Existe um entendimento óbvio
sobre o dinheiro: dinheiro é poder ! Isso mesmo. Se você tem dinheiro você tem
acesso a bens e serviços. Se não, não. E o que não é bem ou serviço consumível apenas
mediante pagamento ? Quase nada.
Não falo da moeda, conceito
econômico pelo qual, para ser moeda, certo bem deve ter valor intrínseco (como
durabilidade ou escassez), deve ser aceito por todos os interessados (passível
de troca), deve ser portável ...
Falo de dinheiro. Moeda é sua
representação. Dinheiro, aqui, refere-se ao poder, à situação mais elevada na
sociedade que a pessoa ocupa apenas por ter ... mais dinheiro.
Mas vamos voltar um pouco ... uns
10.000 anos na história.
Até então éramos
caçadores-colhetores. Isto é, nossa satisfação era proporcional a nosso esforço. Caçando um
animal grande poderíamos ficar dois ou três dias curtindo mais tempo com nossas
famílias. Não estávamos ainda presos à terra onde nascemos. Éramos nômades. Em
caso de desentendimento com uma grupo rival, poderíamos “levantar acampamento”
e procurar outras paragens.
Depois de criar laços mais
profundos com outros seres humanos, tendo superado os obstáculos mais imediatos
relacionados a encher a barriga, surgiu a reflexão mais profundo, que até hoje
nos acompanha: depois que a gente morre, o que acontece ?
Dessa reflexão surgiram as angústias
espirituais, que levaram à ... religião.
Provavelmente se iniciando com o
mais velho da tribo (ou aldeia), surgiram os representantes dos deuses, embora
tão homens quanto todos os demais: os sacerdotes.
Impressiona a pouca idade dos
primeiros corpos de sacerdotes descobertos, mas devia já se tratar de alguma
linhagem hereditária de sacerdotes.
Dá-se aí início ao poder, isto é,
alguém que tem mais direitos (privilégios, melhor dizendo) que os demais. Em
troca de uma suposta paz espiritual, tinham acesso a alimentos, conforto e
segurança, mesmo sem trabalhar como os demais. O mesmo ocorreu com as
instituições que se seguiram: governo e exército.
Mesmo assim, não se pode dizer
que essas pessoas tinham dinheiro. Elas tinham poder político, militar,
espiritual, poderiam até matar pessoas a seu bel-prazer, mas não tinham
dinheiro.
Então, em dado momento, começamos
a comercializar. Egípcios, fenícios, sumérios, babilônios, gregos, romanos ...
todos desenvolveram rotas comerciais, acumularam moedas locais, criaram-se
classes socais de mercadores endinheirados. Mas o que exatamente os motivava ?
Acredito que apenas o desejo de ter acesso a outros bens e serviços. Existia um
raciocínio subjacente de permutar, de escambo. Não havia a noção de
simplesmente acumular moedas. O dinheiro – o poder – era resultado de ter
acesso a mais bens, mais diversos, alimentos produzidos em outros lugares.
Cidades mais povoadas, pessoas de etnias variadas isso tudo representava
riqueza e afluência daquela sociedade.
Na Idade Média européia o
dinheiro tinha uma única representação concreta: terras. Casamentos entre
famílias reais tinham como foco adquirir mais terras. Se não fosse assim,
ocorria por meio das armas. Fora da Europa, havia os reinados africanos
baseados em laços culturais, ou em etnias. O mundo árabe não valorizava a terra
(exceto no Vale do Nilo e em outros poucos locais). A riqueza, o dinheiro
advinha do comércio. Porém o raciocínio subjacente era: receber ouro dos
europeus e levá-lo ao Oriente, para trocá-lo por mais bens. Nada mais que
trocas e acesso a bens diversos. Mas não havia a idéia de acumular. Vivia-se da
troca, permuta.
A descoberta (ou achamento) da
América e sua colonização também seguiram o idéia da troca comercial. Toda a
triangulação do Atlântico (Europa, África e América), tinha como fim o acesso a
bens: escravos na África; açúcar, tabaco, e metais nas Américas; especiarias e
chás orientais.
Apenas após a Revolução
industrial a idéia de ganhar dinheiro realmente tomou conta de nossas vidas. A
riqueza criada por meio de máquinas e a geração de crescimento econômico ao
longo do tempo, idéia recente mas já impregnada em nossa cultura.
A partir de então temos os
objetivos de procurar emprego, melhorar os rendimentos, executar uma atividade
para alguém em troca de moeda, achar uma colocação profissional no processo
produtivo do mundo corporativo ... e por aí vamos.
Atualmente discute-se a
influência que os robôs (nada mais que máquinas, como a locomotiva ou a
metralhadora), porém capazes de executar tarefas mais inteligentes e complexas.
Certamente serão geradas, ou
poderiam ser geradas, mais riquezas. Em tese, teríamos a possibilidade de criar
mais oportunidades para mais pessoas nos processos produtivos. E isso é a
extensão lógica do que ocorreu até agora.
Seria. Afinal estamos analisando
processos produtivos. Ao final, são produzidos bens e serviços que devem ser
consumidos. Esse processo começa a enfrentar problemas quando a capacidade de
pessoas consumirem põe limites ao ritmo de crescimento da economia. Esse fato
pode ocorrer por diversas razões, mas a realidade atual vem apontando um motivo
principal: o crescimento da desigualdade social, no mundo todo.
Embora sempre tenhamos convivido
com a desigualdade extrema – aliás, a novidade foi a igualdade que vigiu no
mundo desenvolvido após a II GM – os grandes saltos tecnológicos e do PIB do
mundo ocorreram em período de maior igualdade social. Voltar aos padrões do
século XIX seria experimentar uma economia moderna se sustentando sobre um
corpo extremamente ultrapassado.
Uma conseqüência mais óbvia da
concentração de renda é a redução do consumo agregado. Uma pessoa que já
atendeu todas as suas necessidades de consumo acumulará, mas não consumirá
tanto quanto uma pessoa de baixa renda que vê um pequeno aumento da mesma. O
consumo do rico será reduzidíssimo, na margem.
Portanto, antevejo uma contradição
a ser resolvida: ou muda-se a maneira como as pessoas conseguem renda (que não
por meio do trabalho produtivo) e deixa-se as portas abertas ao desenvolvimento
tecnológico; ou veremos um empobrecimento muito grande da sociedade mundial,
fazendo com que a crise monumental que se seguiu à queda do Império Romano pareça
fichinha.
Por este último cenário, seremos
condenados a voltar alguns séculos na história.
Rubem L. de F. Auto
Rubem L. de F. Auto
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