Após participação em diversas expedições
ao Oriente e tendo realizado contato com reinos e impérios localizados nas
recém descobertas regiões produtoras de especiarias, o navegador português
Fernão de Magalhães passou a refletir acerca de uma nova rota comercial,
navegando para o Oriente.
Sabia-se, já no início do séc.
XVI, que o continente descoberto por Colombo não era a Ásia. Sabia-se, por meio
de expedição liderada por Vasco Nuñes Balboa, que havia um oceano logo após
aquela massa de terra e que aquele oceano era bem extenso, pois não se
conseguia avistar sua outra margem, desde o ponto mais alto que encontrara no
Istmo do Panamá. Mas quão extenso? Isso ninguém sabia responder. Contudo,
parecia bem lógico que havia uma maneira de contornar aquele imenso continente
pelo sul.
Ao lado de Rui Faleiro, amigo e
cartógrafo, desenvolveu o plano de navegação e os demais detalhes da expedição.
De posse do plano, Fernão solicitou audiência com o rei Manuel I de Portugal
diversas vezes, com o intuito de convencê-lo a investir nessa sua empreitada. Porém,
para sua decepção, na única ocasião em que foi recebido foi vítima de uma
sessão pública de humilhação. Teve seus pedidos de uma frota de caravelas e de
seu comando negados. Como resultado positivo, recebeu apenas a autorização para
oferecer sua proposta ao rei espanhol.
Incompreensivelmente, o rei
aceitou que um dos navegadores mais experientes do país, que vivia às voltas
com esquemas de segurança que não permitissem que outros países tivessem acesso
às informações coletadas por Portugal e suas expedições. Magalhães participou
da fundação do Estado da Índia (território português do Oriente, comandado pelo
Vice-Rei Francisco de Almeida) e da conquista do estreito de Malaca, com Afonso
de Albuquerque.
João II já tinha cometido erro
semelhante ao permitir que Colombo oferecesse seus serviços aos reis de Castela,
perdendo assim a chance de possuir toda a América.
Ao lado de seu amigo Rui, após
desvencilhar-se de todas as suas obrigações em Portugal, tendo perdido
recentemente sua esposa, dirigiu-se à Espanha e encontrou abrigo junto à
crescente comunidade de portugueses exilados na Espanha.
Lá, aperfeiçoou seus planos e
apresentou-os à Casa de La Contratación, em Sevilha, órgão estatal que monopolizava
todas as atividades marítimas do nascente Império Espanhol.
Se a proposta, em Portugal, tinha
como objeto uma rota alternativa, agora, na Espanha, os argumentos poderiam ser
melhor trabalhados. Fernão prometera a possibilidade de os Espanhóis chegarem
às Molucas sem passar por mares reservados aos portugueses pelo Tratado de
Tordesilhas. Além disso, havia a suspeita de que ao menos uma parte das Molucas
ficava na metade Espanhola do mundo, caso estendesse-se a Linha em direção ao
Oriente.
Para completar o quadro favorável
a Fernão, os espanhóis ainda não estavam satisfeitos com suas novas
descobertas, pois a riqueza que drenavam das novas terras ainda não incluía
metais preciosos. Carlos I aceitou alocar fundos, afinal precisava de recursos
para pagar sua eleição como Carlos V,
Imperador do Sacro Império Romano.
A expedição somente seria
possível se, de fato, houvesse uma passagem pelo sul da América do Sul. Tal
passagem já havia sido buscada, a pedido do rei Fernando, de Castela, por Jaun
de Solís, desertado de Portugal após assassinar sua esposa. Este morreu no Rio
da Prata, após contato com índios pouco amigáveis. Mas inspirou outros a tentar
o mesmo.
Os termos exigidos por Fernão e
aceitos por Carlos, foram: monopólio de dez anos sobre futuras expedições,
direito de exercer justiça sumária como líder da expedição e impostos a serem
pagos pela coroa, entre outras questões gerais. Porém, Carlos impôs suas
condições, nesse caso, temendo eventual conflito com Portugal: “Poderás
descobrir nessas partes o que ainda não foi descoberto, mas não poderás
descobrir ou fazer coisa alguma na demarcação e nos limites do mui sereno rei
de Portugal, meu muito querido e amado tio e irmão.”
O rei espanhol, a bem da verdade,
não tinham recursos suficientes para investir no plano de Magalhães.
Voltaram-se para a Casa dos Fugger, famosos banqueiros alemães.
Simultaneamente, espiões portugueses na Espanha davam a notícia ao rei Manuel I
de que seu “filho rejeitado” havia sido contratado por Carlos e de que os
planejamentos da expedição estava a todo vapor. Nesse momento Portugal acordou
para o perigo que essa viagem representava. Mas já era tarde.
Embora tenha tentado suborná-lo
e, sem sucesso, ameaçar sua família, Magalhães manteve seu ressentimento e recusou-se
a voltar para casa. Lembrou que já havia mesmo recusado a cidadania portuguesa.
Manuel I ainda tentou apelar aos sentimentos familiares de Carlos I, mas sem
sucesso.
Circulava um boato de que um dos
conselheiros de Manuel, o bispo Vasconcellos, incentivara o rei português a
considerar a possibilidade de Magalhães ser assassinado. Alarmado com a
possibilidade de que seu esquema fosse facilmente frustrado, Carlos ordenou que
Magalhães e Faleiro fossem protegidos por guarda-costas e admitiu-os como
Cavaleiros da Ordem de Santiago. Agora, se Magalhães morresse de repente sob
circunstâncias misteriosas, isso seria visto como ataque a um dos vassalos
pessoais do rei, um ato de grande traição.
O monopólio português como
importador de especiarias estava finalmente ameaçado. Afinal, por que um rei
iria se importar tanto com meia dúzia de caravelas espanholas velejando em
direção ao desconhecido?
O maior temor que estava envolto
nessa aventura era que a Espanha desrespeitasse o Tratado de Tordesilhas.
Pretendendo apaziguar qualquer desconfiança por parte de Manuel I, Carlos
escreveu: “Fui informado por cartas que recebi de pessoas próximas a ti que
acalentas algum medo de que a frota que estamos despachando para as Índias sob
o comando de Fernão de Magalhães e Ruy Faleiro possa ser prejudicial ao que te
pertence nessas partes das Índias.” Continuou: “Para que tua mente possa estar
livre de ansiedade, pensei em escrever-te para informar-te que nosso desejo
sempre foi, e é, respeitar devidamente tudo concernente à linha de demarcação
que foi estabelecida e acordada com o rei e a rainha católicos, meus soberanos
e avós.” Finalizando: “Nossa primeira incumbência e ordem aos citados
comandantes é respeitar a linha de demarcação e não tocar de modo algum, sob
pesadas penas, qualquer região, ou de terras ou de mar, que esteja designada a
ti e pertencente a ti pela linha de demarcação”. A demarcação exata do lado
Oriental do mundo foi realizada pelo Tratado de Saragoça, em 1529.
Outro fator que influenciou muito
no desenrolar da viagem foi a tripulação. Foi difícil contratar marinheiros
para a viagem — a jornada era um assustador e aterrorizante mergulho numa vasta
extensão de água, e muitos temiam que os navios afundassem em mares
desconhecidos ou que os marinheiros morressem de fome, definhassem com
escorbuto, padecessem miseravelmente nas mãos de canibais ou sofressem qualquer
outra morte violenta e desagradável, que era o fim usual dos que se aventuravam
para tão longe de casa em águas não mapeadas. Sua tripulação incluía
portugueses, franceses, holandeses, mouros e negros africanos, além de alguns
espanhóis. Alguns deles mostraram-se pouco confiáveis. Sofreu diversas tentativas
de motim, antes mesmo de achar a tão procurada passagem pelo sul da América. Os
relatos da viagem são conhecidos em função do trabalho do cronista italiano,
Antonio Pigafetta.
A frota de Magalhães era composta
por cinco navios: Trinidad, San Antonio, Concepción, Victoria e Santiago. Essa
esquadra, sim, pôs um fim na visão ptolomaica do mundo. Deixaram Sanlúcar de
Barrameda em setembro de 1519.
Parou nas ilhas Canárias para
abastecimento. Lá, foi informado de que três de seus capitães planejavam
matá-lo e que o rei de Portugal despachara navios com a intenção de persegui-lo
e matá-lo. Mudou a rota inicial e passou a espreitar melhor o comportamento dos
capitães. Ainda na costa da África sofreu tentativa de motim. Prendeu um dos
capitães, Cartagena.
Atravessaram o Atlântico,
conheceram a famosa “Terra dos Papagaios”. Na altura do Rio de Janeiro, sofreram
outra tentativa de motim. Outro capitão liberou Cartagens. Apesar do tumulto, foi
contido.
Chegando à altura do Rio da
Prata, após certificar-se de que este não era a procurada passagem, parou e
esperou que o inverno terminasse para que seguissem viagem. No porto em que
estavam, San Julián, ocorreu uma história marcante, que deu origem ao nome da
região: “Um dia”, registrou Antonio Pigafetta, “subitamente, vimos um homem nu,
de estatura gigantesca, na margem do porto, dançando, cantando e jogando terra
na cabeça. Quando o gigante foi levado à presença do capitão- -geral e à nossa,
ele se maravilhou imensamente e fez sinais com um dedo estendido para cima,
acreditando que vínhamos do céu. Ele era tão alto que só alcançávamos a cintura
dele, e era bem-proporcionado.” O homem era um dos seguidores nômades dos
rebanhos de guanacos selvagens da região. Seus pés pareciam muito grandes,
envolvidos em chinelos recheados de capim. Magalhães chamou o povo de patagon
(em espanhol, pata significa “pé”), e a região se tornou conhecida como
Patagônia. Magalhães e sua tripulação entretiveram muitos patagões em seus
navios, e mais tarde capturaram dois deles por meio de trapaças.
Após a pior de todas as
tentativas de motim fracassou – Magalhães matou um capitão e pôs os demais em
trabalhos forçados por todo o inverso – e da perda de um dos navios, o
Santiago, os quatro navios restantes aproveitaram o início da primavera em
outubro de 1521. Em 1º de novembro, entraram em um estreito de água salgada:
haviam achado a tão procurada passagem. Chamou-o de Estrecho de Todos los
Santos. Às terras que o circundam, batizou de Terra do Fogo – a razão eram os
lampejos de fogueiras feitas pelos povos nativos, como viam à distância.
Sem que pudessem prever, um dos
pilotos, Esteban Gómez, tomou o San Antonio e retornou à Espanha. Em função dos
relatos dele, que odiava Magalhães, este passou à hisória, por muito tempo,
como incompetente e responsável pelo sofrimento de sua tripulação.
No final de novembro, finalmente,
emergiram do estreito e saíram entraram no novo e inexplorado oceano. Balboa
havia estado no extremo Oriental. Os portuguesas já haviam explorado a margem
Ocidental, nas Molucas. No meio estava uma massa de água que ocupa 1/3 do
Planeta e que, na época, calculava-se em ¼ do seu real tamanho.
Magalhães reuniu seus três navios
restantes e disse-lhes: “Cavalheiros, agora estamos navegando em águas onde
jamais navegou nenhum outro navio. Que possamos sempre encontrá-las tão
pacíficas quanto nesta manhã. Com essa esperança, vou dar-lhe o nome de mar
Pacífico”.
A fatídica de realizar a travessia
cobrou seu preço. Após dois meses de sofrimento, comendo farelos de biscoito,
ratos mortos, comida podre e azeda, água fétida e couro amolecido na água
salgada - o primeiro registro de escorbuto ocorreu nessa altura da viagem, o
que assustou muito a todos -, em 24 de janeiro de 1521 um dos homens avistou um
atol inabitado.
Nessa ilha se fartaram com ovos
de tartaruga, pássaros marinhos assados e cocos.
Os três navios continuaram pela
enorme extensão de água até o dia 4 de março. Depois de 97 dias de travessia do
Pacífico, o vigia mais uma vez avistou terra, e os navios rumaram na direção da
ilha conhecida atualmente como Guam, ao norte da Nova Guiné e a leste das
Filipinas.
No porto, flutuavam muitas
pequenas canoas de pesca, que chegaram como enxame em torno do capitânia de
Magalhães quando ele entrou no porto. Polinésios subiram a bordo do navio e
correram pelo tombadilho, agarrando ferramentas e utensílios que não estivessem
presos. Quando avançaram no escaler que estava amarrado à popa, Magalhães
mandou que seus homens de armas atirassem com suas bestas, sem sucesso. Mais
tarde, na mesma noite, ele mandou alguns homens a terra para comprar frutas e
arroz e atacar a aldeia para recuperar o escaler roubado. Não é de surpreender
que ele tenha dado àquela ilha o nome de Guam, e às ilhas vizinhas Islas de los
Ladrones.
No dia seguinte, Magalhães
ordenou que sua pequena flotilha içasse velas e se dirigisse para o sudoeste,
numa rota para as Filipinas e as Molucas. Em meados de março de 1521, eles
encontraram outras canoas de pesca e conseguiram negociar bananas, coco, arroz
e vinho de palma. A essa altura, a comida fresca tinha praticamente recomposto a
saúde dos marinheiros atacados de escorbuto — suas feridas abertas
cicatrizaram, os dentes bambos se reafirmaram, as gengivas pretas, esponjosas,
voltaram ao que eram e recuperaram a cor natural.
Conforme registrou Pigafetta, ali
acharam aqueles produtos que tanto os faziam sonhar: “Canela, gengibre,
ameixeira-da-pérsia, laranja, limão, jaca, melancia, pepino, abóbora, nabo,
repolho, escalônia, vacas, búfalos, suínos, cabras, galinhas, gansos, veados,
elefantes, cavalos e outras coisas são encontradas ali.”
As Molucas eram densamente
habitadas por povos sofisticados e prósperos, acostumados a lidar com
comerciantes estrangeiros, fossem eles da Índia, da China ou os recém-chegados
de Portugal — os europeus haviam chegado à região havia seis anos.
A chegada à Malásia foi notada
pelo escravo pessoal de Magalhães, o malaio Enrique, que estava com ele desde
1511, quando Magalhães esteve naquela mesma região. Ao conseguir se comunicar
com um local, que se movimentavam em sua canoa. Estavam muito próximos da
Molucas, há poucos dias de viagem.
A partir daí, Magalhães tomou a
atitude que pôs na sua vida e na chance
de realizar o seu sonho: mudou a direção do navio, elevou um forte na praia de
Cebu, atual Filipinas, e começou a converter habitantes locais a se converter
ao cristianismo. Terminou por se envolver em uma batalha local, foi atingido e
morreu. Ao lado dele, muitos outros homens também morreram por táticas
desastradas e impensadas.
Enrique não foi liberto, como
deveria. Fugiu e tramou como o rei malaio o ataque à tripulação sobrevivente.
Ao final das guerras e do motim contra a tripulação dos navios, da qual restavam
114 homens dos 250 que saíram da Espanha, queimaram um dos navios, o
Concepción, e ocuparam os dois restantes.
Saíram navegando pelas ilhas
locais, por seis meses, comerciando com locais e navegando em direção às
Molucas. Após 27 meses desde o início da expedição, chegaram a Tidore, nas
Molucas. Carregaram os navios com canela, cravo etc.
Ao sair com seus carregamentos,
um dos navios, o Trinidad, não apresentou condições de continuar viagem.
Temendo cruzar a parte portuguesa do mundo, tentou voltar pelo Pacífico. Os
poucos que não morreram de fome ou escorbuto foram capturados por navios
patrulha de Portugal e foram presos e mortos. Somente 10 conseguiram voltar à
Espanha.
Por outro lado, a tripulação do
Victoria voltou pelo Índico. Passaram fome, enfrentaram tempestade, tentaram
aportar em Cabo Verde (português), altura em que 25 já haviam morrido.
Chegaram com o Victoria, em
Sanlúcar de Barrameda, local do embarque, apenas 18 homens. Navegaram 14.460
léguas. Completaram a circum navegação do Planeta.
E mais: o porão do único navio,
cheio de cravo, era suficiente para pagar os custos da viagem inteira dos cinco
navios e ainda dar lucro, apesar da perda de três navios, da incrível duração
da viagem e das condições do Victoria.
Agora os europeus conheciam o
tamanho da Terra ... e descobriram que eram muito maior do que imaginavam.
Carlos I, agora não apenas rei da
Espanha, mas também novo imperador do Sacro Império Romano, não foi generoso em
suas recompensas aos sobreviventes da incrível viagem. A maior parte dos
marinheiros jamais conseguiu receber seus salários atrasados, muito menos as
pensões prometidas. Magalhães não apenas morreu longe de casa, como sua mulher
e filho morreram enquanto ele estava no mar, e seus herdeiros não conseguiram
reivindicar o salário ou qualquer outro benefício por seu serviço ao governo
espanhol. Era visto em Portugal como traidor, e na Espanha foi denegrido pelos
traiçoeiros amotinados que tinham abandonado a expedição e voltado para casa
antes mesmo de navegar pelo estreito de Magalhães.
Para o futuro, restaram muitas
discussões a serem realizadas entre as duas monarquias envolvidas. A questão da
soberania das Molucas ainda não tinha sido resolvida. O rei Manuel i morrera de
peste em 1521, para ser sucedido por seu filho, João iii. O novo rei português,
de dezenove anos, declarou que as especiarias trazidas pelo Victoria lhe
pertenciam e que queria que os marinheiros sobreviventes fossem punidos por
cruzarem a linha de demarcação — alegava que eles a haviam cruzado em desafio
aos decretos papais.
Carlos i concordou em não mandar
mais navios espanhóis através do estreito de Magalhães até se ter debatido a
situação em uma reunião planejada para a primavera de 1524. Em tal encontro, as
complexidades antigas, técnicas e controversas dos argumentos jurídicos seriam
esmiuçadas por uma delegação de luminares marítimos e especialistas em
cosmologia e leis. Onde, no mundo, ficavam as Molucas? E a quem pertenciam os
direitos jurídicos sobre a mais rica rota comercial já descoberta?
Rubem L. de F. Auto
Fontes:
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