A entrada em cana dos reinos absolutistas marcou o fim da
soberania que os nobres tinham sobre seus feudos. Tornaram-se vassalos, isto é,
ocupantes de posições de confiança do rei. Ganharam cargos e privilégios: altas
posições no Exército e na Igreja.
Sem poderes ilimitados em suas terras, restava aos nobres
bajular o rei e esperar que caísse algumas migalhas em seus bolsos. Assim,
criou-se uma espécie de competição entre os nobres pela atenção e, por
conseguinte, pelos favores do Rei.
Nessa toada, não faltavam oportunidades para que o nobre
exercício da bajulação ocorresse. No palácio de Versalhes, peças de teatro,
óperas e balés faziam sua estréia antes de irem ao circuito de Paris. Três
vezes por semana o rei promovia noites de diversão: no Salão de Vênus, oferecia
um enorme bufê; no Salão de Diana, jogava-se bilhar; no Salão de Apolo, o móvel
era a música; no Salão de Mercúrio, os jogos eram o tema; o Salão de Marte
recebia os amantes da dança.
Outra oportunidade muito concorrida de bajular Vossa Alteza ocorria
diariamente: tanto seu adormecer quanto no seu despertar eram cerimônias
públicas, quando interessados podia para lá acorrer. Aliás, o despertar era dividido
em duas partes: o petit lever e o grand lever. As refeições também eram
cerimoniosas: havia o petit couvert e o grand couvert.
Em todos esses momentos, reis que se fizeram sinônimo de
absolutismo, como o monumental Luís XIV, deveriam olhar para os lados e ver
pessoas que não gostariam de ser esquecidas por ele. Espiões a seu serviço se
encarregavam de informar nomes de quem viesse a fazer algum comentário
desagradável sobre Sua Majestade.
As regras de convivência social se tornaram complexas e
passaram a ocorrer em grande parte dentro de salões. Esse foi o momento em que
as mulheres finalmente saíram de casa. Agora deveriam ser vistas, e essa regra
não servia apenas para as cortesãs. Nessa sociedade já bem menos cristã do que
as anteriores, às mulheres não bastava se comportarem como se santas fossem:
agora elas deveriam amáveis e graciosas no trato pessoal; deveriam conhecer bem
as regras de etiqueta à mesa; deveriam saber usar o tom de voz mais adequado a
cada ocasião; deveriam conhecer razoavelmente sobre artes (mas sem ser pedantes,
claro); era recomendável saber usar frases espirituosas, de fino humor, mas sem
despertar polêmicas; apreciavam-se aquelas que declamassem poemas ou prosassem
divertidas histórias; saber servir convidados e ser cortês com os mesmos
conquistava admiradores, também.
Esse tipo de sociedade abriu guerra contra o fedor. A dama
francesa poderia gastar até seis horas preparando sua beleza: envolta por
criadas, claro, que permaneciam bastante ocupadas. Esse período viu o fornecimento
de água em Paris esmaecer, o que forçou os hábitos de higiene a não usarem
água: toalhas e pós ocuparam seu lugar. O cabelo era limpo com pó de arroz. O corpo
era limpo com toalhas perfumadas, que se passavam pelo rosto, torso e axilas.
As maquiagens das mulheres eram tão carregadas que elas
criavam personagens para desfilar pelos salões à noite. Perfumes e incensos
revelavam o estrato social que o indivíduo ocupava. Essências de violeta, rosa,
íris, almíscar e âmbar eram disputadas.
Já o trabalho, na corte, era sinônimo de sofrimento e de
vergonha. O ócio e a falta de utilidade eram aquilo que trazia admiração, de
fato.
Em Versalhes residiam mais de 10 mil pessoas, que
acompanhavam a Corte como se espetáculo fosse. A burguesia poderia ter acesso
àqueles fatos pela imprensa; mas só os nobres os presenciavam.
Se ver o rei era um privilégio, que dirá de se deitar com
ele? Luís XIV era casado com Maria Teresa, mas teve diversas amantes. A duquesa
de La Valliére, foi uma delas. A casa de caça em que se encontravam para seus
momentos reservados, após diversas reformas, tornou-se Versalhes. A
amante-real seguinte foi madame de Montespan. Ao mesmo tempo, Luís começou a
trocar afagos com a viúva Scarron. Algum tempo depois, entrou em cena Marie
Angélique de Acorailles, de apenas 18 anos – faleceu após engravidar do rei.
A amante oficial era intitulada maîtresse-em-titre: recebia pensões
e o cargo de conselheira íntima do rei.
La Montespan caiu em
desgraça após ser acusada de orquestrar o “Caso dos Venenos”: uma série de
mortes por envenenamentos, ocorridas na Corte. Não foi condenada, mas teve de
se manter distante do rei.
O resultado das aventuras amorosas de Luís XIV foi o
seguinte: teve uma filha com La Villiére, dois filhos e duas filhas com La Montespan;
um filho com a rainha. Não se contabilizam aqui os filhos bastardos.
Os inimigos do rei gostavam de repetir: “Foges da guerra,
mas persegues as belas”. Diversas obras exploravam esse lado obscuro de Sua
Majestade.
O reinado do Rei Sol marcou uma revolução na imagem da
França em todo o mundo: o francês era agora uma língua diplomática importante;
cozinheiros franceses eram muito respeitados; móveis franceses eram os mais
desejados; tapeçarias, jóias, vestidos, penteados, tudo vindo “de França” era
tido como o melhor, mais nobre.
Paris era um centro de estudos importante, para onde
acorriam membros da elite dirigente e econômica de todo o mundo. A Academia de
Belas Artes francesa serviu como modelo a todas que surgiram posteriormente.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
Nenhum comentário:
Postar um comentário