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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O OURO DE MINAS – VÃO-SE OS ANÉIS, FICAM OS DEDOS


Desde 1503, conforme consta em carta de Américo Vespúcio a Pietro Soderini, já se falava na existência de ouro no Brasil. Além dessa passagem, havia uma lenda sobre uma serra toda feita de prata: Sabarabuçu, na língua indígena.

Ansioso por encontrar tais metais preciosos, D. Pedro II de Portugal, o pacificador, no final do século XVII, enviou carta a alguns destemidos bandeirantes para que se lançassem ao interior do país em busca da tão sonhada fortuna, que salvaria o futuro do Reino.

A partir de São Paulo, em 1674, Fernão Dias, atendendo ao chamado real, atravessou o Vale do Paraíba e seguiu pela Serra da Mantiqueira. Após muita labuta, nada encontraram e a esperança de achá-los também se esvaiu. Uma rebelião tomava corpo entre os membros da bandeira. O próprio filho de Fernão, José Dias, tomou para si a tarefa de matar o pai e retornar para casa com os demais.

Contudo, uma índia do grupo soube dos planos e contou a Fernão. Este não pensou duas vezes e mandou enforcar o filho, para dar o exemplo. Achou algumas pedras, que julgava serem esmeraldas, mas eram águas marinhas. Por fim, antes de retornar, pegou uma febre e faleceu pelo caminho.

A despeito de seu fracasso em encontrar pedras preciosas, a bandeira de Fernão Dias teve o mérito de ligar a região de São Paulo ao interior da Bahia. Outro nome marcante do período de tentativas de descobrir ouro no Brasil foi Raposo Tavares.

Porém, é Antonil que dá melhores pistas sobre a maneira como foi achado ouro pela primeira vez nas Minas. Segundo Antonil, uma bandeira saída de São Paulo chegou às margens do rio Tripuí. Um mulato, com sede, baixou sua gamela e pôs-se a beber água, quando avistou pequenas pedras escuras no fundo da gamela. Desconfiado a respeito de tais pedras, vendeu-as a Miguel de Souza. Embora ninguém ainda soubesse do que se tratava, essas pedras foram parar nas mãos de Artur de Sá e Meneses, governador do Rio de Janeiro. Este descobriu que se tratava de ouro, escurecido pelo acúmulo de óxido de ferro na sua superfície.

Finalmente, ouro no Brasil!

Uma expedição, liderada por Antônio Dias, achou o local onde o mulato havia encontrado as pedras: localizava-se próximo ao pico Itacolomi. Evidentemente a notícia de tal achado levou a um afluxo enorme de pessoas de todas as partes em direção à região, inóspita e selvagem. No seu máximo, a população de Vila Rica chegou a 100.000 pessoas – a maior cidade brasileira.

A febre do ouro atingiu Portugal dramaticamente. Durante os 200 anos anteriores, os portugueses, em geral, não se interessaram por emigrar para o Brasil. Todavia, após as notícias de ouro, passaram a chegar o Porto do Rio aos milhares. O despovoamento de Portugal passou a causar tal preocupação que foi baixada uma lei, em 20 de março de 1720, proibindo a saída de portugueses do Reino, com pouquíssimas exceções, para ocupar cargos públicos na colônia.

Mesmo assim, nos primeiros 60 anos, estima-se em mais de 600.000 o número de reinóis saídos da metrópole em direção ao Brasil.
A cobiça estrangeira também se fez presente. Todos sabiam que o ouro saía das Minas e seguia em direção ao Porto do Rio, em comboios de mulas bastante inseguros. A metrópole simplesmente ignorava a inexistência de caminhos e estradas interligando as diversas regiões do Brasil, apesar dos impostos altíssimos. Por volta de 1700, Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias, usou recursos próprios para abrir o Caminho Novo, para o Rio de Janeiro, retirando a necessidade de passar pela capitania de São Paulo.

Em 1710, um pirata francês mostrou do que a cobiça é capaz. Jean-François Duclerc atracou seis navios na Baía da Guanabara, tripulados por mil piratas. Ameaçado o saque, a cidade reagiu como pode. As Fortalezas de São João e de Santa Cruz dispararam tiros de canhão a esmo, mas conseguiram rechaçar a invasão momentaneamente. As autoridades portuguesas comemoraram a retirada de Duclerc e seus homens, porém estes apenas aportaram em torno da região de Guartatiba. Desembarcaram e marcharam em direção à capital, novamente. São Sebastião do Rio de Janeiro teve suas ruas invadidas pela retaguarda, de surpresa.

A cidade de 12.000 habitantes se uniu contra os invasores. Brancos, negros, ricos, pobres, estudantes jesuítas, armados de pistolas e facas, mulheres com panelas de óleo quente derramados de suas janelas. Ao cabo, Duclerc foi preso. Após alguns meses, foi assassinado estando sob custódia do tenente Tomás Gomes da Costa, em sua casa.

No ano seguinte, mais um surpresa infeliz. Sob o pretexto de vingar o crime de guerra cometido contra Duclerc, que era inimigo de guerra capturado, portqanto merecedor de tratamento especial, outro corsário francês, René Guguay-Trouin aportou na Baía. No entanto agora não eram mais seis, mas dezessete navios. Fundearam e iniciaram o bombardeamento da cidade. Desta feita foi um ataque indefensável. O governador Francisco de Castro Morais fugiu da cidade.

Para deixar a cidade, Trouin exigiu um resgate: doze milhões de cruzados! Quantia impossível de ser amealhada, os portugueses juntaram tudo o que puderam achar: seiscentos mil cruzados, cem caixas de açúcar e duzentos bois. O governador acrescentou mais dez mil cruzados de seu bolso. Trouin aceitou a quantia, mas não sem antes saquear completamente a cidade, junto com seus homens, de casas particulares a edifícios públicos, passando por igrejas, nada foi poupado.

Por sua covardia, o governador foi demitido do cargo.

A exploração do ouro em Minas podia ocorrer por faiscadores, na beira de rios, ou nas lavras. Em geral, os mais pobres eram faiscadores e exploravam trabalhavam normalmente sozinhos. As lavras exigiam investimentos maiores e escravos. O imposto cobrado era o quinto, que os faiscadores quase nunca pagavam. As lavras eram exploradas sem a devida comunicação à Coroa, e o sistema de tributação era uma bagunça.

Em 1702 houve a publicação do primeiro regulamento das Minas e a distribuição das lavras passou a seguir critérios mais claros. O afluxo de pessoas foi enorme e os problemas do crescimento passaram a se fazer presentes.

Com a presença de milhares de pessoas que se dedicavam à extração de ouro em tempo integral, faltavam braços para a agricultura. Com isso, começou a faltar comida e o preço dos alimentos foi à estratosfera. Os indivíduos mais abastados conseguiam adquirir alimentos, mas os mais pobres enfrentaram fomes severas em 1698, 1700 e 1713. Acharam-se pessoas mortas por fome, mesmo tendo os bolsos repletos de ouro.

Aqueles que não conseguiam recursos pára voltar para casa, iniciaram o processo de povoamento da região. No caso de Vila Rica, o arraial tomou impulso entre 1700 e 1705.

Seu crescimento foi muito rápido e, em 1723, foi elevada a capital da Província. Poucos anos depois era a maior cidade do Brasil. Os homens mais ricos e os maiores intelectuais fixaram residência naquela cidade.

Como as primeiras minas de ouro foram encontradas por bandeirantes paulistas, estes achavam que tinham mais direitos sobre as lavras de ouro do que as pessoas de outras capitanias. Por outro lado, os portugueses também alegavam direitos, uma vez que se julgavam donos da terra. Dado este cenário, as pessoas de outras capitanias ficaram ao lado dos portugueses. OS paulistas os chamavam pejorativamente de “emboabas”.

Em pouco tempo, os paulistas se tornaram minoria, haja vista o enorme influxo de pessoas de outros lugares. O ex-bandeirante Manuel de Borba Gato era o chefe dos paulistas. O fazendeiro português Manuel Nunes Viana liderava os emboabas.

Em dado momento, pequenos conflitos descambaram na Guerra dos Emboabas, de 1707 a 1709. Com o tempo, os emboabas tomaram o controle político e administrativo. Manuel Nunes Viana foi aclamado governador e primeiro homem a ocupar um cargo público na América do Sul por vontade popular. Ressalte-se que não havia o desejo de ver um Brasil independente; tratava-se apenas de afastar os paulistas do poder local.

O ponto alto dessas batalhas contra os paulistas deu-se no local conhecido por Capão da Traição. Após traição dos paulistas, que fingiram rendição e atacaram os emboabas, estes se vingaram matando mais de 300 deles. A final, os paulistas foram expulsos do território mineiro. Alguns saíram à procura de novas jazidas e as acharam na região de Mato Grosso e Goiás.

Antevendo mais problemas, a Coroa agiu preventivamente ao desmembrar, em 1709, a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro da capitania do Rio de Janiero. Mainas do seria definitivamente desmembrada de São Paulo em 1720.

Um dos grandes problemas da produção de ouro era a arrecadação, da maneira mais eficiente, dos tributos incidentes – o Quinto, ou 20% do ouro lavrado. Tais tributos eram escorchantes e bastante sonegados.

Uma primeira medida foi a criação das Casas de Fundição, simultaneamente à proibição de se carregar consigo ouro em pó. Tal medida gerou transtornos, especialmente aos mais pobres, que usavam pequenas quantidades de ouro em pó como moeda de troca na região das minas. A Coroa também incentivava a canalhice, ao premiar delatores de quem tivesse ouro em pó nos bolsos. Houve inúmeras tentativas da Coroa de reduzir a sonegação ao mudar a maneira de arrecadar o quinto. Estima-se que pelo menos metade desse tributo era sonegada: cobraram por escravo; ou por trabalhador, escravo ou não. Tentou-se a quantia anual de 30 arrobas de ouro por ano. Mas nunca a arrecadação proporcionada gerava contentamento na metrópole. A suspeita de sonegação de grande monta estava sempre presente.

Um dos motivos para que a arrecadação tributária sobre as minas nunca satisfizesse foi a assinatura, em 1703, do Tratado de Methuen. Por este, vinhos, azeites e laranjas portugueses entravam em condições privilegiadas na Inglaterra que, por sua vez, encontrava condições privilegiadas para suas exportações de tecidos e produtos industrializados para Portugal. Com isso, as barras de ouro iam direto aos cofres ingleses, que vestiam e alimentavam a metrópole.

Embora criticadas, as receitas tributárias portuguesas foram infladas após a criação das Casas de Fundição. De 36 arrobas de ouro em 1724, foram para 133 arrobas no ano seguinte.

Se os mineiros já sofriam bastante com as medidas portuguesas para inflar sua arrecadação do quinto, esse cenário pioraria ainda mais após 1750, com a morte de D. João V e a assunção ao trono de D. José I. Embora bastante incapaz, este se cercou de bons ministros e, na prática, entregou a administração do reino a Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal.

Embora tenha arrecadado 1.800 quilos de ouro só em 1749, achava pouco. Naquele momento, as Casa de Fundição haviam sido fechadas e o quinto era cobrado pelo sistema de “capitação”. Cobravam-se valores proporcionais ao número de trabalhadores da lavra.

Pombal retornou o sistema de Casa de Fundição, porém acrescentou uma novidade: uma cota mínima de 100 arrobas, cobrada da capitania. Caso a produção não atingisse esse valor, a Coroa lançava mão da arrecadação compulsória, que chamava de contribuição coletiva, a derrama”, cobrada de todos os moradores, mineradores ou não.

Até 1766, essa cota mínima era atingida ano após ano. Contudo, com o exaurimento dos principais veios, o tributo foi se acumulando, ao passo que as despesas da metrópole se avolumavam como decorrência do terremoto de Lisboa, em 1755.

O exaurimento da produção, somado a tributos cada vez mais sufocantes, à pobreza crescente na região das minas e às notícias de cobrança da derrama, que prometia empobrecer ainda mais a população, já em 1788, levaram ao descontentamento e ao ódio contra o Reino, por parte de muitos.

A se somar ao exposto logo acima: 13 colônias inglesas, revoltadas por tributos crescentes, especialmente sobre o chá produzido localmente, iniciaram uma Guerra de Independência em 1776, que terminou em vitória e no reconhecimento da sua independência pela ex-metrópole, em Tratado assinado em 1785.

Sem dúvidas a independência dos EUA e as belas palavras escritas na sua Constituição iluminaram as mentes e deram a inspiração necessária à famosa Inconfidência Mineira.
   


Rubem L. de F. Auto

Fonte:
Livro “1789 – A Inconfidência Mineira e a Vida Cotidiana nas Minas do século XVIII.”




          


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