Em 1948, uma publicação sacudiu abruptamente os norte-americanos.
O zoólogo Alfred Kinsey havia publicado o resultado de mais de 10 anos de
pesquisas que realizara em sexualidade: Sexual Behaviour in the Human Male, que
ficou mais conhecido como Kinsey Report.
Suas mais de 800 páginas traziam toneladas de estatísticas
sobre a vida sexual de homens norte-americanos. Dali em diante, a intimidade
entre quatro paredes, devassável apenas ao padre confessor e ao médico da
família, estava impressa nas mais de 200 mil cópias esgotadas nas livrarias em
apenas 2 meses.
Alguns números assombraram as pessoas que confiavam no
discurso conservador e cristão de cidadãos orgulhosamente afeitos às tradições:
·
4% se declararam homossexuais; 10% o eram
predominantemente;
·
11% haviam feito sexo anal com a esposa;
·
22% se excitavam com sadomasoquismo;
·
29% haviam tido uma parceira extraconjugal e que
não era prostituta;
·
37% haviam tido orgasmo com outro homem;
·
46% declararam ter se sentido atraído por outro
homem;
·
¾ ejaculavam antes de terminado o segundo minuto
do coito;
·
93% faziam sexo oral como preliminar;
Esses foram alguns dos números que chocaram uma sociedade na
qual era crime, em diversos estados dos EUA, praticar sexo antes ou fora do
casamento, o sexo anal e o homossexualismo. Tinha-se a sensação de que o
discurso apoiado na moral vitoriana era completamente ignorado na vida íntima.
Em 1953, Kinsey soltaria sua segunda bomba: um relatório
focado nas mulheres. Por exemplo:
·
14% já tiveram orgasmos múltiplos;
·
21% tiveram um ou mais parceiros extraconjugais;
·
69% confessaram fantasias eróticas com homens;
·
64% se masturbaram com tais fantasias eróticas;
·
Das mulheres que confessaram se masturbas: 84%
tocavam o clitóris, 20% penetravam a vagina, 11% estimulavam os mamilos e 10%
pressionavam as coxas;
·
91% masturbavam o parceiro nas preliminares, ao
passo que 49% faziam sexo oral nele.
Não foram poucos os que criticaram os Relatórios como se
fossem ataques puros à religião e à família. Mas a sociedade norte-americana se
encontrava em plena mutação. Iniciavam-se as transformações que levariam à
libertação sexual da segunda metade do século XX.
A entrada dos EUA na II Guerra Mundial deu fim, finalmente,
aos desastres sociais e econômicos causados pela Crise de 1929. A fabricação em
larga escala de armas e equipamentos de guerra deu o vigor que, somado ao New
Deal de Roosevelt, levou o índice de desemprego a inacreditáveis 1,2% - nesse
período, 86% do orçamento federal eram empregados no teatro de batalhas. Mesmo
após o fim da II Guerra o gasto militar se manteve em alta: durante a Guerra da
Coréia, 67% do orçamento era empregado em despesas militares.
E tudo isso levou à manutenção das mulheres no mercado de
trabalho.
A geração dos que cresciam após o fatídico conflito ficou
conhecida como “baby boomers” – o nome se devia à altíssima taxa de natalidade,
somado à decrescente taxa de mortalidade infantil, que levou a um crescimento
populacional inédito na história. O comportamento dessa geração ficou marcado
por sua vontade de se opor ao conservadorismo de seus pais: o estilo de vida
burgês, segundo o qual o autocontrole e pela moderação deveriam pautar sempre os
desejos, deu espaço ao elogio à espontaneidade e à desinibição. O símbolo maior
dessa geração era a televisão.
O crescimento econômico, que ficou acima dos 9% ao ano nos
EUA, levou a uma afluência econômica que permitia o consumo de artigos de luxo
por uma enorme parcela da sociedade. Com o luxo, veio a luxúria. E a luxúria se
mostrava um mercado promissor.
Foi o que percebeu o repórter da revista Esquire e escritor
Hugh Hefner. Apoiado em empréstimos concedidos por 45 investidores (incluindo
sua mãe) e um banco, o jovem visionário fundou a revista Playboy.
Inicialmente, a revista procurava explorar os desejos
sexuais que ficaram tão bem expressos nos Relatórios do Sr. Kinsey. Os desejos
de consumo, evidentemente, não ficariam de fora: carros, aparelhos de TV,
aparelhos de som, comidas industrializadas, bebidas caras... ao lado de uma
bela coelhinha. O lema de vida que a revista disseminava entre os homens era:
aproveite a vida, consuma e evite os infortúnios do casamento.
Nascia então a figura do solteirão bon vivant.
A primeira edição trazia na capa uma Marylin Monroe descontraída.
Vendeu 54 mil cópias. Em 1956 já ultrapassava a vendagem da Esquire. Nos anos
1970 chegaria a vender 5,5 milhões por edição e Hefner viva seu império.
Como o chefão da publicação mesmo dizia: “A vida é curta
demais para se viver o sonho de outra pessoa.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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