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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

NAMORADEIRAS, SERENATAS E VIOLAS


Para as meninas, a vida na cidade, após a absoluta reclusão da casa-grande, não sofreu mudanças muito abruptas. Do alto dos sobrados, as garotas do século XIX não poderiam sequer se demorar demais nas janelas. O casamento continuava a ser arranjado pelo pai.

Mas o poder do “pater famílias” começava a erodir. Isto porque o poder antes concentrado sob sua batuta começava a ser compartilhado com outras instituições que emergiam: medicina governos, bancos escolas, poder judiciário, cada uma delas passava a exercer uma função na vida das mulheres, função esta que ficava a cargo do “pater” ou do padre. Se antes elas se confessavam para o padre, agora deveria dar informações completas e precisas ao médico; a educação dos filhos deixava o ambiente doméstico e passava à batuta do diretor da escola, que decidia o que deveria ser ensinado; agora era o juiz quem dizia o que era justo, independente do que pensasse o pai.

Apesar do olhar vigilante do pai, surgia um meio de comunicação entre meninas e meninos que superava os bloqueios paternos: a janela. A “sinhazinha” apoiada na janela, emitindo suspiros sonhadores, podia trocar olhares com transeuntes, eventualmente ouvir uma seresta. Foi uma evolução significativa se comparada ao total isolamento do campo.

Os encontros sociais ganharam um novo evento: os saraus. Oferecidos dentro de casa, nesses encontros jovens trocavam olhares ao som de modinhas tocadas à viola ou ao piano. Já os encontros públicos ainda se resumiam à missa e às quermesses. Era a ocasião em que se maquiavam e punham seus vestidos mais vistosos. Era quando se trocavam mensagens e olhares apaixonados. Olhares que buscavam ansiosamente um braço descoberta, uma perna descuidada, afinal a moça recatada deveria cobrir todo o corpo, deixando só pés e mãos disponíveis aos olhares masculinos.

De qualquer maneira, as poucas brechas deixadas pela família foram suficientes para que surgisse a idéia “tresloucada” do amor romântico. Como a família nunca estava disposta a aceitar as decisões da filha quanto a seu futuro marido, a segunda metade do século XIX viu uma explosão de uma nova modalidade de crime: o rapto por amor. Rapazes raptavam, literalmente, a amada e assim contraíam o desejado casamento.
Como se tratavam de atos criminosos, os jovens eram julgados por um juiz, não pelo pai da moça – e isso tirava ainda mais a autoridade paterna.

Os noivados eram curtos, para que a virgindade ficasse melhor protegida do marido, que somente a tirava na noite de núpcias, vigiado pela imagem de Cristo na cruz. E após o casamento, permanecia a tradição de separar as funções da esposa recatada, dona do lar e base da família, daquelas reservadas à amante, que exercia as funções que não se consideravam “dignas” da esposa.
     

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”

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