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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

FAB FOUR – DA CASA DA TIA MIMI AO ESTRELATO POP


Em 1963, no jornal britânico The Times, o crítico musical William Mann escreveu uma coluna que marcaria um divisor de águas na história da música. Comentando sobre os compositores de uma banda de rock iniciante, declarou “são os compositores ingleses mais extraordinários de 1963”. Mais à frente: a dupla tinha dado “um sabor divertido e singular a um gênero de música que estava correndo o risco de deixar de ser música.  

Mann era um crítico erudito, conhecia música profundamente: “pensam simultaneamente em harmonia e melodia, tal a firmeza com que a sétima e a nona maiores estão construídas em suas músicas”.

Ao comentar a canção “Not a Second Time”, Mann comentou que as mudanças de escala eram “tão naturais quanto a cadência eólica ao final”. Terminou comparando aquela música a “Das Lied Von der Erde”.

Ao comentar aquele episódio, John Lennon foi bem sincero: “Não entendi nada do que ele disse”. Ele achou até que “cadência eólica” era o nome de um passarinho.

De qualquer maneira era um epíteto em tanto para uma dupla que havia começado a ensaiar suas primeiras composições anos antes, no quarto de John na casa de sua tia Mimi, responsável por sua criação após a separação dos pais.

Foi lá inclusive que John Winston Lennon e seu amigo James Paul McCartney acordaram a maneira imortal como assinariam suas composições: Lennon & McCartney, assim mesmo, com o Lennon sempre à frente.
E também foi ali que nasceu a competição entre os dois jovens, que terminaria por fazer despontar dois dos maiores nomes da música no século XX. Frank Sinatra, declaradamente antipático ao rock, gravou “Yesterday” e “Something”. Sobre esta música dizia ser “a melhor música de amor dos últimos 50 anos”, para desespero do verdadeiro compositor, George Harrison. Dave Grohl, líder do Foo Fighters, afirmou que Kurt Cobain aprendeu a tocar guitarra ouvindo e tentando repetir os acordes dos Beatles. Ozzy Osbourne era fã de Paul McCartney, que inventou o Heavy Metal quando compôs Helter Skelter. Foi o estilo informal e simples dos primeiros anos da banda que inspiraram bandas como Ramones e o estilo punk.
Foi o sucesso dos Beatles que levou o empresário de outra banda, Rolling Stones, a obrigar Mick Jagger e Keith Richards a comporem suas próprias músicas.

Após o lançamento dos álbuns mais elaborados e psicodélicos – como Rubber Soul, Revolver e Sgt Pepper`s – novos fãs surgiram, como o poeta Allen Ginsberg e outras pessoas que buscavam música que fizessem pensar.

Com a música Tomorrow Never Knows, efeitos musicais em loop inauguraram uma fase vanguardista na música pop. Efeitos musicais estes dalavra de Lennon, mas precedido de muitos anos de experimentação por Paul.  

Começaram a usar os efeitos de estúdio como elemento de suas músicas antes mesmo da banda Pink Floyd. Inventaram até o videoclipe, ao criar filminhos que pudessem ser veiculados na mídia, evitando assim que tivessem que comparecer sempre a programas de TV. A tendência seguida por diversas bandas  de gravar álbuns ópera-rock, em que as músicas contam uma história, da primeira à última, foi iniciada com o álbum Sgt. Pepper`s.

Pode-se afirmar que foram eles que iniciaram as apresentações musicais em estádios, forma que acharam para conseguirem se apresentar para as multidões de fanáticos nos EUA: o primeiro deles ocorreu no Shea Stadium, em NY, em 1965. 55 mil pessoas compareceram ao concerto.

No que se refere a comportamento, deram início ao interesse do ocidente pelo oriente e as coisas da Índia. Também puseram o cabelo comprido na moda – embora hoje o cabelo de esfregão pareça um tanto comportado.

Finalmente, imortalizaram dois profissionais da música fundamentais na história da banda: o empresário Brian Epstein e o produtor musical George Martin.

Em 9 de fevereiro de 1964, o quarteto de Liverpool estava nos EUA, aguardando para entrar ao vivo no programa The Ed Sullivan Show. Foi quando receberam uma mensagem: “Parabéns pela presença de vocês no The Ed Sullivan Show. Esperamos que o seu compromisso tenha sucesso, e que sua visita (aos EUA) seja agradável” Quem assinava era Elvis Presley. George Harrison foi quem reagiu imediatamente: “Quem é esse Elvis?”

Evidentemente Lennon e McCartney sabiam de quem se tratava: era o cara que os fez se interessarem por fazer música.

Mais de 73 milhões de pessoas acompanharam a entrevista dos rapazes. A polícia testemunhou a queda vertiginosa nos índices de violência durante a entrevista mencionada.  

Após os primeiros passos na casa da tia Mimi, John Lennon formara uma banda de rock. Na verdade nem era rock. Tocavam o que se chamava de skiffle: um rock suavizado, que chocava menos os ingleses daquela época. O rock de verdade só era feito por músicos norte-americanos, quase todos negros – e que haviam traumatizado os mais velhos: Jerry Lee Lewis, casado com sua prima de 13 anos; Little Richard, negro e homossexual; Chuck Berry, preso com uma prostituta menor de idade; Gene Vicent, veterano nos acidentes de carro.

Paul era apenas um garoto bochechudo que tentava impressionar o band leader a deixá-lo tocar com os caras “mais velhos”. E impressionou! Lennon disse que percebeu que estava dando espaço a um cara quase tão bom quanto ele. O nome da bandinha era Quarrymen.

Lennon tinha muito em comum com aquele garoto canhoto que tocava habilmente com a mão direita: ambos perderam a mãe na adolescência; ambos foram criados por tias, após a perda de suas mães; ambos perderam os pais em 1976; ambos foram incentivados musicalmente por seus pais.

Mas o lar de Paul era infinitamente mais estável e descomplicado do que o de John, que viveu uma infância trágica. Após uma gravidez indesejada, a mãe e o pai se separam, inicia-se uma briga pela guarda da criança, que termina sendo adotada pela tia.

E foi essa diferença de criação nos primeiros anos que criou o contraste entre ambas as “personas”, que acompanhou toda a criação musical do grupo. Lennon, por exemplo, mostrava-se inseguro, muitas vezes ácido nos comentários, por vezes era irônico, quando não se aproximava da violência física. São dele a letra desesperada de “Help” e a quase-suicida “I`m a Loser”.

Paul era o “beatle” diplomático: polido, charmoso, otimista. Somente ele poderia ter escrito “Good Day Sunshine” e “We Can Work It Out”.

A partir da junção da melodia hipnotizante de Paul com as letras poeticamente delirantes de John nasceu a prolífica dupla de compositores que marcou o século – segundo muitos, os melhores desde Schubert.  

O primeiro single sob o nome Beatles foi lançado em outubro de 1962 e se chamava “Love Me Do” – com a clássica “P.S. I Love You” no lado B. Ambas foram compostas quase inteiramente por Paul, que também as cantava. O grupo chegou à 17ª posição entre as mais tocadas no Reino Unido.

Para o trabalho seguinte, o produtor George Martin foi apresentado a uma nova canção de Lennon: “Please Please Me”. Aceitou gravar e... Boom! Hit número 1 nas paradas! Os tempos de Cavern Club chegavam ao fim. Dizem que estavam tocando no Cavern quando foram informados de que chegaram ao primeiro lugar nas paradas. As pessoas nas primeiras fileiras começaram a chorar: agora os garotos de Liverpool eram do mundo.

George Martin então resolveu apostar num LP. Após uma sessão que durou insanas 12 horas, saiu o álbum que ficou conhecido como Please Please Me. Iniciava-se com “I Saw Her Standin There”, composição de Paul; e terminava com Twist And Shout, cover dos Isle Brother, gravado na voz de Lennon.

O LP foi lançado em março de 1963 e ficou no primeiro lugar das paradas por 30 semanas. E se acirrava ainda mais a concorrência entre os dois compositores para saber quem era o melhor.

Da primeira fase da banda, são os álbuns: Please Please Me, With The Beatles”, “A Hard Day`s Night”, “Beatles For Sale” e “Help!” Lennon foi o principal compositor em 27 músicas. Paul se sobressaiu em 17. Excluíram-se aqui as parcerias. Em “Hard Day`s...”, Lennon criou 10 faixas, enquanto Paul só o fez em três.  
São ainda de Lennon a faixa “A Dard Day`s...”, “Help!”, “Ticket To Ride”, “I Wanna Hold Your Hand”. Dentre os clássicos da primeira fase, Paul criou “Can`t Buy Me Love”.

Destaca-se nessa fase um dos maiores hits da carreira da banda: Yesterday. Composta por Paul, foi regravada por Sinatra, Plácido Domingo, Bob Dylan, Marvin Gaye, Ray Charles, Roupa Nova... Também rendeu problemas internos. Quando era tocada nos shows, todos os outros membros saíam do palco. Paul a interpretava sozinho ou acompanhado de um quarteto. Numa dessas ocasiões, Lennon retornou ao palco com uma frase irônica: “Obrigado, Ringo. Foi maravilhoso”. Lennon chegou a ser cumprimentado como uma vez por um músico que pensava ser ele o autor de Yesterday.

Por causa dessa música, em 1996 Paul protagonizaria um triste episódio, quando tentou inverter os créditos da música – pondo McCartney & Lennon -, 16 anos após a morte de John e mediante pedido de autorização à viúva, Yoko.

No período de 1965 a 1966, a banda atingiu um novo patamar de criação musical. São desses anos os álbuns Rubber Soul e Revolver. Lennon mantém a dianteira, mas agora com menor vantagem: compôs 12 faixas, contra 10 de Paul. Lennon compôs “Nowhere Man” e “In My Life” – sem falar em “Tomowwow Never Knows”. John experimentava aqui sua produção sob efeitos de LSD.

Paul produziu a obra-prima “Eleanor Rigby” – com arranjo de cordas de George Martin. Havia ainda da lavra de Paul: “For No One” e “Here There and Everywhere”.

No quesito drogas, Paul cantou seu amor pela cannabis em “Got to Get You into My Life”.

A revolucionário álbum Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band marcou também o momento em que o workaholic Paul ultrapassa a produção musical de John. Totalmente idealizado por Paul, trazia uma obra de Lennon: “A Day in the Life”, que se tornaria emblemática. O disco ficou 15 semanas em primeiro lugar na Billboard. Lançado numa quinta-feira, já no domingo eles assistiram a um show de Hendrix, em que o lendário guitarrista fazia um cover da primeira faixa recém-lançada.

Foram oito faixas de Paul contra quatro de Lennon. O álbum seguinte, Magical Mystery Tour manteve Paul à frente: 5 x 4.

Lennon declarou na época, sobre a produção incessante de Paul: “Ele já tinha cinco ou seis músicas, então eu pensei: foda-se, não consigo acompanhar esse ritmo”.

Eram agora os gênios do pop. Se dez anos antes Paul era o gordinho querendo uma vaga no Quarrymen, agora ele tomava o comando da nave-mãe Beatles.

Dentre os motivos apontados para a decaída da produção de John Lennon, citam-se seu relacionamento com Yoko Ono e o fato de ter trocado o LSD pela heroína. Quando perguntado se Ringo era o melhor baterista do rock, o magoado Lennon respondeu: “Ringo não é nem o melhor baterista entre os Beatles”. Quanto a suas opiniões sarcásticas sobre Paul, Lennon as expressou em sua carreira solo, na faixa “How do You Sleep?”: “a única coisa que você fez foi Yesterday”, dentre outros desaforos.

O final da carreira do grupo foi marcado pelos álbuns “Álbum Branco” (na verdade sem título) e Abbey Road. Aqui, o equilíbrio entre os compositores foi retomado. Foram 24 produções de Paul contra 22 de John. Foi marcado também por desentendimentos, que de tão perturbadores levaram Ringo Starr a largar a gravação – Paul foi baterista em duas faixas.

Quanto ao conturbado relacionamento com Yoko, parece que não afetou tanto o músico: ele compôs clássicos como “Revolution”, “Across the Universe” e “Come Together”. Paul não ficou para trás, assinando “Lei It Be”, “The Long and Winding Road”, “Get Back” e “Hey Jude”.   

Terminada a banda, Paul se tornou uma espécie de hipster-milionário. Foi morar numa fazenda na Escócia, construiu um solar com um buraco no meio, passava o dia inteiro fumando maconha e produzindo faixas com os músicos que contratou. Ele e Linda tiraram as crianças da escola e passaram a educá-las em casa.

A primeira turnê da banda foi uma aventura: puseram todos os equipamentos e tralhas da família numa van e se dirigiam se cidade em cidade. Quando achavam uma universidade, perguntavam se eles queriam um “showzinho” de Paul McCartney.  

Algumas décadas após, McCartney se tornou o primeiro músico a faturar mais de 1 bilhão de dólares ao longo da carreira.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 

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