Por volta do ano 30 d.C., celebrava-se
em Jerusalém a Semana Santa, época em que os judeus resgatavam a memória da
libertação do Egito. Nessa época chegou à cidade um homem chamado Jesus. Ele
vinha de Nazaré, na Galiléia. Sua fama, até então, era de curandeiro e
pregador.
Consigo, trazia um grupo de
discípulos que o seguiam, de sermão em sermão. Chegou a Jerusalém montado num
burro. Seria o Messias previsto por Zacarias? Há motivos para crer que a
ansiedade com que Jesus foi recebido deve-se muito mais a um bom trabalho
prévio dos discípulos junto à população local. De fato, ele chamou muito a
atenção dos sumos sacerdotes.
Naquela época, a liderança
política do povo judeu era exercida pelos sumos sacerdotes. Estes realizavam o
contato político com os governantes romanos. Com o tempo, esses sacerdotes pareciam
ter encontrado um modus vivendi com os ocupadores romanos. O resultado foi a
perda de prestígio espiritual junto à população, além da perda da força política
local.
O povo passou a se sentir atraído
por pregadores ambulantes, que ofereciam suas próprias doutrinas. Jesus de
Nazaré era um deles. Os judeus aproveitaram a Páscoa para protestar contra a
ocupação romana.
Durante sua curta estadia, Jesus causou
escândalo ao entrar no Templo. Um enorme tumulto foi provocado pelas críticas
feitas ao ponto fraco dos sacerdotes e pela repreensão que Jesus fez à sua secularização.
Não há provas históricas, mas a
Bíblia faz menção a uma “assembléia de crise” na casa do Califás. Nessa
assembléia ficou decidido matar Jesus. Também não há provas da traição de Judas
Iscariotes. O certo é que Jesus foi feito prisioneiro pelos ocupantes romanos.
Pôncio Pilatos ocupava o cargo de
prefeito romano desde o ano 26 d.C. Ao mesmo tempo era procônsul da Judeia e da
Samaria. Sua fama era de governante duro, sendo defensor intransigente dos interesses
romanos. Provocou os judeus ao mandar estender estandartes romanos pelas ruas
de Jerusalém. Também desviou recursos dos tesouros do Templo para construir
aquedutos. Roma parecia bastante satisfeita com seu trabalho: ocupou o cargo de
procônsul por dez anos. Só perdeu o cargo quando agiu com excessos contra os
samaritanos, em 36 d.C.
A acusação contra Jesus foi por alta
traição e instigação à revolta, crimes cujo julgamento competia exclusivamente
ao procônsul. A condenação foi a morte na cruz.
Nos relatos bíblicos mostram um
Pilatos hesitante ao anunciar a sentença. Ele teria inquirido a multidão, que
pediu a crucificação. Pilatos teria sido acometido de dúvidas. No entanto,
terminou cedendo às pressões dos sacerdotes judeus e do povo ali reunido.
Segundo São Mateus, Pilatos
mandou trazerem água e lavou suas mãos, dizendo: “Estou inocente deste sangue.
Isso é convosco.” O Salmo 26,6 diz: “Lavo as minhas mãos em sinal de inocência
e ando à volta do teu altar, Senhor.” O trecho onde esta frase se encontra
escrita chama-se “Oração de um inocente.”
“Lavo as minhas mãos” encontra-se
na consciência coletiva. Não é possível saber se essa frase foi, de fato,
pronunciada, ou se aquela cena ocorreu. Entretanto, é possível afirmar que a
condenação foi resultado direto de seus atos, afinal ele não delegou a decisão.
Ele a tomou. Se o arrependimento de que fala a Bíblia realmente o acometeu,
pode-se acusá-lo também de cinismo e de fraude processual. Pilatos não aprecia
disposto a assumir a responsabilidade de condenar aquela pessoa à morte, daí
tentou iludi-la.
O que levou Pilatos a agir como
agiu? Cálculo político, seria a resposta. Seu protetor junto ao imperador
romano era o comandante pretoriano Lúcio Élio Sejano. Sejano fora acusado de
conspiração e executado. Se o caso Jesus gerasse tumulto e essa notícia
chegasse a Roma, Pilatos poderia ser responsabilizado pelos distúrbios. Deveria
resolver rapidamente aquela questão.
O fato de Jesus se apresentar
como rei dos judeus permitia acusá-lo de insurgente político. O fato de ser
pressionado pelos sacerdotes, permitia jogar sobre eles a responsabilidade pela
condenação, caso houvesse ira do povo. Em suma: retirava Jesus, acalmava os
sumos sacerdotes e o povo não se aborreceria com ele, pois limitara-se a
cumprir a vontade do povo.
Os evangelistas deixaram testemunhos
acerca dos sacerdotes e do povo de maneira bem negativa - e tendenciosa. Os
cristãos conformavam uma comunidade jovem e pequena, que pretendia se
diferenciar dos judeus, comunidade da qual provinham. O judaísmo agora era uma
doutrina rival. Não se pode olvidar de que Jesus era judeu e em momento algum
manifestou a vontade de ser diferente.
O processo contra Jesus foi
viciado de ilegalidades. O juiz o considerou inocente, no entanto o condenou.
Porém, ao longo dos anos, o personagem de Pilatos foi descrito de maneira cada
vez mais positiva, enquanto os Judeus eram cada vez mais criticados. O ponto
alto desta tendência é o Evangelho de Nicodemos, ou Atos de Pilatos, que faz parte
dos livros apócrifos, surgidos no século V d.D. Nele, Pìlatos se converte ao
cristianismo e é apresentado quase que como um mártir.
A jovem Igreja cristão se volta
raivosamente contra aqueles que, na sua opinião, foram os grandes responsáveis
pela morte de Jesus de Nazaré: os judeus. Exatamente aqueles que representavam
a rivalidade ideológica. Mais que isso: por não centrar o ódio nos sumos
sacerdotes, mas no povo judeus, a Igreja cristã acabou por estimular o
antissemitismo histórico.
Após mais de 2.000 anos, resta a observação
histórica: nenhum julgamento político pode ser justo!
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A história dom mundo
em 50 frases”.
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