No início da década de 1980, nas sociedades mais avançadas
do Ocidente (EUA e Europa), a revolução sexual parecia ser favas contadas. O
que era pornografia, agora figurava em anúncios, propagandas, capas de
revistas, estampadas ao lado de bebidas ou eletroeletrônicos. O videocassete
tornou o hábito de assistir a pornografias cotidiano, normal. Em 1984, Madonna
dá mais um passo em direção à libertação feminina ao lançar seu primeiro hit
demolidor: Like a Virgin. Nunca ninguém debochou tanto da sociedade
conservadora no mundo pop! Virgindade, veneração a autoridades religiosas eram
coisas do passado.
Ainda nessa época começaram a pipocar clubes de swing,
seguindo o modelo inaugurado pela casa Plato`s Retreat, em 1977, em NY. Pessoas
nuas circulando por entre as mesas, na pista de dança, na banheira ou na
piscina, quartos privados à disposição, um salão enorme para grupos exercitarem
seus desejos luxuriosos, tudo era permitido... Exceto homem com homem. Esses
deveriam procurar a sauna gay mais próxima, que também eram diversas e bastante
procuradas.
O fato é: o comportamento sexual dos norte-americanos e a
completa desvalorização do casamento foram suficientes para desarmar a tão
temida “bomba demográfica”. Havia agora 25% menos pessoas casadas na sociedade,
os que se casavam o faziam bem mais velhos e a taxa de divórcios escalava. Era
agora impensável casar-se sem um período de convivência prévio.
O crescimento vegetativo era suficiente apenas para repor os
falecimentos. Os lares se tornaram menos numerosos e apenas 60% deles seguiam o
padrão tradicional de papai, mamãe e filhos.
Mas um novo ponto de inflexão de avizinhava. Após o
escândalo Watergate, que levou à renúncia de Richar Nixon da Presidência, somado
à crise econômica que vicejou durante o governo do seu sucessor, Gerald Ford, o
Partido Republicano estava na lona. Perderam a eleição seguinte para Jimmy
Carter e perceberam que precisariam reformular suas bases políticas para ter sobrevida
no mundo político.
Até então, o Partido Republicano era representado pelos
militares e pelo complexo industrial-militar. Agora, novos lobbies aportavam.
Um dos mais fortes era conhecido como Conservative Caucus, de Howard Phillips.
Outro era a Free Congress Foundation, de Paul Weyrich. Todos eles perceberam o
incômodo que aquelas mudanças de comportamento dos últimos anos causavam nos
setores mais conservadores, cristãos em geral. Os temas relacionados à “preservação”
da família e à sexualidade balizariam as campanhas políticas dali em diante.
Em 1979, o pastor fundamentalista e apresentador de um
programa Gospel assistido por mais de 18 milhões de aficionados, Jerry Falwell,
foi trazido para a campanha dos republicanos, formando a ínclita Moral
Majority. Em torno dela se reuniam os eleitores cristãos revoltados com as
mudanças de padrões de comportamento recentes.
O candidato que catalisaria essa “amálgama do atraso” seria
justamente o governador da Califórnia no final da década de 1960, quando viu seu
Estado sendo invadido pelos hippies de outrora, Ronald Reagan. Tornou-se
nacionalmente famoso por ter reagido veementemente contra aqueles jovens.
Para conquistar o apoio pretendido, Reagan teve de abraçar
causas como a criminalização do aborto, o apoio irrestrito ao ensino religioso
nas escolas e a proibição da pornografia. Jerry Falwell criava uma cisão ainda
maior entre os setores progressista e conservador ao defender teorias extravagantes,
como a homossexualidade do Teletubbie Tinky Winky. O tele-pastor James Robinson
defendia que os cristãos deveriam sair das igrejas e tomar o país. Falwell cria
que políticos ateus estavam levando a América ao inferno – em diversos momentos
sustentava que liderava uma guerra santa em solo americano.
Em 1981, iniciava-se o primeiro mandato de Reagan.
Simultaneamente, outro adversário da libertação sexual dava o ar da graça – e se
mostraria o pior de todos os adversários: a AIDS. Uma onda de pneumonia entre
jovens gays em Los Angeles chamou a atenção do CDC, agência de saúde
norte-americana. Poucas semanas depois o mesmo fenômeno se repetia em San
Francisco, com um agravante: agora os afetados desenvolviam um tipo de câncer,
o sarcoma de Kaposi. Nova York seria o próximo alvo da praga.
Até então se sabia que era uma doença sexualmente contagiosa
e estava restrita à comunidade gay. Os nomes com que batizaram essa síndrome
eram variados: “gay-related immune deficiency”, câncer gay, “peste rosa”, “praga
gay” etc. Mas aos poucos outras vítimas foram identificadas: mulheres
heterossexuais, homens heterossexuais, usuários de drogas injetáveis. Entre os
hemofílicos, a doença causou um extermínio assustador. Contudo, apesar de se
ter identificado até um bebê portador da doença, a imagem de doença surgida
para castigar os gays se popularizou.
Em 1982, o CDC finalmente batizou a doença insurgente com
seu nome definitivo: AIDS.
Pois bem, foi esse entroncamento trágico da história que deu
o mote de que tanto necessitava a direita, agora tendo os republicanos reunidos
em torno dos cristãos fundamentalistas: a AIDS era o castigo divino contra a
libertação sexual. Gays haviam ressuscitado Sodoma e Gomorra!
Em 1983, médicos franceses conseguiram isolar o vírus da
AIDS, o HIV. Conseguiram traçar suas formas de contágio, descartaram todas as
bobagens que se falavam à época. Mas os casos totais não paravam de aumentar,
provando que o púbico gay não era o único ameaçado.
As propostas legislativas falavam até em criar campos de
concentração para gays, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos, com a
finalidade de isolar os “grupos de risco”. O sexo após o casamento voltava a
ser defendido publicamente, agora como um método para não ser contaminado com
AIDS.
O conservadorismo impedia até mesmo que se discutisse
abertamente o assunto. Reagan, até 1987, não havia feito qualquer menção à
doença que se abatia sobre seu país.
Seguiu-se então um período de perdas de diversos ídolos, alguns
reconhecidamente homossexuais, outros não. Em 1996, nascia o tratamento da AIDS
por meio de antirretrovirais, o que reduziu sua ameaça intimidadora. Seria
possível, agora, conviver com aquela doença. No Brasil, a distribuição dos
medicamentos reduziu as mortes pela metade.
Esses fatos fizeram com que a luxúria de outrora se tornasse
promiscuidade que ameaçava a saúde pública. O amor livre era agora
comportamento de risco. O modelo de casal dos conservadores era agora receita
para uma vida saudável.
Mas o tempo e a redução da ameaça de morte que a AIDS
significava, aos poucos, trouxe novas demandas do público LGBT, como os direitos
do matrimônio. Ou seja, a instituição que era alvo de ódio décadas antes, era
agora desejada pelos mesmo a rejeitavam.
Pouco depois surgiram demandas como direito à adoção, à
segurança de se exporem socialmente etc.
O final da década de 2000 trouxe um novo ator na história da
sexualidade: o smartphone. Logo que se inseriu o recurso de rastreamento por
GPS, foi lançado um aplicativo revolucionário: o Grinder, focado no público gay.
Capaz de indicar possíveis parceiros sexuais nas redondezas aos usuários, esse
recurso tecnológico evoluiu na edição seguinte para o Tinder, aberto para todo
tipo de público. Foi um sucesso e trouxe a sensação de flertar na balada para o
bolso.
E assim sociedade líquida liquefez os relacionamentos, dando
a eles o mesmo imediatismo que contaminou todo o resto daquilo que fazemos...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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