O cenário do Rio de Janeiro logo da chegada da família Real,
em 1808, era o de uma cidade rural de 60 mil habitantes. A elite residia em
chácaras nos arredores: atuais bairros de Botafogo, Catete, Laranjeiras.
As mulheres brancas vivam enclausuradas em casa. Podiam-se
vê-las debruçadas nos peitoris das janelas, na missa ou em quermesses.
A cidade do Rio de Janeiro possuíam àquela altura 46 ruas, 4
travessas, 6 becos, 19 largos praças, todos imundos e mal cheirosos. Ali se
ombreavam escravos, escravos libertos, comerciantes, funcionários da Coroa,
clérigos.
Com a chegada da Coroa e seus asseclas, 15 mil pessoas se
somaram àquele contingente. Eram funcionários reais, profissionais liberais, oficiais
militares. Sendo a nova sede, ainda que provisória, do império português, a
cidade do Rio recebeu inúmeras melhorias: instituições públicas, militares e
civis, o Horto Florestas, a Biblioteca Real, Academia de Belas Artes, Laboratório
Farmacêutico, Escola de Anatomia, Academia Militar... a lista de imensa.
Províncias agora empobrecidas, como Minas Gerais, viram um
enorme afluxo de pessoas em direção ao Rio de Janeiro, incluindo muitos
escravos em busca de alguma ocupação, servindo à elite da metrópole recém-chegada.
Em 1821, a população já havia chegado a 116.444 pessoas. Em 1849 já contava com
266.466 habitantes e seu porto já estava integrado nas principais rotas
comerciais do mundo.
Tendo esse cenário ao fundo, inúmeros viajantes fizeram seus
relatos sobre o que viram na cidade naqueles anos. Todos afirmavam unanimemente
que a devassidão e a luxúria imperavam pelas ruas, especialmente na classes
mais baixas. Aqueles grupos de escravos reunidos em praças, dançando e cantando
ao som de batucadas, vestindo roupas leves (apropriadas ao clima tropical),
soavam como lassidão moral aos olhares europeus. E foi essa impressão que
serviu para associar o negro ao pouco recato sexual. Também se testemunhou o
efeito que o abuso sexual dos brancos sobre seus escravos negros teve para
dificultar a formação de laços familiares estáveis junto às classes mais
baixas.
Um outro efeito que a chegada da família real teve no
ambiente da cidade foi o acentuamento do desequilíbrio entre homens e mulheres.
Em 1848, havia duas mulheres para cada três homens – entre estrangeiros, era
uma mulher para cada três homens. O primeiro efeito desse excesso de demanda
foi uma inflação elevada no mercado da prostituição.
Pois bem: excesso de procura por prostitutas e classes
sociais bem definidas levaram à segmentação das prostitutas de acordo com seu
público alvo. Em 1845, o médico Lassance Cunha, professor na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, identificou três espécies de “mulheres públicas”,
como chamavam as prostitutas: as de primeira ordem, geralmente estrangeiras,
mas podiam ser brasileiras que residiam em sobrados ou hotéis caros,
especializadas em atender membros da elite; as de segunda ordem eram negras,
pardas, açorianas, ou “escravas brancas”, trazidas por traficantes de pessoas
do Leste Europeu, que atendiam em sobradinhos da cidade, especializadas em
homens das classes médias; as de terceira ordem buscavam seus clientes nas
ruas, atendiam-nos em pensões e se especializavam nas classes mais baixas.
Doutor Lassance ainda identificou a “prostituição
clandestina”: escravas prostituídas pelo seu senhor, mulheres que tinham outra
profissão e quem praticava atos “contra a natureza”: lesbianismo, sodomia,
coito pelo “vaso traseiro” etc.
As prostitutas de primeira ordem eram as “francesas”.
Tentavam trazer para cá a sofisticação dos bordeis parisienses. Inicialmente
atendiam à elite recém-chagada, mas o público se expandiu com os cafeeiros do
Vale do Paraíba.
A rua do Ouvidor, no centro do Rio, era agora o centro da
vida à parisiense. Comerciantes franceses lá estabelecidos viam a elite
política e econômica se reunir em seus cafés, confeitarias e livrarias. Salões
de dança e o teatro Alcazar completavam o cenário idílico.
As “francesas” estavam por toda parte, em busca de clientes
ricos. Dos camarotes do Alcazar ou de dentro de suas carruagens, usavam olhares
e sorrisos como convites para um encontro íntimo. OS hotéis mais caros da
Ouvidor também serviam como bordéis de elite, ou “pension d`artistes”, no
linguajar comum da época.
Notabilizou-se nesse período a cantora Aimée, o “demoninho
louro” nas palavras de Machado de Assis, que seduzia os homens com sua voz, nos
palcos, mas seu principal atrativo eram suas diabruras na cama.
Em pouco tempo, o dinheiro que a elite queimava em sua busca
do prazer que os transportassem para a Europa fez despertarem preocupações com
a estabilidade social, haja vista o luxo em que viviam afundadas as cortesãs
afrancesadas.
Foi por volta do século XIX que a autoridade do padre foi
totalmente suplantada pela do médico. Agora, cada prática sexual que não fosse
com o intuito de reprodução, recebia uma denominação específica: exibicionismo,
fetichismo, automonossxualismo, homossexualismo, safismo etc. Ou seja, a carga
moral ainda era muito forte; a “normalidade”
ainda era um conceito cristão.
No Brasil, a partir de 1808, com a fundação da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, ocorreu o mesmo. Mas aqui o alvo foi precipuamente
a prostituição. E o alto número de contaminações por sífilis era a “prova” de
que a medicina precisava para combater aquele “mal”. Além da sífilis, o Rio de
Janeiro convivia com outras epidemias, como a de cólera, que denunciavam as
péssimas condições sanitárias existentes. Mas, apesar disso, a sífilis e sua
rápida associação com as prostitutas levaram à criação de políticas voltadas
para a regulação da profissão, como já ocorria na Europa. Foi a maneira
encontrada de manter aqueles seres “degenerados” distantes das esposas “angelicais
e sadias.
Organizaram-se,
portanto, locais específicos para a prática da prostituição. Na primeira metade
do século XIX, o local escolhido pela polícia e pelos médicos foi a região da
Lapa. Na segunda metade, mudam-no para a zona do Mangue (atual bairro do Estácio).
A polícia vigiava o local e as prostitutas eram obrigadas a se registrar e a
receber visitas médicas.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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