A ruptura do isolamento
continental, quando o intercâmbio de produtos de diferentes continentes,
ocorrido no bojo a expansão continental europeia, alterou radicalmente a dieta
de quase todos os povos do planeta.
Especiarias asiáticas – como pimenta,
canela, cravo, noz-moscada – tornaram-se conhecidas na Europa e em outros
continentes. As culturas das Américas – como milho, batata, tomate, amendoim,
pimentões – foram espalhadas por todo o globo. Gêneros tropicais – como cana-de-açúcar,
chá, café, chocolate – criaram um novo padrão de consumo de bebidas excitantes
e calóricas que, ao lado do tabaco, tornaram-se hábitos internacionais.
Produtos típicos da Europa
mediterrânea, como trigo, uva, fizeram parte do pacote da colonização e o álcool
destilado penetrou em todas as partes.
A chegada de produtos asiáticos,
como cana-de-açúcar e algodão) à América, por meio da Europa, e o seu cultivo
em grande escala, gerou a monocultura de agroexportação, que submeteu povos
inteiros aos ditames das grandes corporações multinacionais, condicionando os
preços à oferta e demanda do mercado mundial.
A cultura árabe já vinha sendo a
responsável por disseminar produtos asiáticos na Europa, desde a baixa Idade
Média. Desde especiarias a arroz, sorgo, algodão, frutas cítricas, mangas,
cana-de-açúcar e berinjela. As Cruzadas ajudaram essa difusão. Contudo, eram
produtos restritos à nobreza, às classes mais abastadas. Quando deixaram de ser
bens de luxo e passaram a ser consumidos pelas classes sociais mais baixas,
esses produtos deram origem mercados mundiais sedentos por diversas
especiarias, como açúcar, bebidas quentes (chocolate, café, chá).
Esses mercados criaram novas
formações socioeconômicas, como as plantations nas Américas, acompanhadas do odiável
tráfico de seres humanos, que não foi originado mas foi expandido drasticamente
no seu âmbito.
O tráfico triplo – produtos asiáticos
vão para a Europa; escravos africanos,
para as Amércias; produtos das Américas vã para Europa e África – propiciou a
acumulação de capitais necessária para a revolução no sistema de produção
artesanal existente na Europa. Demanda crescente, algodão e capitais internos disponíveis
deram surgimento à indústria têxtil, que culminou na Revolução Industrial.
A avidez por especiarias tem
várias motivações possíveis. Especiarias são alimentos e/ou drogas, de consumo
gustativo, medicinal ou afrodisíaco. Foram atribuídas origens paradisíacas:
teria se originado no Jardim do Éden, forma carregadas pelos quatro rios que lá
nascem e corporificariam as virtudes solares das regiões quentes e
desconhecidas do Oriente.
Tais especiarias deram origem a
impérios comerciais, sendo o primeiro deles Portugal, também chamado de Império
da Pimenta. Os portugueses detiveram o monopólio do comércio até serem expulsos
pelos holandeses, que tiveram o mesmo destino pelas mãos dos ingleses
.
O consumo de especiarias pode ser
traçado até Roma. O termo “pimenta” originou-se de pigmenta, ou pigmento.
Também passou a referir o vinho enriquecido na cor e no aroma com especiarias.
Depois, passou a denominar qualquer especiaria. A pimenta-do-reino (Peper
nigrum), original da Índia, onde é denominada pippali, deu origem ao termo
pimenta em diversas línguas europeias.
Inicialmente, o consumo se devia
`má qualidade da carne; mas Fernand Braudel fala do “psiquismo olfativo”, que
ansiava por sabores e aromas fortes e misturados, muitas vezes incentivado por
orientação médica, ou por serem afrodisíacos, estimuladores de calor. Essa
demanda por sabores e aromas fortes, na Europa, foi reduzida no século XVII,
quando houve o retorno de perfumes florais e alimentos menos temperados.
O contato entre as culturas foi
bastante amplo. Batata, milho, tomate, amendoim, pimentão, feijão, cacau das
Américas difundiram-se. Assim como o chá da China, o café da Etiópia, a canela
do Ceilão, o cravo das Molucas, a pimenta do Malabar, a noz-moscada de Banda;
enquanto produtos da dieta europeia, como trigo, vinho, álcool destilado
espalharam-se mundialmente.
Perguntem-se: o que seria do
espaguete sem o tomate? Ou da polenta sem o milho? O pimentão influenciou a
páprica do gulash húngaro. O tomate, cujo nome se origina do asteca “jitomate” foi
considerado inicialmente um quase veneno, que deveria ser cozinhado por horas.
Mais tarde, das mãos de italianos e franceses recebeu o nome de “pomodoro”
(maçã dourada) e pomme d`amour (maçã do amor), obtendo ao fama de afrodisíaco.
Um caso singular é o do Peru, ave
sul-americana que adentrou a Europa por via otomana, donde vem seu nome em
inglês, Turkey.
Quando os holandeses tomaram as
rédeas do comércio mundial de especiarias e transformaram Amsterdam em sede europeia
da distribuição de mercadorias, passaram a se dedicar a uma atividade
sistemática de extermínio de culturas em regiões indesejadas. As plantas de
noz-moscada foram restritas à ilhas Amboíno. As de cravo, à ilha de Banda. As
de canela, ao Ceilão.
Em nenhum lugar, a mestiçagem de
culturas foi mais completa do que na América. O berço foi o Caribe, e os atores
principais, piratas: ou filibusteiros, ou bucaneiros. Antes de se tornarem
empregados das Cortes inglesa e francesa, eram marginais vivendo à moda dos
índios. Bucan significa defumação da carne com lenha verde. Barbecue vem das ilhas
Barbacoa.
Esses atores difundiram a pimenta
na África, onde se chamou Guinea Pepper. O amendoim, originário das Antilhas,
conhecidos entre os astecas como cacau da terra ou como “pistache das ilhas”
pelos europeus, tornou-se típico da África Oriental e, de lá, chegou ao Brasil
junto com os escravos. Na Bahia, incorporou-se ao vatapá.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Comida e Sociedade:
uma história da alimentação”, Cap. 8.
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