFESTANTES E DESORDEIROS SOCIAIS


Por volta do ano 30 d.C., celebrava-se em Jerusalém a Semana Santa, época em que os judeus resgatavam a memória da libertação do Egito. Nessa época chegou à cidade um homem chamado Jesus. Ele vinha de Nazaré, na Galiléia. Sua fama, até então, era de curandeiro e pregador.

Consigo, trazia um grupo de discípulos que o seguiam, de sermão em sermão. Chegou a Jerusalém montado num burro. Seria o Messias previsto por Zacarias? Há motivos para crer que a ansiedade com que Jesus foi recebido deve-se muito mais a um bom trabalho prévio dos discípulos junto à população local. De fato, ele chamou muito a atenção dos sumos sacerdotes.

Naquela época, a liderança política do povo judeu era exercida pelos sumos sacerdotes. Estes realizavam o contato político com os governantes romanos. Com o tempo, esses sacerdotes pareciam ter encontrado um modus vivendi com os ocupadores romanos. O resultado foi a perda de prestígio espiritual junto à população, além da perda da força política local.

O povo passou a se sentir atraído por pregadores ambulantes, que ofereciam suas próprias doutrinas. Jesus de Nazaré era um deles. Os judeus aproveitaram a Páscoa para protestar contra a ocupação romana.

Durante sua curta estadia, Jesus causou escândalo ao entrar no Templo. Um enorme tumulto foi provocado pelas críticas feitas ao ponto fraco dos sacerdotes e pela repreensão que Jesus fez à sua secularização.

Não há provas históricas, mas a Bíblia faz menção a uma “assembléia de crise” na casa do Califás. Nessa assembléia ficou decidido matar Jesus. Também não há provas da traição de Judas Iscariotes. O certo é que Jesus foi feito prisioneiro pelos ocupantes romanos.

Pôncio Pilatos ocupava o cargo de prefeito romano desde o ano 26 d.C. Ao mesmo tempo era procônsul da Judeia e da Samaria. Sua fama era de governante duro, sendo defensor intransigente dos interesses romanos. Provocou os judeus ao mandar estender estandartes romanos pelas ruas de Jerusalém. Também desviou recursos dos tesouros do Templo para construir aquedutos. Roma parecia bastante satisfeita com seu trabalho: ocupou o cargo de procônsul por dez anos. Só perdeu o cargo quando agiu com excessos contra os samaritanos, em 36 d.C.

A acusação contra Jesus foi por alta traição e instigação à revolta, crimes cujo julgamento competia exclusivamente ao procônsul. A condenação foi a morte na cruz.

Nos relatos bíblicos mostram um Pilatos hesitante ao anunciar a sentença. Ele teria inquirido a multidão, que pediu a crucificação. Pilatos teria sido acometido de dúvidas. No entanto, terminou cedendo às pressões dos sacerdotes judeus e do povo ali reunido.

Segundo São Mateus, Pilatos mandou trazerem água e lavou suas mãos, dizendo: “Estou inocente deste sangue. Isso é convosco.” O Salmo 26,6 diz: “Lavo as minhas mãos em sinal de inocência e ando à volta do teu altar, Senhor.” O trecho onde esta frase se encontra escrita chama-se “Oração de um inocente.”

“Lavo as minhas mãos” encontra-se na consciência coletiva. Não é possível saber se essa frase foi, de fato, pronunciada, ou se aquela cena ocorreu. Entretanto, é possível afirmar que a condenação foi resultado direto de seus atos, afinal ele não delegou a decisão. Ele a tomou. Se o arrependimento de que fala a Bíblia realmente o acometeu, pode-se acusá-lo também de cinismo e de fraude processual. Pilatos não aprecia disposto a assumir a responsabilidade de condenar aquela pessoa à morte, daí tentou iludi-la.

O que levou Pilatos a agir como agiu? Cálculo político, seria a resposta. Seu protetor junto ao imperador romano era o comandante pretoriano Lúcio Élio Sejano. Sejano fora acusado de conspiração e executado. Se o caso Jesus gerasse tumulto e essa notícia chegasse a Roma, Pilatos poderia ser responsabilizado pelos distúrbios. Deveria resolver rapidamente aquela questão.

O fato de Jesus se apresentar como rei dos judeus permitia acusá-lo de insurgente político. O fato de ser pressionado pelos sacerdotes, permitia jogar sobre eles a responsabilidade pela condenação, caso houvesse ira do povo. Em suma: retirava Jesus, acalmava os sumos sacerdotes e o povo não se aborreceria com ele, pois limitara-se a cumprir a vontade do povo.

Os evangelistas deixaram testemunhos acerca dos sacerdotes e do povo de maneira bem negativa - e tendenciosa. Os cristãos conformavam uma comunidade jovem e pequena, que pretendia se diferenciar dos judeus, comunidade da qual provinham. O judaísmo agora era uma doutrina rival. Não se pode olvidar de que Jesus era judeu e em momento algum manifestou a vontade de ser diferente.

O processo contra Jesus foi viciado de ilegalidades. O juiz o considerou inocente, no entanto o condenou. Porém, ao longo dos anos, o personagem de Pilatos foi descrito de maneira cada vez mais positiva, enquanto os Judeus eram cada vez mais criticados. O ponto alto desta tendência é o Evangelho de Nicodemos, ou Atos de Pilatos, que faz parte dos livros apócrifos, surgidos no século V d.D. Nele, Pìlatos se converte ao cristianismo e é apresentado quase que como um mártir.

A jovem Igreja cristão se volta raivosamente contra aqueles que, na sua opinião, foram os grandes responsáveis pela morte de Jesus de Nazaré: os judeus. Exatamente aqueles que representavam a rivalidade ideológica. Mais que isso: por não centrar o ódio nos sumos sacerdotes, mas no povo judeus, a Igreja cristã acabou por estimular o antissemitismo histórico.

Após mais de 2.000 anos, resta a observação histórica: nenhum julgamento político pode ser justo!


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A história dom mundo em 50 frases”.

     
   





   

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