O cenário da cidade de Londres na era vitoriana, longe da
estrita moralidade doméstica, era mais ou menos esse: “bebedeira, blasfêmia,
palavreado profano, xingamento, indecência, profanação do dia do Senhor e
outras práticas dissolutas, imorais e desordeiras”. Para enfrentar esse estado
de coisas, em 1822, criou-se a infame Sociedade pela Supressão do Vício.
Inicialmente ela travou guerras contra a pornografia: em
1845, por exemplo, foram apreendidos 12.346 ilustrações e 393 livros com
conteúdo pornográfico. Em 1857, ela tinha promovido a prisão de 159 pessoas, por
motivos relacionados à pornografia.
Finalmente, em 1857 a Sociedade fez o Parlamento aprovar a
Lei das Publicações Obscenas. Centenas de lojas foram fechadas.
Mas a pornografia era apenas parte da paisagem que a ínclita
Sociedade pretendia purificar. A região metropolitana de Londres contava com
cerca de 80 mil prostitutas por volta de 1840. Cerca de 1.800 prostíbulos foram
contabilizados pela polícia. Esse foi o ambiente em que surgiu o serial killer
Jack, o Estripador, assassino em série de prostitutas.
A identidade visual da era vitoriana foi sua extrema
desigualdade social. Pelas ruas, viam-se crianças de doze anos pedindo esmolas
pelas ruas, muitas vezes sendo forçadas pelos pais a se prostituírem com esse
fim. Viam-se também mulheres trabalhadoras, que viam na prostituição seu complemento
de renda – nas fábricas, recebiam uma fração do que recebiam os homens; como
empregadas domésticas, tinham uma vida de escravidão; a prostituição era uma
escolha bastante razoável, portanto.
As meninas virgens logo passaram a conformar um mercado
concorrido: era deflorando tais meninas que os homens se curavam da sífilis e
da gonorréia, acreditava-se na época. O tráfico de meninas virgens moveu os
mercados de todo o continente. Trens chegavam trazendo meninas virgens de toda parte,
movimentando o caixa de bordeis especializados no novo filão.
Os meninos estavam distantes de alguns pesadelos que
aterrorizavam o universo feminino, mas não escaparam de outros. Um dos mais
inquietantes, sem dúvidas, foi a guerra à masturbação, deflagrada por uma nova
medicina, que tomava o lugar antes reservado aos padres e bispos. Se os clérigos
viam nisso pecado, os médicos viam transtorno mental.
Houve até mesmo uma teoria médica, a Kraft-Ebing, que
tratava a masturbação como uma via em direção à homossexualidade, pois terminava
por imprimir a imagem do pênis na mente do menino. No Kansas, EUA, entre 1893 e
1898, médicos destruíram os testículos de 44 homens internados num hospício,
por se masturbarem frequentemente.
Um médico inventou um aparelho que descarregava choques
elétricos sempre que o menino tinha uma ereção durante o sono. Em 1864, um
médico francês costurou a vagina de uma menina, para ela não se masturbar. Outros
médicos o criticaram: ele devia extrair o clitóris inteiro!
Um menino teve o pênis cauterizado, para impedir de se
masturbar.
Outra vertente da medicina procurava associar a mulher que
caia na prostituição com desvios de caráter e até mesmo com propensão inata à
atividade. Falta de sentimentos maternos e insanidade moral eram apontados como
motivos catalisadores que as levavam, primeiramente, ao “deboche”, depois, ao
bordel. Logo a “falta de inteligência” e a “frigidez sexual” entraram na exação
dos motivos.
Multiplicavam-se experimentos que faziam uso de choques,
eletrodos, uso de cobaias humanas. A desumana perseguição promovida pelas igrejas
foi, pouco a pouco, sendo substituída por médicos frios e que as tratavam como
um objeto de pesquisa desprovido de sentimentos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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