A criação do instituto do ostracismo e o cuidado extremo com
a manutenção da democracia direta mostraram, com o tempo, terem efeitos
colaterais eventualmente danosos. E esse fato ficou patente quando um dos nomes
mais notórios de Atenas, o heróico general Temístocles foi eleito pelos óstracos.
Um dos motivos pelos quais alguém poderia despertar a ira
coletiva contra si era uma notória falta de modéstia, a ostentação do próprio
sucesso, sem reservas. Sem dúvidas trata-se de característica presente em todo
tirano; no entanto também costuma ser parte da personalidade de heróis e
conquistadores.
Pois bem. Temístocles viveu de 524 a.C. a 459 a.C.,
tornou-se general e político em Atenas e entrou para a história como o general
que derrotou os persas na Batalha de Salamina. Também foi o responsável pela
reconstrução das muralhas que defendiam a cidade e, assim, manteve os espartanos
à distância, numa época em que representavam uma ameaça constante.
Difícil crer que um homem com tais realizações tenha sido
ostracizado e morrera no exílio!
Temístocles era ambicioso, logo fez carreira política, mas
sempre defendendo causas populares. Chamava os concidadãos pelo nome e assim
logrou o apoio necessário para se tornar comandante das forças atenienses.
Um episódio deixou patente seu lado visionário. Em dado
momento, foi descoberta uma mina de prata em Maroneia. Os recursos despejados
nos cofres públicos, normalmente, seriam repartidos entre os cidadãos. Temístocles,
no entanto, propôs que tais recursos fossem investidos na expansão da marinha
ateniense. Como se tratava de alguém com credibilidade em alta, seu plano foi
aprovado. Essas embarcações novas foram exatamente aquelas usadas contra a
marinha de Xerxes em Salamita, garantindo o triunfo grego sobre o temido
Império Persa. O sucesso estrondoso que esse homem conquistou junto ao povo era
indescritível. Até mesmo os espartanos não continham elogios àquele gênio.
Uma medida de sua popularidade ocorreu nos Jogos Olímpicos ocorridos
logo após a Batalha que vencera. Os atletas chegaram a ser esquecidos pelo público,
que não parava aplaudi-lo logo que chegou ao local. Impossível que o sucesso
não subisse à cabeça.
Ainda naquela ocasião acima, declarou a amigos que estava
simplesmente colhendo os frutos de todos os seus trabalhos para os gregos. Mais
tarde, disse que seu filho era a pessoa mais poderosa da Grécia, porque “os
atenienses mandam no resto da Grécia, eu mando nos atenienses, sua mãe manda em
mim e você (seu filho) manda na sua mãe”. Parece óbvio que um povo apegado à
democracia direta detestasse esse discurso de mandar nos atenienses.
Depois, cometeu o absurdo de mandar construir um templo a Palas
Atenas, deusa da sabedoria, ao lado da sua casa e ainda pôs a seu lado uma
estátua de si mesmo.
Não demorou para que fosse ostracizado com um número recorde
de votos. Mesmo um herói nacional não poderia crer estar acima dos demais
cidadãos.
Exilado, Temístocles achou abrigo, ironicamente, nas terras
de seu maior adversário, Xerxes. Foi recebido efusivamente, com confissões de sincera
admiração feitas pelo rei persa. Evidentemente Xerxes pretendia cooptar o
general para empreender uma futura invasão a Atenas, desta feita com maiores
chances de sucesso.
Inicialmente o rei persa usou seu novo aliado em batalhas
contra inimigos diversos. A admiração de Xerxes era tamanha que expulsou alguns
de seus maiores generais. Mas quando o convite feito teve Atenas como alvo, a
amizade que se estreitava entrou em crise.
Profundamente ofendido, incapaz de sequer imaginar tamanha
traição contra sua amada terra natal, Temístocles se suicidou.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo”
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