Após a superação de séculos de mandos e
desmandos da nobreza, uma nova classe social despontava. Apesar das
intermináveis guerras, externas ou civis, a era do absolutismo fez crescer o
comércio internacional e a geração de riquezas. Tendo deixado o campo e surfado
no progresso urbano, residiam em cidades, eram donos de manufaturas, de
tecelagens, eram boticários, donos de armazéns, eram profissionais liberais,
como médicos e advogados.
Não eram pobres como os camponeses
nem ricos como nobres. Com o dinheiro que amealhavam compravam imóveis cada vez
maiores, estudavam cada vez mais. Com a redução da mortalidade, causada pelo
controle de pestes e pelo aumento da disponibilidade de alimentos, a burguesia
deu nascimento à família nuclear. Esta família reduzida deixava de fora sogros
e cunhados – mesmo os nobres viviam em casas enormes no campo, rodeados de
parentes da família estendida. Além disso, exigia uma fonte de renda que
permitisse a independência familiar. O resultado dessas mudanças foi que o
homem passou a se casar por volta dos 30 anos, enquanto as mulheres o faziam
por volta dos 28.
O desenho das casas também se
alterou. A cozinha foi deparada da área de serviço e passou a ser o habitat da
criadagem. As funções que eram da cozinha passaram para a sala de estar. A
mulher ganhou um cômodo, onde podia exercitar sua intimidade à vontade: o
boudoir. O homem poderia ter seu gabinete próprio.
Essas mudanças levaram à inevitável
prática do sexo antes do casamento: o número de bebês abandonados explodiu; as
camisinhas (feitas de intestino de ovelha ou de bexiga de peixe) passaram a ser
vendidas em lojas populares, os bordéis voltaram a funcionar de maneira mais
aberta.
Na Inglaterra, as práticas sexuais
de antes do casamento eram chamadas de bundling: o rapaz e a moça se deitavam
nus, faziam carícias, conversavam, sem a presença de qualquer familiar, mas era
proibida a penetração. Na França essa prática era chamada maraîchinage:
diversos casais dividiam a mesma cama e cada qual fiscalizava o outro para que
não ocorresse penetração. A virgindade era o “tesouro” a ser preservado, mas
agora o risco maior era a gravidez resultante da fornicação.
O final do século XVIII trazia um
cenário bastante diverso daquele de seu início: as Igrejas estavam com seu
poder moral enfraquecido, os bordéis e a carreira na prostituição voltaram à
tona. E houve uma especialização da diversão: casas de moças refinadas, casas
de masoquismo, peep shows com muito sexo explícito...
Em Londres, miss Fawkland era dono
de um concorrido bordel, em Westminster: formado por três casas geminadas, a
primeira era chamada Templo de Aurora e trrazia meninas de 12 e 16 anos, que
poderiam apenas ser acariciadas; O Templo de Flora era uma espécie de bordel de
luxo; o Templo dos Mistérios era para os sadomasoquistas. Em outros, as meninas
eram apresentadas em cardápios, no estilo das cartas de vinhos.
A conseqüente praga de doenças
venéreas, desenvolvidas pelo avanço da vida boêmia, era tradicionalmente
combatida fazendo sexo com virgens. Essa “medicação” levou ao aparecimento de
diversos bordeis especializados em virgens – além do próprio tráfico de meninas
virgens para trabalharem nesses bordeis.
As irmandades de libertinos
amantes das orgias e do “swing” de casais se multiplicavam, como o Hell-Fire
Club londrino. O “vício inglês” – autoflegelação e msoquismo – levou ao
surgimento de fortunas, como a amealhada por Theresa Berkeley: 1,4 milhões de
dólares atuais em apenas oito anos atuando nesse mercado.
A subcultura homossexual também
floresceu. Na França, orgias desse tipo ocorriam em até mesmo em jardins, como o
de Versalhes; em Estocolmo, a sodomia corria solta em banheiros e em parques
públicos; em Haia, uma pisada no pé era a senha para o flerte entre homens – o mesmo
se se agitassem lenços. As Molly houses londrinas eram administradas por homens
que usavam nomes femininos.
A transferência de funções das
Igrejas para o Estado também desviou o poder cerceador sobre a sexualidade para
este último. Diversos países criaram patrulhas de informantes que dedurassem
pederastas. Criaram-se listas com nomes de suspeitos. Na França, apenas após a
Revolução francesa a homossexualidade deixou de ser crime.
A masturbação também passou a ser
perseguida por um novo ator: a medicina. O médico suíço Samuel-Auguste Tissot
comparava-o a um suicídio no longo prazo. A guerra contra o onanismo somente se
arrefeceu após a II Guerra Mundial.
O século XVIII também viu o
fortalecimento do mercado da pornografia “implícita”: isto é, livros de
medicina, autos de processos judiciais por crimes sexuais, publicações sobre
casamento, tudo passou a trazer algum conteúdo pornográfico votado aos ávidos
onanistas...
Os famosos libelos, livretos que
se dedicavam a difamar poderosos por conta de escândalos sexuais, feitos
famosos nos anos da Revolução Francesa, caíram no gosto popular. A mais famosa
vítima desses antepassados das revistas de fofocas foi a rainha Maria
Antonieta. Era chamada por eles de: lésbica, prostituta, sodomita,
ninfomaníaca, incestuosa – diziam que se deitava com o próprio filho. Sobre seu
marido. O rei Luís XVI, diziam: que seu pênis não ficava ereto, que não era
mais grosso do que um canudo, e que era incapaz de dominar a fúria vaginal da
esposa.
Um símbolo prolífico desse período
atendia por marquês de Sade. Passou 27 anos preso POR crimes sexuais capazes de
envergonhar até a um libertino contemporâneo. Cinco meses após casar-se, em
1763, foi preso por espancar uma prostituta. Cinco anos depois, seqüestrou uma
viúva de 36 anos, num domingo de Páscoa – amarrou-a e a açoitou na cama. Depois
disso cortou seu corpo com um canivete e pingou gotas de cera de vela derretida
sobre as feridas. Quando a viúva se rendeu e passou a contar-lhe suas
confissões, Sade chegou finalmente ao orgasmo. Ficou preso por mais sete meses.
Em 1772 foi condenado mais uma
vez: em meio a uma orgia que se estendeu por vários dias, ao lado de um servente
e quatro prostitutas, foi condenado por envenenamento e sodomia. Passou mais
quatro meses na cadeia, até que conseguiu escapar para a Itália, com a cunhada.
Descoberta a fuga, Sade foi condenado à morte na França.
Na Itália, Sade não deixou seu desejos
exóticos arrefecerem: Florença e Nápoles também se chocaram com alguns de seus
feitos sexuais.
Surgiram muitas histórias
envolvendo seu nome e sexo com bebês, com defuntos, com desmembrados e também fazendo
uso de orifícios furados no corpo de crianças.
Retornou à França, ao seu castelo,
onde investiu mais quatro loucos anos em orgias. Terminou preso, condenado a 13
anos. Agora, nem mesmo seu título nobiliárquico pôde ajudá-lo.
Na prisão da Bastilha, deu início
a suas obras, que ligariam para sempre seu nome a expressões como “sadismo”, “sádico”
e “sadomasoquismo”. Publicou primeiramente suas cartas à esposa: uma série de
confissões sobre seus desejos sexuais. Depois, veio sua obra maior, “Os 120
dias de Sodoma, ou a escola de libertinagem”. Era a história de 4 homens ricos
que seqüestraram 46 adolescentes e deram início a mais de 600 experiências
sexuais, sempre aumentando o nível de crueldade, variando os orifícios
explorados, as ferramentas usadas. A história era narrada por quatro cafetinas.
Essa obra foi publicada em 1785,
apenas quatro anos antes da Revolução Francesa. Após o estouro do conflito,
Sade foi libertado e se juntou aos revolucionários – contava já 50 anos de
idade. Chegou mesmo a ignorar sua origem nobre e se apresentava como “cidadão
de Sade”. Mas a derrubada da nobreza esvaziou seus bolsos.
Em 1801, Napoleão ordenou que
fosse preso novamente, agora pela publicação de outras duas obras. Dois anos
depois foi transferido para um manicômio. Neste, manteve um romance com uma
filha de uma das funcionárias. Morreu lá internado.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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