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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

MOCINHAS FRANCESAS, JOVENS POLACAS E BATALHÕES DE MULATAS


O cenário do Rio de Janeiro logo da chegada da família Real, em 1808, era o de uma cidade rural de 60 mil habitantes. A elite residia em chácaras nos arredores: atuais bairros de Botafogo, Catete, Laranjeiras.
As mulheres brancas vivam enclausuradas em casa. Podiam-se vê-las debruçadas nos peitoris das janelas, na missa ou em quermesses.

A cidade do Rio de Janeiro possuíam àquela altura 46 ruas, 4 travessas, 6 becos, 19 largos praças, todos imundos e mal cheirosos. Ali se ombreavam escravos, escravos libertos, comerciantes, funcionários da Coroa, clérigos.

Com a chegada da Coroa e seus asseclas, 15 mil pessoas se somaram àquele contingente. Eram funcionários reais, profissionais liberais, oficiais militares. Sendo a nova sede, ainda que provisória, do império português, a cidade do Rio recebeu inúmeras melhorias: instituições públicas, militares e civis, o Horto Florestas, a Biblioteca Real, Academia de Belas Artes, Laboratório Farmacêutico, Escola de Anatomia, Academia Militar... a lista de imensa.

Províncias agora empobrecidas, como Minas Gerais, viram um enorme afluxo de pessoas em direção ao Rio de Janeiro, incluindo muitos escravos em busca de alguma ocupação, servindo à elite da metrópole recém-chegada. Em 1821, a população já havia chegado a 116.444 pessoas. Em 1849 já contava com 266.466 habitantes e seu porto já estava integrado nas principais rotas comerciais do mundo.

Tendo esse cenário ao fundo, inúmeros viajantes fizeram seus relatos sobre o que viram na cidade naqueles anos. Todos afirmavam unanimemente que a devassidão e a luxúria imperavam pelas ruas, especialmente na classes mais baixas. Aqueles grupos de escravos reunidos em praças, dançando e cantando ao som de batucadas, vestindo roupas leves (apropriadas ao clima tropical), soavam como lassidão moral aos olhares europeus. E foi essa impressão que serviu para associar o negro ao pouco recato sexual. Também se testemunhou o efeito que o abuso sexual dos brancos sobre seus escravos negros teve para dificultar a formação de laços familiares estáveis junto às classes mais baixas.

Um outro efeito que a chegada da família real teve no ambiente da cidade foi o acentuamento do desequilíbrio entre homens e mulheres. Em 1848, havia duas mulheres para cada três homens – entre estrangeiros, era uma mulher para cada três homens. O primeiro efeito desse excesso de demanda foi uma inflação elevada no mercado da prostituição.

Pois bem: excesso de procura por prostitutas e classes sociais bem definidas levaram à segmentação das prostitutas de acordo com seu público alvo. Em 1845, o médico Lassance Cunha, professor na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, identificou três espécies de “mulheres públicas”, como chamavam as prostitutas: as de primeira ordem, geralmente estrangeiras, mas podiam ser brasileiras que residiam em sobrados ou hotéis caros, especializadas em atender membros da elite; as de segunda ordem eram negras, pardas, açorianas, ou “escravas brancas”, trazidas por traficantes de pessoas do Leste Europeu, que atendiam em sobradinhos da cidade, especializadas em homens das classes médias; as de terceira ordem buscavam seus clientes nas ruas, atendiam-nos em pensões e se especializavam nas classes mais baixas.
Doutor Lassance ainda identificou a “prostituição clandestina”: escravas prostituídas pelo seu senhor, mulheres que tinham outra profissão e quem praticava atos “contra a natureza”: lesbianismo, sodomia, coito pelo “vaso traseiro” etc.

As prostitutas de primeira ordem eram as “francesas”. Tentavam trazer para cá a sofisticação dos bordeis parisienses. Inicialmente atendiam à elite recém-chagada, mas o público se expandiu com os cafeeiros do Vale do Paraíba.

A rua do Ouvidor, no centro do Rio, era agora o centro da vida à parisiense. Comerciantes franceses lá estabelecidos viam a elite política e econômica se reunir em seus cafés, confeitarias e livrarias. Salões de dança e o teatro Alcazar completavam o cenário idílico.

As “francesas” estavam por toda parte, em busca de clientes ricos. Dos camarotes do Alcazar ou de dentro de suas carruagens, usavam olhares e sorrisos como convites para um encontro íntimo. OS hotéis mais caros da Ouvidor também serviam como bordéis de elite, ou “pension d`artistes”, no linguajar comum da época.
Notabilizou-se nesse período a cantora Aimée, o “demoninho louro” nas palavras de Machado de Assis, que seduzia os homens com sua voz, nos palcos, mas seu principal atrativo eram suas diabruras na cama.
Em pouco tempo, o dinheiro que a elite queimava em sua busca do prazer que os transportassem para a Europa fez despertarem preocupações com a estabilidade social, haja vista o luxo em que viviam afundadas as cortesãs afrancesadas.        

Foi por volta do século XIX que a autoridade do padre foi totalmente suplantada pela do médico. Agora, cada prática sexual que não fosse com o intuito de reprodução, recebia uma denominação específica: exibicionismo, fetichismo, automonossxualismo, homossexualismo, safismo etc. Ou seja, a carga moral ainda era muito forte;  a “normalidade” ainda era um conceito cristão.

No Brasil, a partir de 1808, com a fundação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ocorreu o mesmo. Mas aqui o alvo foi precipuamente a prostituição. E o alto número de contaminações por sífilis era a “prova” de que a medicina precisava para combater aquele “mal”. Além da sífilis, o Rio de Janeiro convivia com outras epidemias, como a de cólera, que denunciavam as péssimas condições sanitárias existentes. Mas, apesar disso, a sífilis e sua rápida associação com as prostitutas levaram à criação de políticas voltadas para a regulação da profissão, como já ocorria na Europa. Foi a maneira encontrada de manter aqueles seres “degenerados” distantes das esposas “angelicais e sadias.

Organizaram-se, portanto, locais específicos para a prática da prostituição. Na primeira metade do século XIX, o local escolhido pela polícia e pelos médicos foi a região da Lapa. Na segunda metade, mudam-no para a zona do Mangue (atual bairro do Estácio). A polícia vigiava o local e as prostitutas eram obrigadas a se registrar e a receber visitas médicas.  


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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