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quarta-feira, 4 de outubro de 2017

ONDE HOUVER BURGUESIA, HAVERÁ PUTARIA?


Após a superação de séculos de mandos e desmandos da nobreza, uma nova classe social despontava. Apesar das intermináveis guerras, externas ou civis, a era do absolutismo fez crescer o comércio internacional e a geração de riquezas. Tendo deixado o campo e surfado no progresso urbano, residiam em cidades, eram donos de manufaturas, de tecelagens, eram boticários, donos de armazéns, eram profissionais liberais, como médicos e advogados.

Não eram pobres como os camponeses nem ricos como nobres. Com o dinheiro que amealhavam compravam imóveis cada vez maiores, estudavam cada vez mais. Com a redução da mortalidade, causada pelo controle de pestes e pelo aumento da disponibilidade de alimentos, a burguesia deu nascimento à família nuclear. Esta família reduzida deixava de fora sogros e cunhados – mesmo os nobres viviam em casas enormes no campo, rodeados de parentes da família estendida. Além disso, exigia uma fonte de renda que permitisse a independência familiar. O resultado dessas mudanças foi que o homem passou a se casar por volta dos 30 anos, enquanto as mulheres o faziam por volta dos 28.

O desenho das casas também se alterou. A cozinha foi deparada da área de serviço e passou a ser o habitat da criadagem. As funções que eram da cozinha passaram para a sala de estar. A mulher ganhou um cômodo, onde podia exercitar sua intimidade à vontade: o boudoir. O homem poderia ter seu gabinete próprio.

Essas mudanças levaram à inevitável prática do sexo antes do casamento: o número de bebês abandonados explodiu; as camisinhas (feitas de intestino de ovelha ou de bexiga de peixe) passaram a ser vendidas em lojas populares, os bordéis voltaram a funcionar de maneira mais aberta.

Na Inglaterra, as práticas sexuais de antes do casamento eram chamadas de bundling: o rapaz e a moça se deitavam nus, faziam carícias, conversavam, sem a presença de qualquer familiar, mas era proibida a penetração. Na França essa prática era chamada maraîchinage: diversos casais dividiam a mesma cama e cada qual fiscalizava o outro para que não ocorresse penetração. A virgindade era o “tesouro” a ser preservado, mas agora o risco maior era a gravidez resultante da fornicação.

O final do século XVIII trazia um cenário bastante diverso daquele de seu início: as Igrejas estavam com seu poder moral enfraquecido, os bordéis e a carreira na prostituição voltaram à tona. E houve uma especialização da diversão: casas de moças refinadas, casas de masoquismo, peep shows com muito sexo explícito...

Em Londres, miss Fawkland era dono de um concorrido bordel, em Westminster: formado por três casas geminadas, a primeira era chamada Templo de Aurora e trrazia meninas de 12 e 16 anos, que poderiam apenas ser acariciadas; O Templo de Flora era uma espécie de bordel de luxo; o Templo dos Mistérios era para os sadomasoquistas. Em outros, as meninas eram apresentadas em cardápios, no estilo das cartas de vinhos.

A conseqüente praga de doenças venéreas, desenvolvidas pelo avanço da vida boêmia, era tradicionalmente combatida fazendo sexo com virgens. Essa “medicação” levou ao aparecimento de diversos bordeis especializados em virgens – além do próprio tráfico de meninas virgens para trabalharem nesses bordeis.
As irmandades de libertinos amantes das orgias e do “swing” de casais se multiplicavam, como o Hell-Fire Club londrino. O “vício inglês” – autoflegelação e msoquismo – levou ao surgimento de fortunas, como a amealhada por Theresa Berkeley: 1,4 milhões de dólares atuais em apenas oito anos atuando nesse mercado.

A subcultura homossexual também floresceu. Na França, orgias desse tipo ocorriam em até mesmo em jardins, como o de Versalhes; em Estocolmo, a sodomia corria solta em banheiros e em parques públicos; em Haia, uma pisada no pé era a senha para o flerte entre homens – o mesmo se se agitassem lenços. As Molly houses londrinas eram administradas por homens que usavam nomes femininos.

A transferência de funções das Igrejas para o Estado também desviou o poder cerceador sobre a sexualidade para este último. Diversos países criaram patrulhas de informantes que dedurassem pederastas. Criaram-se listas com nomes de suspeitos. Na França, apenas após a Revolução francesa a homossexualidade deixou de ser crime.

A masturbação também passou a ser perseguida por um novo ator: a medicina. O médico suíço Samuel-Auguste Tissot comparava-o a um suicídio no longo prazo. A guerra contra o onanismo somente se arrefeceu após a II Guerra Mundial.

O século XVIII também viu o fortalecimento do mercado da pornografia “implícita”: isto é, livros de medicina, autos de processos judiciais por crimes sexuais, publicações sobre casamento, tudo passou a trazer algum conteúdo pornográfico votado aos ávidos onanistas...

Os famosos libelos, livretos que se dedicavam a difamar poderosos por conta de escândalos sexuais, feitos famosos nos anos da Revolução Francesa, caíram no gosto popular. A mais famosa vítima desses antepassados das revistas de fofocas foi a rainha Maria Antonieta. Era chamada por eles de: lésbica, prostituta, sodomita, ninfomaníaca, incestuosa – diziam que se deitava com o próprio filho. Sobre seu marido. O rei Luís XVI, diziam: que seu pênis não ficava ereto, que não era mais grosso do que um canudo, e que era incapaz de dominar a fúria vaginal da esposa.

Um símbolo prolífico desse período atendia por marquês de Sade. Passou 27 anos preso POR crimes sexuais capazes de envergonhar até a um libertino contemporâneo. Cinco meses após casar-se, em 1763, foi preso por espancar uma prostituta. Cinco anos depois, seqüestrou uma viúva de 36 anos, num domingo de Páscoa – amarrou-a e a açoitou na cama. Depois disso cortou seu corpo com um canivete e pingou gotas de cera de vela derretida sobre as feridas. Quando a viúva se rendeu e passou a contar-lhe suas confissões, Sade chegou finalmente ao orgasmo. Ficou preso por mais sete meses.

Em 1772 foi condenado mais uma vez: em meio a uma orgia que se estendeu por vários dias, ao lado de um servente e quatro prostitutas, foi condenado por envenenamento e sodomia. Passou mais quatro meses na cadeia, até que conseguiu escapar para a Itália, com a cunhada. Descoberta a fuga, Sade foi condenado à morte na França.

Na Itália, Sade não deixou seu desejos exóticos arrefecerem: Florença e Nápoles também se chocaram com alguns de seus feitos sexuais.

Surgiram muitas histórias envolvendo seu nome e sexo com bebês, com defuntos, com desmembrados e também fazendo uso de orifícios furados no corpo de crianças.  

Retornou à França, ao seu castelo, onde investiu mais quatro loucos anos em orgias. Terminou preso, condenado a 13 anos. Agora, nem mesmo seu título nobiliárquico pôde ajudá-lo.

Na prisão da Bastilha, deu início a suas obras, que ligariam para sempre seu nome a expressões como “sadismo”, “sádico” e “sadomasoquismo”. Publicou primeiramente suas cartas à esposa: uma série de confissões sobre seus desejos sexuais. Depois, veio sua obra maior, “Os 120 dias de Sodoma, ou a escola de libertinagem”. Era a história de 4 homens ricos que seqüestraram 46 adolescentes e deram início a mais de 600 experiências sexuais, sempre aumentando o nível de crueldade, variando os orifícios explorados, as ferramentas usadas. A história era narrada por quatro cafetinas.              

Essa obra foi publicada em 1785, apenas quatro anos antes da Revolução Francesa. Após o estouro do conflito, Sade foi libertado e se juntou aos revolucionários – contava já 50 anos de idade. Chegou mesmo a ignorar sua origem nobre e se apresentava como “cidadão de Sade”. Mas a derrubada da nobreza esvaziou seus bolsos.

Em 1801, Napoleão ordenou que fosse preso novamente, agora pela publicação de outras duas obras. Dois anos depois foi transferido para um manicômio. Neste, manteve um romance com uma filha de uma das funcionárias. Morreu lá internado.
   

Rubem L. de F. Auto         

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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