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quarta-feira, 4 de outubro de 2017

MORALIDADES E BOÇALIDADES: SEMPRE DE MÃOS DADAS


O cenário da cidade de Londres na era vitoriana, longe da estrita moralidade doméstica, era mais ou menos esse: “bebedeira, blasfêmia, palavreado profano, xingamento, indecência, profanação do dia do Senhor e outras práticas dissolutas, imorais e desordeiras”. Para enfrentar esse estado de coisas, em 1822, criou-se a infame Sociedade pela Supressão do Vício.

Inicialmente ela travou guerras contra a pornografia: em 1845, por exemplo, foram apreendidos 12.346 ilustrações e 393 livros com conteúdo pornográfico. Em 1857, ela tinha promovido a prisão de 159 pessoas, por motivos relacionados à pornografia.

Finalmente, em 1857 a Sociedade fez o Parlamento aprovar a Lei das Publicações Obscenas. Centenas de lojas foram fechadas.

Mas a pornografia era apenas parte da paisagem que a ínclita Sociedade pretendia purificar. A região metropolitana de Londres contava com cerca de 80 mil prostitutas por volta de 1840. Cerca de 1.800 prostíbulos foram contabilizados pela polícia. Esse foi o ambiente em que surgiu o serial killer Jack, o Estripador, assassino em série de prostitutas.

A identidade visual da era vitoriana foi sua extrema desigualdade social. Pelas ruas, viam-se crianças de doze anos pedindo esmolas pelas ruas, muitas vezes sendo forçadas pelos pais a se prostituírem com esse fim. Viam-se também mulheres trabalhadoras, que viam na prostituição seu complemento de renda – nas fábricas, recebiam uma fração do que recebiam os homens; como empregadas domésticas, tinham uma vida de escravidão; a prostituição era uma escolha bastante razoável, portanto.

As meninas virgens logo passaram a conformar um mercado concorrido: era deflorando tais meninas que os homens se curavam da sífilis e da gonorréia, acreditava-se na época. O tráfico de meninas virgens moveu os mercados de todo o continente. Trens chegavam trazendo meninas virgens de toda parte, movimentando o caixa de bordeis especializados no novo filão.

Os meninos estavam distantes de alguns pesadelos que aterrorizavam o universo feminino, mas não escaparam de outros. Um dos mais inquietantes, sem dúvidas, foi a guerra à masturbação, deflagrada por uma nova medicina, que tomava o lugar antes reservado aos padres e bispos. Se os clérigos viam nisso pecado, os médicos viam transtorno mental.

Houve até mesmo uma teoria médica, a Kraft-Ebing, que tratava a masturbação como uma via em direção à homossexualidade, pois terminava por imprimir a imagem do pênis na mente do menino. No Kansas, EUA, entre 1893 e 1898, médicos destruíram os testículos de 44 homens internados num hospício, por se masturbarem frequentemente.

Um médico inventou um aparelho que descarregava choques elétricos sempre que o menino tinha uma ereção durante o sono. Em 1864, um médico francês costurou a vagina de uma menina, para ela não se masturbar. Outros médicos o criticaram: ele devia extrair o clitóris inteiro!

Um menino teve o pênis cauterizado, para impedir de se masturbar.

Outra vertente da medicina procurava associar a mulher que caia na prostituição com desvios de caráter e até mesmo com propensão inata à atividade. Falta de sentimentos maternos e insanidade moral eram apontados como motivos catalisadores que as levavam, primeiramente, ao “deboche”, depois, ao bordel. Logo a “falta de inteligência” e a “frigidez sexual” entraram na exação dos motivos.  

Multiplicavam-se experimentos que faziam uso de choques, eletrodos, uso de cobaias humanas. A desumana perseguição promovida pelas igrejas foi, pouco a pouco, sendo substituída por médicos frios e que as tratavam como um objeto de pesquisa desprovido de sentimentos.    


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”

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