Para as meninas, a vida na cidade, após a absoluta reclusão
da casa-grande, não sofreu mudanças muito abruptas. Do alto dos sobrados, as garotas
do século XIX não poderiam sequer se demorar demais nas janelas. O casamento
continuava a ser arranjado pelo pai.
Mas o poder do “pater famílias” começava a erodir. Isto
porque o poder antes concentrado sob sua batuta começava a ser compartilhado
com outras instituições que emergiam: medicina governos, bancos escolas, poder
judiciário, cada uma delas passava a exercer uma função na vida das mulheres,
função esta que ficava a cargo do “pater” ou do padre. Se antes elas se
confessavam para o padre, agora deveria dar informações completas e precisas ao
médico; a educação dos filhos deixava o ambiente doméstico e passava à batuta
do diretor da escola, que decidia o que deveria ser ensinado; agora era o juiz
quem dizia o que era justo, independente do que pensasse o pai.
Apesar do olhar vigilante do pai, surgia um meio de
comunicação entre meninas e meninos que superava os bloqueios paternos: a
janela. A “sinhazinha” apoiada na janela, emitindo suspiros sonhadores, podia
trocar olhares com transeuntes, eventualmente ouvir uma seresta. Foi uma
evolução significativa se comparada ao total isolamento do campo.
Os encontros sociais ganharam um novo evento: os saraus.
Oferecidos dentro de casa, nesses encontros jovens trocavam olhares ao som de
modinhas tocadas à viola ou ao piano. Já os encontros públicos ainda se resumiam
à missa e às quermesses. Era a ocasião em que se maquiavam e punham seus
vestidos mais vistosos. Era quando se trocavam mensagens e olhares apaixonados.
Olhares que buscavam ansiosamente um braço descoberta, uma perna descuidada,
afinal a moça recatada deveria cobrir todo o corpo, deixando só pés e mãos
disponíveis aos olhares masculinos.
De qualquer maneira, as poucas brechas deixadas pela família
foram suficientes para que surgisse a idéia “tresloucada” do amor romântico.
Como a família nunca estava disposta a aceitar as decisões da filha quanto a
seu futuro marido, a segunda metade do século XIX viu uma explosão de uma nova
modalidade de crime: o rapto por amor. Rapazes raptavam, literalmente, a amada
e assim contraíam o desejado casamento.
Como se tratavam de atos criminosos, os jovens eram julgados
por um juiz, não pelo pai da moça – e isso tirava ainda mais a autoridade
paterna.
Os noivados eram curtos, para que a virgindade ficasse
melhor protegida do marido, que somente a tirava na noite de núpcias, vigiado
pela imagem de Cristo na cruz. E após o casamento, permanecia a tradição de separar
as funções da esposa recatada, dona do lar e base da família, daquelas
reservadas à amante, que exercia as funções que não se consideravam “dignas” da
esposa.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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