Em 1908, a minúscula cidade de Lassance, a 270 quilômetros
de Belo Horizonte, foi epicentro de uma descoberta com impactos internacionais.
Às voltas com a construção de uma malha ferroviária que acabara de alcançar a
região, chamou a atenção de um dos engenheiros a praga de um inseto conhecido
como “barbeiro” que assolava a região.
O tal inseto, Triatoma infestans, é uma espécie de percevejo
que se alimenta de sangue e se esconde sob os pelos do rosto da vítima – daí o
nome.
Funcionário do Instituto Carlos Cruz, no Rio de Janeiro, Carlos
Chagas foi enviado à região, pois havia relatos de que as pessoas estavam ficando
doentes – com diversos óbitos -, apresentado sintomas como: taquicardia,
insuficiência cardíaca, febre, inchaços pelo corpo e muito mais. Eram tantos os
doentes que a construção da estrada de ferro norte-sul estava paralisada.
Tendo duas pistas – pessoas doentes e infestação de
barbeiros -, o médico ligou os pontos e passou a investigar o inseto. Descobriu
que ele defeca no local em que pica a vítima. Passou a investigar os hábitos
alimentares do bichinho: apontou o microscópio para as tripas do barbeiro e
percebeu em seu interior tripanossomas: um tipo de parasita inédito até então.
Chagas então enviou amostras do tal tripanossoma ao laboratório
de Manguinhos. Infectaram um macaco com o parasita e o mesmo ficou doente. Passo
seguinte, investigou o sangue dos contaminados e encontrou o mesmo parasita lá inoculado.
Eureka!
Chagas batizou o parasita descoberto de Trypanossoma cruzi –
em homenagem a seu mestre, Oswaldo Cruz. Impressionou a todos também a
amplitude da descoberta: Chagas descreveu o parasita, o vetor, a síndrome, como
ocorre o contágio... pacote completo! A Doença de Chagas estava agora dominada.
E Chagas foi logo reconhecido: Uruguai e El Salvador diagnosticaram a
doença em, seus territórios; na Alemanha, recebeu o prêmio Schaudinn de
protozoologia. Pensou-se logo: por que não um Nobel?
Um professor da Universidade Federal da Bahia, em 1913,
conseguiu incluir o nome de Chagas entre os indicados. Mas o vencedor naquele
ano foi o francês Charles Richet, que fez progressos importantes estudando
choques anafiláticos.
A decepção não foi muito impactante. Chagas ainda era
relativamente desconhecido internacionalmente, a doença de Chaga só tinha forte
repercussão no Brasil e em alguns vizinhos. Mas a carreira do médico estava
apenas no início.
Após a morte de Oswaldo Cruz em 1917, Carlos Chagas foi
nomeado presidente do Instituto Oswaldo Cruz. Três anos mais tarde se tornou o
primeiro diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública – um equivalente ao
ministro da Saúde à época.
Em 1921, Chagas se tornou o primeiro brasileiro laureado com
o título de doutor honoris causa pela Universidade de Harvard. Bom, agora o
Prêmio Nobel ficava mais factível.
Seguiram-se diversas viagens à Europa, conferências, mais
prêmios, firmou um intercâmbio com os EUA no âmbito das reformas sanitárias...
Foi inclusive anfitrião de Albert Einstein quando este esteve no Brasil.
Em 1921 veio mais uma indicação... Mas não deu de novo. O
Brasil continuava sem ser agraciado com o prêmio que fora concedido à Argentina
por quatro vezes, ao Chile por duas, ao Peru e à Colômbia uma vez.
Não demorou para surgirem teorias as mais diversas e
escabrosas sobre os motivos que levaram os jurados suecos a nutrirem tão
profundo ódio pelo Brasil e pelas descobertas fantásticas e soberbas dos muitos
gênios que aqui nasceram... Mas talvez a verdade seja mais mesquinha e
decepcionante. E, claro, é bem mais crível.
Pesquisas apontam para o surgimento de um grupo de “antichagas”
na comunidade médica brasileira: tamanha vitória de um compatriota deveria ser
devidamente combatida pelos demais. Nada que Tom Jobim não tivesse percebido
posteriormente – “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.
Um dos maiores invejosos chamava-se Afrânio Peixoto – médico,
escritor e político. Preterido na nomeação para dirigir o Departamento de Saúde
Pública, tornou-se logo um dos maiores detratores do médico.
Em 1922, Afrânio e asseclas chegaram ao cúmulo de rediscutir
a descoberta de Chagas, pondo em dúvida seus feitos – questionaram até sobre a
real existência dos doentes! Falaram também que a descoberta do médico afetava
a imagem internacional do país...
Chagas tomou a única decisão que lhe cabia: pediu que uma
comissão reavaliasse seu trabalho e investigasse 40 doentes de Lassance. Após
um ano de exaustivos trabalhos, a comissão deu seu veredicto: “a descoberta
dessa tripanossomíase representa um fato do mais alto alcance científico”.
Para alívio de Chagas, provavelmente ainda chocado com a
atitude de alguns de seus pares, recebeu ele uma carta assinada pelo Presidente
da República na época, Epitácio Pessoa, onde se lia em certo trecho: “A
mediocridade não perdoa o talento, como a treva não perdoa a luz”.
Mas os ataques dos invejosos não arrefeceram. A Doença de
Chagas foi relegada ao esquecimento, foi retirada dos currículos médicos, não
mais se falava ou pesquisava sobre a doença.
Segundo um historiador argentino: “Em 1921, Chagas estava
indicado para o Prêmio Nobel de Medicina, mas, quando tudo sugeria que fosse
outorgado, influências inconfessáveis se impuseram. O instituto sueco havia se
dirigido a organismos científicos do Brasil, coletando dados sobre a sua
personalidade, sua obra, mas alguns de seus próprios compatriotas o
desaconselharam”.
Além de Chagas, o Brasil teve outros nomes que se incluíram
na categoria dos “quase-vencedores”. Em 1935, o japonês Hideki Yukawa previu a
existência de uma partícula subatômica chamada Méson Pi – recebeu o Nobel em
1949 por essa descoberta. Na década de 1940, o físico César Lattes escreveu o
artigo que trazia a comprovação da existência dessa partícula. E essa descoberta,
de fato, rendeu o Nobel... ao chefe da equipe da qual Lattes fazia parte: o
inglês Cecil Powell.
Em 1947, um consultor do Nobel, o sueco Artur Lundkvist,
ficou profundamente tocado pelas obras do poeta brasileiro Jorge de Lima. Embora
houvesse uma enormidade de nomes concorrendo, conseguiu convencer seu pares na
Academia Sueca a concederem o Nobel de Literatura ao brasileiro, em 1958. Mas Lima
faleceu em 1953, e o Prêmio não pode ser concedido postumamente...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do
mundo”
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