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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

AMOR EM TEMPOS DE AIDS


No início da década de 1980, nas sociedades mais avançadas do Ocidente (EUA e Europa), a revolução sexual parecia ser favas contadas. O que era pornografia, agora figurava em anúncios, propagandas, capas de revistas, estampadas ao lado de bebidas ou eletroeletrônicos. O videocassete tornou o hábito de assistir a pornografias cotidiano, normal. Em 1984, Madonna dá mais um passo em direção à libertação feminina ao lançar seu primeiro hit demolidor: Like a Virgin. Nunca ninguém debochou tanto da sociedade conservadora no mundo pop! Virgindade, veneração a autoridades religiosas eram coisas do passado.

Ainda nessa época começaram a pipocar clubes de swing, seguindo o modelo inaugurado pela casa Plato`s Retreat, em 1977, em NY. Pessoas nuas circulando por entre as mesas, na pista de dança, na banheira ou na piscina, quartos privados à disposição, um salão enorme para grupos exercitarem seus desejos luxuriosos, tudo era permitido... Exceto homem com homem. Esses deveriam procurar a sauna gay mais próxima, que também eram diversas e bastante procuradas.

O fato é: o comportamento sexual dos norte-americanos e a completa desvalorização do casamento foram suficientes para desarmar a tão temida “bomba demográfica”. Havia agora 25% menos pessoas casadas na sociedade, os que se casavam o faziam bem mais velhos e a taxa de divórcios escalava. Era agora impensável casar-se sem um período de convivência prévio.

O crescimento vegetativo era suficiente apenas para repor os falecimentos. Os lares se tornaram menos numerosos e apenas 60% deles seguiam o padrão tradicional de papai, mamãe e filhos.

Mas um novo ponto de inflexão de avizinhava. Após o escândalo Watergate, que levou à renúncia de Richar Nixon da Presidência, somado à crise econômica que vicejou durante o governo do seu sucessor, Gerald Ford, o Partido Republicano estava na lona. Perderam a eleição seguinte para Jimmy Carter e perceberam que precisariam reformular suas bases políticas para ter sobrevida no mundo político.

Até então, o Partido Republicano era representado pelos militares e pelo complexo industrial-militar. Agora, novos lobbies aportavam. Um dos mais fortes era conhecido como Conservative Caucus, de Howard Phillips. Outro era a Free Congress Foundation, de Paul Weyrich. Todos eles perceberam o incômodo que aquelas mudanças de comportamento dos últimos anos causavam nos setores mais conservadores, cristãos em geral. Os temas relacionados à “preservação” da família e à sexualidade balizariam as campanhas políticas dali em diante.

Em 1979, o pastor fundamentalista e apresentador de um programa Gospel assistido por mais de 18 milhões de aficionados, Jerry Falwell, foi trazido para a campanha dos republicanos, formando a ínclita Moral Majority. Em torno dela se reuniam os eleitores cristãos revoltados com as mudanças de padrões de comportamento recentes.

O candidato que catalisaria essa “amálgama do atraso” seria justamente o governador da Califórnia no final da década de 1960, quando viu seu Estado sendo invadido pelos hippies de outrora, Ronald Reagan. Tornou-se nacionalmente famoso por ter reagido veementemente contra aqueles jovens. 

Para conquistar o apoio pretendido, Reagan teve de abraçar causas como a criminalização do aborto, o apoio irrestrito ao ensino religioso nas escolas e a proibição da pornografia. Jerry Falwell criava uma cisão ainda maior entre os setores progressista e conservador ao defender teorias extravagantes, como a homossexualidade do Teletubbie Tinky Winky. O tele-pastor James Robinson defendia que os cristãos deveriam sair das igrejas e tomar o país. Falwell cria que políticos ateus estavam levando a América ao inferno – em diversos momentos sustentava que liderava uma guerra santa em solo americano.  

Em 1981, iniciava-se o primeiro mandato de Reagan. Simultaneamente, outro adversário da libertação sexual dava o ar da graça – e se mostraria o pior de todos os adversários: a AIDS. Uma onda de pneumonia entre jovens gays em Los Angeles chamou a atenção do CDC, agência de saúde norte-americana. Poucas semanas depois o mesmo fenômeno se repetia em San Francisco, com um agravante: agora os afetados desenvolviam um tipo de câncer, o sarcoma de Kaposi. Nova York seria o próximo alvo da praga.

Até então se sabia que era uma doença sexualmente contagiosa e estava restrita à comunidade gay. Os nomes com que batizaram essa síndrome eram variados: “gay-related immune deficiency”, câncer gay, “peste rosa”, “praga gay” etc. Mas aos poucos outras vítimas foram identificadas: mulheres heterossexuais, homens heterossexuais, usuários de drogas injetáveis. Entre os hemofílicos, a doença causou um extermínio assustador. Contudo, apesar de se ter identificado até um bebê portador da doença, a imagem de doença surgida para castigar os gays se popularizou.

Em 1982, o CDC finalmente batizou a doença insurgente com seu nome definitivo: AIDS.

Pois bem, foi esse entroncamento trágico da história que deu o mote de que tanto necessitava a direita, agora tendo os republicanos reunidos em torno dos cristãos fundamentalistas: a AIDS era o castigo divino contra a libertação sexual. Gays haviam ressuscitado Sodoma e Gomorra!

Em 1983, médicos franceses conseguiram isolar o vírus da AIDS, o HIV. Conseguiram traçar suas formas de contágio, descartaram todas as bobagens que se falavam à época. Mas os casos totais não paravam de aumentar, provando que o púbico gay não era o único ameaçado.

As propostas legislativas falavam até em criar campos de concentração para gays, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos, com a finalidade de isolar os “grupos de risco”. O sexo após o casamento voltava a ser defendido publicamente, agora como um método para não ser contaminado com AIDS.

O conservadorismo impedia até mesmo que se discutisse abertamente o assunto. Reagan, até 1987, não havia feito qualquer menção à doença que se abatia sobre seu país.

Seguiu-se então um período de perdas de diversos ídolos, alguns reconhecidamente homossexuais, outros não. Em 1996, nascia o tratamento da AIDS por meio de antirretrovirais, o que reduziu sua ameaça intimidadora. Seria possível, agora, conviver com aquela doença. No Brasil, a distribuição dos medicamentos reduziu as mortes pela metade.

Esses fatos fizeram com que a luxúria de outrora se tornasse promiscuidade que ameaçava a saúde pública. O amor livre era agora comportamento de risco. O modelo de casal dos conservadores era agora receita para uma vida saudável.

Mas o tempo e a redução da ameaça de morte que a AIDS significava, aos poucos, trouxe novas demandas do público LGBT, como os direitos do matrimônio. Ou seja, a instituição que era alvo de ódio décadas antes, era agora desejada pelos mesmo a rejeitavam.

Pouco depois surgiram demandas como direito à adoção, à segurança de se exporem socialmente etc.
O final da década de 2000 trouxe um novo ator na história da sexualidade: o smartphone. Logo que se inseriu o recurso de rastreamento por GPS, foi lançado um aplicativo revolucionário: o Grinder, focado no público gay. Capaz de indicar possíveis parceiros sexuais nas redondezas aos usuários, esse recurso tecnológico evoluiu na edição seguinte para o Tinder, aberto para todo tipo de público. Foi um sucesso e trouxe a sensação de flertar na balada para o bolso.

E assim sociedade líquida liquefez os relacionamentos, dando a eles o mesmo imediatismo que contaminou todo o resto daquilo que fazemos...    


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”



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